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A generalidade das crianças que frequentam a escola e recebem a instrução adequada e não interrompida alcançam com sucesso a aprendizagem da leitura. Para algumas crianças essa aprendizagem, já de si complexa, só se efetua com recurso a medidas de remediação e compensação. Sendo a aprendizagem da leitura uma competência fulcral do currículo e a melhor preditiva do sucesso académico, os problemas na sua aprendizagem são uma preocupação para governos, professores, técnicos e crianças. Tornou-se de tal forma uma preocupação dos governos, inclusive o português, que transparece em diversas iniciativas nomeadamente o Plano Nacional para a Leitura (PNL)e o programa LER+, entre outros. Outras medidas pretendem ser mais preventivas como a que transparece no Decreto-Lei n.º 33/2009/M, de 31 de dezembro, onde se faz, pela primeira vez em atos legislativos, uma distinção concreta entre dificuldades de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem específicas, doravante identificadas pela sigla (DAE). Para além da evidente distinção entre as duas tipologias, sobre as quais nos debruçaremos mais adiante, esta categorização traz algo de novo, nomeadamente a alusão ao carácter temporário das dificuldades de aprendizagem, a necessidade de implementação de estratégias diferenciadas, de planos de recuperação, medidas de apoio

acrescido e, eventualmente, medidas de supervisão do ensino especial. Estas medidas destinam- se à prevenção das dificuldades de aprendizagem e a minimizar o número de crianças que é referenciado para as soluções de reeducação que é o ensino especial.

Voltando à distinção de dificuldades de aprendizagem e DAE, as primeiras referem-se aos constrangimentos ao processo de ensino-aprendizagem e podem ser colmatadas com adequações nesse processo, quer seja através da diferenciação de estratégias como de apoio acrescido e planos de recuperação. Estas dificuldades de aprendizagem são do âmbito da educação regular, cabendo ao professor adequar as opções metodológicas para a sua superação. As DAE são de ordem intrínseca e, presumivelmente, devem-se a comprometimentos do sistema nervoso central. São, em consequência, perturbações significativas que, contrariamente às anteriores, acompanham o indivíduo ao longo da vida, necessitando de intervenção especializada, individualizada e respetiva prescrição de atividades ao docente do ensino regular. São exemplo de dificuldades específicas a dislexia, disgrafia, disortografia, discalculia, dispraxia, problemas de perceção auditiva, perceção visual e de memória.

Também na aprendizagem da leitura, Cruz (2007) distingue, pela sua origem, as situações de dificuldades de aprendizagem. Para as dificuldades gerais de aprendizagem da leitura cooperam as causas envolvimentais e a fraca ou inadequada instrução. As causas exteriores ao indivíduo, e que condicionam a aprendizagem, referem-se a fatores de ordem relacional, o meio sócio-económico e cultural desfavorecido, a privação sócio-cultural, o edificio escolar, a organização, didática e pedagogia desadequadas. Relacionado com os fatores da escolaridade e pedagogia desadequadas surgem causas como o abandono da escolaridade e, muito especialmente, a falta de capacidade dos professores na aplicação correta de diferentes métodos de ensino. Sobre a importância dos fatores sócio-económico e culturais,Morais (1997) e Sim- Sim (1985) afirmam existir uma correlação entre a desvantagem cultural e sócio-económica e os problemas de aprendizagem da leitura. Não a despropósito, um pouco na linha das teorias da reprodução social de Bourdieu e Passeron:

“Na escola e no colégio, em primeiro lugar, os alunos oriundos de famílias desfavorecidas (operários, empregados, imigrantes) são as primeiras vítimas dos mecanismos (...) de selecção pelo insucesso.(...) À entrada na 6.ª classe, cerca de 80% das crianças que não sabem ler correctamente são de origem popular. À entrada no 4.º ano, 39% das crianças pertencentes aos estratos desfavorecidos desapareceram do curso geral

e foram orientadas para as classes pré-profissionais (...) que servem de Parking para os alunos considerados inaptos para seguirem o grosso do bando.” (Courtois, 1990:134)

Os obstáculos criados pela desvantagem cultural e sócio-económica condicionam a capacidade de compreensão, essencial ao processo de leitura, pois os alunos têm dificuldade em retirar significado do que leram. Não compreendem as palavras usadas, os conteúdos abordados, as estruturas sintáticas e semânticas, a capacidade de prever e antecipar relações entre as palavras, a compreensão de diferentes tipos de texto, raciocínio verbal e memória verbal. Existem, por outro lado, fatores independentes dos fatores sócio-económicos que são os défices na consciência fonémica e desenvolvimento do príncipio alfabético; défices nas estratégias de compreensão e, também, no desenvolvimento e manutenção da motivação para aprender a ler. O factor motivacional, importante para persistir na aprendizagem, pode funcionar como limitador ou facilitador da mesma. Torna-se ainda mais determinante quando a criança experimenta dificuldades em aprender a ler e necessita,mais do que nunca, de orientação e apoio, pois as dificuldades de leitura têm um efeito devastador e condicionam o futuro da criança. O entusiasmo, curiosidade e motivação com que a criança de seis anos se apresenta na escola para iniciar o processo de aprender a ler, desaparece facilmente à medida que vão surgindo as dificuldades de aprendizagem. Por mais que o adulto as tente dissimular, inevitavelmente, ela compara-se com os outros e apercebe-se da diferença de progresso. Começam a surgir os comportamentos de evitamento da atividade que levam a que a criança deixe de praticar as atividades de leitura, tão importantes para o desenvolvimento da fluência (Cruz, 2007).

A leitura e a escrita têm caraterísticas próprias justificativas da complexidade do processo de aprender a ler: a arbitrariedade e irregularidade do código escrito, problemas de memória fonológica e os problemas de instrução. A arbitrariedade e irregularidade do código escrito são os responsáveis por grande parte das dificuldades de aprendizagem da leitura. A primeira aquisição que a criança deve fazer ao iniciar a aprendizagem é a de fazer corresponder as letras do alfabeto - os grafemas, com os sons da fala - os fonemas. Este processo é tão mais difícil quanto menor for a sua capacidade de atenção. Estas conexões exigem, para além da atenção, um bom desenvolvimento percetivo, contato prévio com material escrito, de modo a comprender a representação dos elementos da fala por elementos gráficos, e muita motivação.Os fonemas não são entidades concretas que se possam manipular com as mãos, têm

de ser abstraídos, recortados e isolados das palavras ouvidas para depois serem emparelhados com as letras. Deste modo, apresenta-se evidente que a criança exerce um esforço considerável de atenção deliberada sobre uma atividade abstrata, que é analisar e isolar fonemas, para depois emparelhá-los às letras respetivas. Este processo requer um bom funcionamento da atenção deliberada, da perceção e,não menos, da motivação.

A irregularidade do código verifica-se quando a associação grafema- fonema nem sempre é evidente ou se processa com exceções. Na aprendizagem das primeiras letras a dita associação não gera dificuldades mas, logo depois, surgem as situações em que um fonema tem diferentes representações gráficas. São os casos dos diferentes valores do fonema [k] que pode ter a representação gráfica de [q]; [k]; [c] e ainda de [s], cuja representação varia entre as situações [ss]; [c] [ç] [s]. Mesmo nas situações em que um fonema tem só uma única representação, como por exemplo [a], este pode adquirir diferentes sonoridades dependendo da sua acentuação tónica ou gráfica. O grafema [a] pode ter os valores de: [á], [â],[/ã], [a] dentro de uma única palavra. A transparência do código, ou a falta dela, é mais um problema de aprendizagem que a criança deve superar, com a agravante de não beneficiar de ensino sistematizado. A criança por si só chegará, ou não, à conclusão de que o /e/ de erva é o mesmo que o [e] da palavra tesoura. A terceira razão explicativa das dificuldades de aprendizagem refere-se à participação da memória fonológica. Défices nesta competência afetam a capacidade de recordar os sons fragmentados da palavra e reconstruí-la até chegar ao seu significado.

Sobre os problemas de instrução, Cruz (2007) argumenta que os professores revelam pouco conhecimento acerca da aprendizagem da leitura, das dificuldades que os alunos apresentam e que muitos não estão preparados para ensinar a ler. Justifica que a inadequada preparação dos professores deve-se à falta de instrução formal, tanto na formação inicial como contínua, sobre esse processo tão complexo e as suas desordens associadas.

Existem muitos professores que não dominam o ensino da leitura, sendo muito frequente as crianças não receberem a ajuda de que precisam, ou serem mal orientadas no seu processo de aprendizagem. Isso acontece porque na maioria das vezes os professores não receberam formação acerca do modo como as crianças aprendem a ler, nem sobre o modo como as ensinar (ibidem, p.202)

Miller (1993) sistematizou as causas das dificuldades de aprendizagem da leitura e entre as elencadas encontram-se factores educacionais produtores de insucesso na aprendizagem.

Segundo a autora vários tipos de ordem educacional, reduzindo-se o âmbito do termo à relação entre o aluno, o professor e a sala de aula, que em conjugação levam ao insucesso.

O primeiro fator refere-se ao ensino formal e prematuro da leitura e da escrita, sem que a criança esteja preparada para o receber, é o primeiro fator gerador de insucesso. De facto, todas as crianças ingressam na Educação Básica e preparam-se para aprender a ler e escrever aos seis anos de idade. Mas nem todas as crianças se encontram aptas a receber essa instrução nessa idade, sendo que algumas crianças aprendem a ler por volta dos sete anos de idade. O processo de preparação da criança para aprender a ler começa no berço mas nem todo o ambiente familiar a consegue formar para as competências emergentes de leitura. Crianças provindas de ambientes familiares favorecidos, com as competências emergentes de leitura bem desenvolvidas, não se alarmam com o ensino formal de competências abstratas como a análise fónica. Não acontece o mesmo às crianças com problemas de aprendizagem, crianças imaturas, com pobre discriminação auditiva e fraca estimulação de competências de pré-leitura. É muito provável que estas crianças não estejam preparadas para o ensino formal e que venham a falhar na aprendizagem logo após a início da mesma. Miller (1993) assevera que quando a criança perceciona as suas dificuldades, logo no início da aprendizagem, desenvolve um auto conceito negativo e desânimo perante as atividades de leitura, o que torna mais difícil as possibilidades de vir a ter sucesso. Conhecer a importância do auto conceito negativo e os seus efeitos na motivação e empenho pela aprendizagem, leva necessariamente a admitir que é muito mais prático, útil e económico prevenir os problemas de aprendizagem da leitura do que os remediar. O segundo fator educacional gerador de insucesso na aprendizagem da leitura acontece quando o professor não privilegia o estilo de aprendizagem do aluno. A teoria dos estilos de aprendizagem relaciona-se com a Teoria das Múltiplas Inteligências de Gardner (1983), segundo a qual os seres humanos têm várias formas de percecionar o mundo que se traduzem em oito diferentes tipos de inteligência: a análise lógico-matemática, a representação espacial, o pensamento musical, a corporal-quinestésica ,a compreensão de si próprio, a compreensão dos outros indivíduos e a compreensão da natureza.

Deste modo, cada indivíduo possui preferência por uma destas abordagens, ou diferentes combinações delas, conferindo-lhe um caminho mais facilitado ou mais difícil de aprendizagem e que deve ser tido em conta. Poder-se-ia pensar que para aprender a ler os indivíduos utilizam a sua inteligência línguística, pois a tarefa a executar relaciona-se com competências verbais. No entanto, a inteligência línguística pode ser substituída, ou

complementada, com a inteligência visuo-espacial que sugere que para lermos uma palavra temos de a visualizar. Dito isto, parece-me que para os alunos cujo perfil de inteligência preferido é visuo-espacial, a forma ideal de abordar o ensino da leitura seria através da leitura global de palavras. Outros alunos que apresentam respostas físicas enquanto leem sugerem que a área e tipo de inteligência solicitada é a corporal-quinestésica. O método para aprender a ler seria mais eficaz se apelasse para atividades quinestésicas. O ritmo e a musicalidade são, também, intervenientes do processo de leitura e, em especial, da compreensão. Normalmente as leituras que se fazem recorrendo a pausas adequadas e musicalidade do discurso favorecem a compreensão. Sabendo isto, será necessário questionar se este tipo de funcionamento não será uma evidência do perfil de inteligência presente, a musical. Conhecer o estilo de aprendizagem do aluno apresenta-se, assim, como uma das estratégias de facilitação da aprendizagem e,

consequentemente, de prevenção do insucesso. Algumas crianças parecem aprender mais eficazmente através da memória visual das palavras, privilegiando, assim, um método visual de aprendizagem. Outras são mais eficazes utilizando a via auditiva ou a via quinestésica. Para as primeiras, as visuais, corresponde um método que parta da visualização e memorização da palavra geradora. Um exemplo deste método é o método das vinte e oito palavras, o qual parte de uma imagem familiar à criança com associação a uma palavra geradora, que inicialmente deve ser percecionada e memorizada visualmente. Posteriormente, através de sucessivos recortes da palavra, chega-se à noção de sílaba e de letra. Independentemente do método a utilizar, este processo, quer seja no sentido top down ou botton up, deve ser realizado, pois a

noção de sílaba ou de letra são essenciais ao processo de aprendizagem.

As crianças que apresentam um estilo auditivo beneficiam com a abordagem fónica, ou seja, são mais competentes na discriminação dos fonemas, na segmentação silábica, reconstrução e desconstrução de palavras. Estas crianças, à partida, não experimentam grandes dificuldades de aprendizagem, pois, na generalidade, a instrução inicia-se privilegiando métodos e competências auditivas. Tome-se por, exemplo, o método analítico sintético que se inicia pela apresentação de uma palavra, passando logo depois à identificação da letra objeto de instrução. Também apresenta várias palavras cujo objetivo é identificar os aspetos que têm em comum, ou seja, a letra. Os alunos com perfil visual necessitariam de mais tempo na análise da palavra inicial, na sua memorização visual e só mais tarde chegariam ao processo de identificação da letra.

Apresentados os condicionantes da aprendizagem que advêm do estilo preferido de cada aluno, a tarefa mais difícil cabe ao professor, pois se é importante conhecer o estilo de aprendizagem do aluno para facilitar o processo de aprendizagem têm que lhe ser dadas competências de identificação dos mesmos. Assim, Miller (1993) sumariza alguns dos itens que fazem parte dos comportamentos próprios de cada estilo cognitivo de aprendizagem, os quais devem ser observados pelo professor, de forma a escolher e adaptar as estratégias de ensino numa lógica facilitadora do processo de aprendizagem.

O aluno com estilo cognitivo visual identifica-se da seguinte forma:

1. Aprende o que vê.

2. Identifica facilmente palavras escritas.

3. Prevê e identifica palavras confiando nas consoantes iniciais ou forma da palavra.

4. Possui boa memória visual. 5. Tem boa caligrafia.

O aluno com estilo cognitivo auditivo identifica-se pelos seguintes comportamentos: 1. Gosta de falar e de ouvir.

2. Confia e é competente na análise fónica para a descodificação das palavras. 3. Resolve os problemas de forma verbal.

O aprendiz de estilo quinestésico é dos mais dificeis de identificar e não menos de ensinar, uma vez que requer a combinação de diferentes abordagens:

1. Aprende mais eficazmente fazendo. 2. Não é competente na ortografia.

3. Tem grande dificuldade na identificação de palavras quer seja por via visual ou através da análise fónica.

4. Tem comprometimentos no desenvolvimento da linguagem. 5. Não aprecia as atividades de leitura.

6. Parece não utilizar eficazmente a via visual nem a auditiva .

O terceiro factor elencado por Miller (1993) é também, no seu entender, o mais comum. A instrução desadequada da leitura pode acontecer sempre que o professor não adequa os

materiais, as atividades, ou os métodos de ensino à criança. Se para algumas crianças a instrução adequada consiste numa continuação do desenvolvimento das competências que a criança já possui, acopladas ao seu desenvolvimento da linguagem e a comportamentos emergentes da leitura, para a criança com dificuldades isso não acontece. A iniciação do ensino da leitura através de atividades que privilegiam a fonética, ou seja, o som, e o nome das letras de forma isolada não privilegia a compreensão que é dada por elementos maiores do que a letra, como sejam a palavra e a frase. Demasiada ênfase colocada na identificação dos sons prejudica a compreensão que é o fundamento do processo de descodificação. Por outro lado, existem crianças com dificuldades de aprendizagem da leitura que beneficiam com um programa de análise fónica apresentado de forma estruturada e recorrendo a exemplificações práticas e claras. Outros alunos fazem progressos quando o professor recorre a atividades táteis e quinestésicas como as letras de moldar, letras de materiais ásperos, escrever em areia, ritmos e gestos. Miller (1993) recomenda estas atividades para crianças com dificuldades na memorização visual das palavras ou letras.

O quarto fator gerador de insucesso na aprendizagem da leitura, também relacionado com a instrução, é o desadequado ritmo de instrução, segundo o qual a apresentação demasiado rápida dos conteúdos, sem o suficiente reforço das palavras a aprender e a análise fónica dos sons que a compõem, prejudica grandemente a aprendizagem. Este fator é especialmente limitador para a criança com dificuldades de aprendizagem, para as quais o reforço deve ser sempre dado com base na análise de palavras significantes, ou as palavras geradoras através das quais se procede à análise fónica. A análise fónica dos elementos que compõem a palavra deve ser sempre o ponto de partida para se chegar à noção do som e do grafema.

O número de alunos por turma constitui o quinto fator educativo gerador de dificuldades de aprendizagem da leitura. Turmas grandes no ensino básico, em especial nos dois primeiros anos destinados à iniciação da aprendizagem, não conduzem a bons níveis de aquisição. A atenção individual exigida ao professor por cada aluno, os diferentes estilos de aprendizagem, as áreas fortes e fracas de cada aluno não se consubstanciam com turmas de iniciação com mais de vinte alunos.

Finalmente, dos fatores educativos elencados por Miller (1993), os quais concorrem para o insucesso na aprendizagem da leitura, está a relação professor-aluno. Segundo a autora este é um dos mais fortes condicionantes da aprendizagem, tanto na sala de aula como nas sessões de tutoria. A qualidade da relação professor-aluno é difícil de descrever devido aos diferentes

estilos existentes. Alguns alunos progridem com uma relação com o professor do tipo afetuosa, positiva e sem demasiada pressão sobre as competências a adquirir. Outros preferem um professor mais firme, que os pressione para a realização das tarefas que exigem algum esforço ou concentração. Finalmente, quando o aluno sente que o professor não tem grandes expetativas nas suas capacidades, este tende a corresponder às mesmas, limitando-se a atingir as competências mínimas.