• Nenhum resultado encontrado

4. Processos de aprendizagem da leitura

4.4. Modelos interativos compensatórios

Apesar do consenso reunido em volta dos modelos interativos movido pelas suas qualidades de flexibilidade, relativamente aos anteriores, relativização da importância do contexto, contrabalançando-a com um processamento entre o conhecimento sintático, semântico, mas também ortográfico e lexical, este modelo também não está isento de críticas. Estas prendem- se com o facto de ser pouco descritivo relativamente ao uso da via fonológica, ou outras alternativas de reconhecimento de palavras, e também por não especificar como é que este processo se aplica em leitores iniciantes, já que o modelo se aplica a leitores experientes (Cruz,

2007). Já Vaz (1998) considera que os modelos interativos, ao valorizarem em simultâneo os aspetos essenciais dos modelos ascendentes, como a decifração, e os aspetos básicos dos modelos descendentes, a compreensão, tiveram mérito, pois integraram os resultados da pesquisa. Ao admitirem um processamento em paralelo, onde as várias fontes de conhecimento estão disponíveis para utilização, estes modelos explicam que o mau funcionamento num determinado nível seja compensado pela ativação de outro nível.

Segundo esta proposta, um aluno com problemas de reconhecimento de palavras ao ler utiliza, preferencialmente, estratégias de compreensão para compensar o défice. Por outro lado, o aluno com problemas em compreender uma frase utiliza, preferencialmente, estratégias ascendentes, ou seja, de descodificação até à compreensão (Cruz, 2007). O princípio teórico do modelo interativo compensatório é a existência de duas vias paralelas de reconhecimento de palavras, uma via visual, ou de acesso direto ao significado no caso de a palavra ser familiar, e a via indireta ou fonológica no caso de a palavra ser desconhecida. A representação esquemática que se segue refere-se aos processos cognitivos envolvidos no reconhecimento de palavras segundo Ellis & Young (1977 citado e extraído de Cruz, 2007:97)

Ilustração 2: Modelo funcional simples dos processos cognitivos envolvidos no reconhecimento, compreensão e leitura de palavras. (extraído de Cruz, 2007, p.97).

Sistema Semântico Palavra Escrita Sistema de Análise Visual Léxico Fonológico Produção da Fala Léxico Ortográfico de Input Visual Conversão Grafema- Fonema Nível do Fonema Fala

A representação esquemática dos modelos interativos compensatórios pode, também, ser analisada da seguinte forma: o leitor na presença de uma palavra ativa a via visual (direta) ou fonológica (indireta). Na possibilidade da palavra ser conhecida, o processo vai desde a análise visual diretamente para o léxico ortográfico e segue para o sistema semântico onde adquire o significado. Na presença de palavras desconhecidas o leitor não pode realizar um processamento com base na via visual diretamente até ao significado. Nessa circunstância terá, forçosamente, de utilizar a via fonológica, ou de conversão grafema-fonema, até chegar ao léxico fonológico e, finalmente, ao sistema semântico onde adquire o significado. O modelo funcional simples explica o processo de reconhecimento de palavras e põe em evidência duas vias alternativas. Na leitura de palavras conhecidas, o leitor, que já adquiriu alguma automatização, procede utilizando a via visual direta e chega rapidamente ao significado e à fala.

Na presença de palavras desconhecidas, o leitor com competências de descodificação grafema-fonema utiliza a via fonológica. Este modelo de funcionamento parece gerar consenso entre os investigadores da área da linguística e ciências da educação, tais como (Cruz, 2007; Viana & Teixeira, 2002; Miller, 1993) e, também, da neurologia como Habib (2000). O interesse do presente modelo para a prática pedagógica está nas situações em que o leitor não conhece as palavras, nem é competente no processo de tradução grafema-fonema. Nessas circunstâncias, lugar-comum onde se encontram as crianças com dificuldades de leitura, ou os alunos que estão a iniciar o processo de aprendizagem, a via automática de reconhecimento de palavras é insuficiente para dar acesso ao léxico direto ou visual, uma vez que o reportório de palavras conhecidas é pequeno. Por sua vez, as capacidades de conversão grafema-fonema são insuficientes para que o aprendiz tenha acesso ao léxico fonológico.

Tratando-se o modelo interativo-compensatório de um modelo dual ou de dupla via, uma simplificação da representação esquemática do Quadro 3 (modelo de dupla e tripla via) tem flexibilidade necessária para constituir a alternativa metodológica ao ensino das crianças com dificuldades de aprendizagem. O princípio teórico subjacente, e que se pode aplicar à metodologia do ensino da leitura, é a alternativa à via fonológica, a preferencial tanto dos métodos sintéticos como dos métodos analítico-sintéticos que, mesmo sendo uma aproximação aos métodos mistos, não dispensam o ensino pela descodificação e a tradução grafema-fonema. O presente modelo alternativo-compensatório abre novas perspetivas ao ensino individualizado da leitura por apresentar duas possibilidades distintas de acesso ao léxico: a via visual e a via

fonológica. Na possibilidade da via fonológica se apresentar como a preferencial, de acordo com o seu estilo individual de aprendizagem, o professor adequa o método de ensino correspondente que poderá ser o analítico-sintético ou sintético. Na possibilidade da via fonológica não ser a preferencial, segundo o estilo de aprendizagem do aluno, existe a possibilidade de seguir através da via visual ou direta de acesso ao léxico.

As dificuldades de aprendizagem da leitura podem dever-se a vários fatores, entre eles as dificuldades na consciência fonológica e no desenvolvimento do princípio alfabético, que são claros impedimentos à utilização de metodologias de ensino baseadas na via fonológica. As crianças com dificuldades de consciência fonológica têm dificuldades em associar os sons da fala às letras, em isolar os sons numa palavra e em encontrar sons que rimem em identificar palavras que se iniciem ou terminem com o mesmo som.

As dificuldades na descodificação e no reconhecimento de palavras, muitas vezes devidas a défices na consciência fonémica e atrasos no desenvolvimento do princípio alfabético, estão no centro da maioria das dificuldades de leitura, pois, não sendo uma condição suficiente, a consciência fonémica é suficiente para que as crianças aprendam a ler (Cruz, 2007:199).

As conexões entre os sons da língua e as letras do alfabeto são difíceis de aprender pois trata-se de unidades abstratas cuja análise exige atenção deliberada, motivação e persistência. Por outro lado, as letras do alfabeto são unidades visíveis e podem ser manipuladas. Qualquer que seja a via utilizada para a leitura visual ou fonológica é um facto que as crianças com problemas de leitura são mais lentas no reconhecimento de palavras comparativamente aos bons leitores, que mais rapidamente adquirem a automaticidade e a compreensão. As diferenças são mais acentuadas na leitura de pseudopalavras e de palavras desconhecidas, onde as crianças com mais capacidades de tradução grafema-fonema são mais eficazes do que as crianças com preferência pela via visual. As capacidades fonológicas são apontadas como um bom preditor da capacidade de aprendizagem da língua e constituem a caraterística comum entre as crianças com bom nível de leitura, Corte-Real (2004); Cruz, (2007) ; Rebelo; Marques& Costa (2000). No entanto, para aquelas crianças que, por motivos diversos e alguns ainda não conhecidos, têm dificuldades em analisar intencionalmente a língua, que não compreendem a noção de sílaba, letra, fonema, deverá existir metodologias alternativas de ensino, que respeitem essa diferença e potenciem a aprendizagem.

Capítulo VII

O ENSINO DA LEITURA