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4. Processos de aprendizagem da leitura

4.1. Processos ascendentes

O processamento ascendente (botton-up), ou de nível inferior ou baixo, faz um processamento partindo das unidades mais pequenas, as letras, as sílabas, as palavras, as frases e, finalmente, a compreensão. O processo de leitura faz-se avançando de estádio em estádio, de forma hierarquizada, pressupondo-se que evolui do simples para o complexo. Os processos cognitivos exigidos ao aprendiz da leitura começam por ser primários (identificar e fundir as letras) e prosseguem em ordem de dificuldade para processos mentais superiores (produzir sentido com as letras que juntou) até chegar a um processo mais elevado, o significado ou a compreensão. Assente neste processamento, assume-se que o processo de descodificação se inicia sobre as letras impressas (nível inferior) até chegar a unidades linguísticas maiores (as palavras) e, finalmente, as frases. Nesta conceção enquadram-se os métodos sintéticos de ensino da leitura. A tarefa primordial do aspirante a leitor consiste, então, em fazer descodificar os símbolos (grafema) impressos que vê nos seus sons representados (fonemas). Esta tarefa

pressupõe um bom desenvolvimento da linguagem oral e compreensiva como condição essencial para atingir o significado. Nestes modelos ler é sinónimo de ouvir, mas com a tarefa adicional de transpor o escrito para o oral. O aprendiz de leitor é, assim, um sujeito passivo no processo de descodificação, uma vez que o único conhecimento que este ativa é a transposição letra-som.

The reader assumes a relatively passive role in the translation process; that is, the only knowledge he brings to bear is knowledge of symbol-sound correspondences. (…) by contrast, top-down models assume that the translation process begins in the mind of the reader with an hypothesis or guess about the meaning of some unit or print. (Pearson & Kamil, 1978, p. 6)

Também Vaz (1998:29) refere, sobre a participação do aprendiz de leitor segundo este modelo, que não lhe “cabe outro papel que não seja o de captar a informação tacitamente

expressa no texto”. Considera-se que a linguagem escrita é uma representação quase exata de

todos os sons da língua, não sendo a leitura senão a tradução das mensagens escritas nos seus equivalentes orais. Para cada fonema um grafema correspondente e as diferenças de aprendizagem entre os indivíduos relacionam-se apenas com a maior ou menor capacidade de aprendizagem do código (Corte-Real, 2004; Rebelo, 1993; Vaz, 1998).

Segundo o modelo de Gough (1972 citado em Cruz, 2007)) o processo de acesso ao léxico é linear e fundamenta-se na via fonológica. A via visual, direta ou primária de reconhecimento visual e global não faz parte do processo de acesso à compreensão de Gough. Esta é uma das críticas feitas a este modelo por (Vaz, 1998; Cruz, 2007) que consideram que se apresenta contraditório com os resultados da investigação clássica, ao admitir o reconhecimento das palavras unicamente através da identificação sequencial das letras que a compõem. Como explicaria Gough o facto de leitores não alfabéticos10 conseguirem identificar palavras

globalmente sem conhecerem o princípio grafema-fonema como é frequente na educação de crianças e jovens com deficiência mental? Ou, ainda, que é possível identificar a seguinte sequência de números e palavras, em perfeito desacordo com o príncipio alfabético, e retirar deles algum sentido?

10 Cf. Vítor Cruz, 2007, Uma abordagem cognitiva da leitura, 2007, p. 203. Leitores não alfabéticos são aqueles que se desviam do caminho normal de aquisição da leitura logo na sua primeira fase, isto é, o reconhecimento das palavras por pista visual, não tendo assim nenhum conhecimento acerca dos princípios alfabéticos.

35T3 P3QU3N0 T3XTO 53RV3 4P3N45 P4R4 M05TR4R COMO NO554 C4B3Ç4 CONS3GU3 F4Z3R CO1545 1MPR3551ON4ANT35! R3P4R3 N155O! NO COM3ÇO 35T4V4 M310 COMPL1C4DO, M45 N3ST4 L1NH4 SU4 M3NT3 V41 D3C1FR4NDO O CÓD1GO QU453 4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R P3N54R MU1TO, C3RTO? POD3 F1C4R B3M ORGULHO5O D155O! SU4 C4P4C1D4D3 M3R3C3! P4R4BÉN5! (Autor desconhecido)

Uma das críticas que os investigadores portugueses, como Cruz (2007; Vaz, 1998), fazem ao modelo do Gough é a exclusividade da mediação fonológica para a obtenção do significado. Como podemos confirmar pelo excerto apresentado anteriormente, a mediação fonológica não permitiria retirar sentido da sequência de letras e números. Da mesma forma que nem sempre é possível identificar todos os erros ortográficos de um texto pelo facto dos leitores não processarem todas as letras da frase.

Um outro investigador, Kolers (1968), apresentou as suas críticas ao modelo ascendente de Gough afirmando que a forma geométrica das letras não é suficiente para o seu reconhecimento, nem é suficiente para possibilitar a leitura. A proposta ascendente, fortemente baseada no reconhecimento das letras como método de aprendizagem e no processamento linear que parte do olho para um sistema visual, passando pelo registo de caracteres e registo fonémico, assemelha-se demasiado ao processamento behaviorista de estímulo-resposta. Parafraseando Kolers (1968), o leitor não tem uma “imagem fotográfica na sua mente” como se a identificação das letras se processasse da mesma forma que um flash de luz dirigido aos nossos olhos. O processo de leitura é mais um processo construtivo do que reprodutivo, isto é, aquilo que o leitor tem na sua mente é uma construção que o próprio realizou através de pistas, de significados e de várias operações mentais. A luz de uma lanterna dirigida aos nossos olhos é um estímulo com uma resposta conhecida associada. A luz induz uma resposta na retina que viaja até ao nervo ótico. O processo de identificação das letras e palavras é muito mais complexo do que a teoria estímulo-resposta, na medida em que para as identificar o leitor tem de, previamente, saber algo sobre elas.

As Huey emphasized reading is na information-gathering activity principally. Would it not be useful to attempt its teaching in those terms and move a little distance away from the purely computacional aspects of letter recognition and phonics?Does the constructive process on which comprehension depends really require tedious drill in such primitive elements as letters, sounds and words? (Kolers,1968:16)

Uma crítica final ao modelo ascendente de aprendizagem da leitura refere-se a este centrar- se demasiado no processo computacional linear e não admitir que o contexto influencia a leitura. Vejamos o seguinte exemplo: Ao ler a frase “ A Ana nadou no lago” o leitor erra e substitui a palavra lago por uma outra com sentido muito próximo semântica e sintáticamente, como por exemplo “mar”, “Sado”, “rio”. É improvável que o leitor substitua a palavra “lago” pela palavra cozinha ou mulher, pois o contexto deu indícios sobre a possibilidade de aparecer uma palavra relacionada com o verbo nadar. Da mesma forma, na frase “ Ele cozeu uma batata” e apesar da palavra “cozer” e “coser” terem pronúncia igual, a pista dada pela palavra “batata” confirma que “cozer” não se refere ao ato de costura com agulha e linha.

O que se pode concluir com estes dois exemplos é que no processo de descodificação participam outros fatores para além da relação letra-som e que a compreensão medeia o processo através das pistas sugeridas pelo contexto.

É precisamente a compreensão que separa as duas vias ascendente e descendente de aprendizagem da leitura e, que, por sua vez, influencia os métodos de ensino.