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Segundo Toffler (1991), o conhecimento, contrariamente ao poder que brota de um cano de um revólver de seis tiros, é infinitamente expansível, multiplicador de riqueza e força com a particularidade revolucionária de ser apropriável pelos fracos e pobres. O controlo do conhecimento tem sido, em consequência, disputado e controlado na conquista por mais poder em todas as instituições humanas, a escola e o currículo sem exceção. O conhecimento pode ser usado para punir, recompensar, persuadir, transformar, moldar os valores e evitar gastos desnecessários de força e riqueza. Nas palavras do autor “Nem o Bacon poderia ter imaginado

a transformação radical do poder de hoje: o espantoso grau em que, agora, tanto a força como a riqueza passaram a depender do conhecimento” (ibidem, p.30).

O controlo do conhecimento, do currículo, das escolas e do professor, fez emergir a visão questionadora e crítica: “a teoria educacional crítica determinou-se a desvelar como a

dominação e a opressão são produzidas dentro dos diversos mecanismos de escolarização”

(Giroux, 1997:25). De acordo com este questionamento a escola não é igualitária e democrática e está sujeita a práticas de dominação ideológica, politica e económica, não era mais do que um serviço que continuava a reproduzir as diferenças sociais “produzindo trabalhadores

obedientes para o capital industrial; e os professores retratados como estando presos em um aparelho de dominação que funciona com toda a precisão de um relógio suíço” (ibidem, p:27).

Michael Apple complexifica a visão de escola meramente reprodutiva, segundo a qual o conhecimento ministrado de forma oculta ou explícita é colocado diretamente nos estudantes “passivos”. Na sua opinião as escolas deveriam ser vistas para além da teoria da reprodução. Na obra Educação e Poder, o autor desafia a imagem da escola como um sistema passivo que reproduz as necessidades da classe dominante. Também contesta a ideia do indivíduo controlado como uma marioneta pela superestrutura. Apple (1990), faz uma crítica neomarxista, e não deixa de reconhecer que há uma dominância estrutural entre educação e economia e economia e cultura. A questão adequada a colocar seria: “de quem é o conhecimento

mais importante?” (Apple, 1999, p. 7). O que ensinar é uma questão política e ideológica e há

uma conexão clara entre a forma como a economia está organizada e o currículo. Por sua vez, o currículo não está inocente de culpas, pois a par com as questões educativas, é responsável pela história dos conflitos de raça, género e religião na América e no mundo. Segundo o autor, o professor transmite de forma oculta um conjunto de símbolos e vivências quotidianas próprios da cultura dominante. A posição de Apple sobre a crítica curricular é perpendicularmente oposta à visão técnica do currículo e dos que o representam, pois o autor é da opinião que a crítica à educação deve ir além da análise dos aspetos técnicos e da eficiência do processo de ensino e deveria centrar-se nas relações entre a educação e o poder económico, político e cultural.

A truly critical study of education needs to deal with more issues than the technical issues of how we teach efficiently and effectively- too often the dominant or only questions educators ask.It must think critically about education’s relationship to economic, political, and cultural power. (idem, 1990, p.7).

A posição educacional crítica oferece outras perspetivas de análise, que vão mais além da visão de escola como local de instrução, e deve prover os professores de, não só, analisarem criticamente como também pensarem em possibilidades de reformas no quotidiano escolar, “ ela deve oferecer as bases teóricas para que professores e demais indivíduos encarem e experimentem a natureza do trabalho docente de maneira crítica e potencialmente transformadora; a definição das escolas como esferas públicas democráticas e a definição dos professores como intelectuais transformadores” ( Giroux, 1997:27)

Segundo José A. Pacheco, o currículo é um projeto cultural, social e político, não se elabora no vazio, nem tão pouco se organiza arbitrariamente. “O currículo é construído na base de

ideologias ou de sistemas de ideias, valores, atitudes, crenças, partilhadas por um grupo de pessoas com um peso significativo na sua elaboração” (Pacheco, 2005:70). A definição

apresentada de currículo partilha da hegemonia cultural também presente em autores como (Apple, 1995); (Goodson, 2001); (Apple, 1990; 1999); (Freire, 1971), assim como a perspetiva de currículo, uma construção social, organizado para atingir determinados objetivos específicos. Na visão de Apple (1990:9), “o poder opera na sociedade remetendo a história e

a cultura de alguns grupos para a luz do dia, definindo-os como válidos e transmitidos às futuras gerações, enquanto remete outros para o esquecimento” A tradição reprodutora do

conhecimento opera na educação ao nível do currículo, ao nível da instituição e de forma particular ao nível dos professores. O conhecimento formal, (currículo expresso) e informal, (currículo oculto) com todas as suas desigualdades afeta pessoas reais, ajudando-as ou prejudicando-as dentro das instituições educativas. A cultura crítica necessária para compreender as cumplicidades entre currículo e ideologia deveria questionar:

Como um estudante adquire mais conhecimento; porque razão e de que modo determinados aspectos da cultura colectiva são apresentados na escola como conhecimento objectivo, factual; como é que o conhecimento oficial pode, concretamente, representar configurações ideológicas dos interesses dominantes numa determinada sociedade; como é que as escolas legitimam tais padrões limitados e parciais do saber como verdades inquestionáveis? (ibidem, p, 34)

A legitimação do conhecimento determina o tipo de saberes que todos devemos ter, faz-se num círculo cultural e imposto a outro. Os grupos específicos controlam e definem o conhecimento legítimo e as escolas conferem-lhe legitimação. Aquilo que é ensinado é naturalmente legítimo. Conhecimento, controle cultural e poder económico estão em relação dialética. Se a relação de poder sobre o conhecimento, a cultura e as instituições provocam desigualdades, a escola enquanto elemento dessa comunidade é, por inerência, reprodutora dessas mesmas desigualdades. O currículo, as atividades pedagógicas e a avaliação são as responsáveis pelo processo de produção e manutenção das desigualdades.

Ao conceptualizarmos o currículo de forma crítica, como sugeria Apple (1990), orientando a análise para as ações concretas dos professores na sala de aula, se através de uma atitude

crítica, de conscientização como diria Freire, um estado antagónico ao do silêncio e da passividade, poderemos chegar à conclusão de que, de facto, não existe, o currículo “ingenuamente puro e neutro, despojado de intenções” (Sousa, 2002:10). Não há neutralidades na educação ou nos currículos enquanto estes promoverem capacidades e formas de pensar que se interligam com as pressões e forças de mercado.

A neutralidade da educação é uma falsa questão, pois ela é sempre política no sentido em que os currículos promovem aptidões diferenciadas e perpetuam subculturas de pobreza e seleção de costumes mentais a cultivar. Apesar da intenção de isenção assistimos nas escolas a considerações de classe social, privilégios de poder e de interesses socioculturais. A escola ensina modos de pensar que, uma vez interiorizados, não podem ser isolados da vida e da cultura dos alunos. Assim, a educação existe na cultura que é poder e que é feita de distinções e méritos. A escola não está acima da política. Ela está na política. (Rodrigues, 2008:69).

O currículo, seja uma necessidade administrativa, uma invenção social, ou instrumento de poder e dominação, legitima o conhecimento que é ou não transmitido. A posição dos educadores, segundo a sugestão de Apple, consiste em assumir uma atitude crítica, contrariamente à tendência tradicionalista do professor acrítico, que se julga a si próprio e ao currículo autónomo relativamente às pressões. Se a ação pedagógica, como diriam Bourdieu e Passeron (1970:20) “é objectivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um

poder arbitrário, de um arbitrário cultural”, os professores numa atitude crítica, de

conscientização, como diria Freire, um estado antagónico ao do silêncio e da passividade, deverão questionar-se em primeiro lugar:

 Por que razão alguns métodos de ensino são apresentados como legítimos, enquanto outros são remetidos ao esquecimento?

 As metodologias de ensino e as atividades de aprendizagem que os professores utilizam potenciam da mesma forma a aprendizagem das crianças com baixo e elevado capital linguístico?

 As metodologias e atividades disponíveis valorizam da mesma forma diferentes tipos de processamento e pensamento?

 As metodologias e atividades disponíveis potenciam mais a aprendizagem ativa ou a aprendizagem passiva?