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O presente estudo pretende conhecer uma realidade humana, social e educativa. Como tal, reveste-se de um conjunto de caraterísticas e princípios que orientam o processo de procura do conhecimento. No presente estudo a busca do conhecimento não se subjuga ao paradigma quantitativo. Acomoda-se ao paradigma interpretativo, na medida em que procura compreender os condicionamentos que influenciam as ações e as representações dos participantes. Assume que as pessoas que participam na realidade social estudada têm a sua própria visão e influenciam essa mesma realidade. A investigação qualitativa e a educativa devem orientar-se no sentido de “analisar a realidade, compreendê-la melhor e intervir nela de forma mais

reflexiva e mais eficaz; promover a formação e o aperfeiçoamento dos professores” (Morgado,

2012:33).

Em sintonia com o autor “assumimos ambos os interesses- prático e emancipatório-, já que

entre os nossos objetivos figura o de descobrir o que ocorre no sistema educativo para, de seguida, oferecermos algumas possíveis saídas ou opções de melhoria, isto é, emancipatórias”

(ibidem, p.18). Ao fazer uma análise do que ocorre num contexto educativo a nível macro, as cinco escolas estudadas, e a nível micro, os oito casos selecionados, este estudo pretende perceber o que ocorre para abrir possibilidades de melhoria. A emancipação da ação docente só é possível quando o professor se envolve na investigação das práticas curriculares que o “liberte

do domínio de determinados pensamentos e correntes de índole mais impositivista e determinista que, desde há muito, tentam conformar e condicionar os fenómenos educativos”

(ibidem, p.52).

A metodologia, cifrando-se num conjunto de diretrizes que orientam a investigação científica, pode situar-se ao nível das diretrizes gerais, ou a um nível mais tecnológico referindo-se aos procedimentos de investigação. Ao nível das diretrizes gerais esta investigação carateriza-se pelo estudo de caso múltiplo. Os casos referem-se a oito alunos agrupados pelo fator comum que são as dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita. A caraterística distintiva é a própria singularidade dos estudados, isto é, as diferentes condições psicopedagógicas que deram origem às NEE. O facto de os alunos pertencerem a uma categoria generalista como as dificuldades de aprendizagem não mitiga a influência dos fatores biopsicossociais que marcam a individualidade. Alguns desses fatores individuais que

constituem os casos são a síndrome de Asperger, as perturbações da atenção, hiperatividade e linguagem, a dislexia e os problemas ao nível do funcionamento intelectual. A singularidade descrita anteriormente exige um plano de investigação centrado na compreensão dos fenómenos, fazendo para isso uma focagem pormenorizada e aprofundada que utiliza métodos diversificados e relevantes de recolha de dados e que podem, em última análise, contribuir para a mudança e melhoria da prática docente e da aprendizagem. Adequa-se, portanto, a este objetivo a metodologia do estudo de caso múltiplo.

A abordagem metodológica para um problema que pretende observar como decorre a relação entre o professor, o aluno e o currículo terá de proporcionar uma visão em profundidade na sua complexidade. Organiza-se sob a forma de estudo de caso múltiplo centrado na descrição e compreensão de um grupo de alunos, as suas particularidades e os aspetos que têm em comum.

Esta investigação é, também, um processo de aprendizagem. Para cada caso procura entender a razão do insucesso, os princípios subjacentes à prática educativa do professor, a sua formação inicial e contínua e as conceções relativamente ao ensino da leitura e escrita. Numa expressão: compreender porque os professores ensinam daquela maneira e não de outra.

Para além de descrever um grupo de alunos com insucesso logo ao iniciar a vida escolar, o estudo descreve o seu contexto dando, assim, uma visão em complexidade do fenómeno.

O estudo de caso pode constituir um interessante modo de pesquisa para a prática docente, incluindo investigação de cada professor nas suas aulas. Mas tal pesquisa não equivale a simplismo, antes exige enquadramento teórico adequado, domínio de instrumentos e disponibilidade de tempo. (Duarte, 2008:114).

Como processo de aprendizagem este trabalho pretende conhecer diferentes formas de aprender e procurar dentro das metodologias propostas por diversos autores as que facilitam o processo de ensino e de aprendizagem. Em semelhante linha de pensamento, Morgado (2012) afirma que a investigação educativa deve cumprir dois propósitos, descrever os fenómenos e orientar os indivíduos para a prática e melhorar as respostas educativas aos alunos.

A investigação que recorre a estudos de caso dá importantes contributos, na medida em que proporcionam a visão em profundidade, detetam situações e processos que em estudos de maior dimensão podiam passar inobservados. A análise de casos ilustrativos, ou representativos, pode ser uma mais-valia para as instituições ou, no caso, dar informação sobre os processos que o professor utiliza na sala de aula para responder às dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita.

Nesta ordem de pensamento o professor numa visão muito além de implementador do currículo, poderia atuar como investigador procurando aperfeiçoar o ensino. Quando o professor estuda a sua prática e põe à prova teorias, para além de as implementar, coloca-se numa posição de figura central do currículo, orquestrador da aprendizagem e “quando isso

acontece estamos perante um processo de maturidade e progressiva emancipação curricular por parte do professor, o que permitirá libertar-se do papel de mero implementador de prescrições que lhe tem cabido e assumir-se como verdadeiro protagonista da ação” (ibidem,

p.35).

Tomado como instrumento de reflexão docente e de aperfeiçoamento da prática o método de estudo de caso não pretende sugerir generalizações. Yin (1993; 1994); Stake (1998 ) e Duarte (2008) são unânimes em afirmar que o método tem sido considerado uma base pobre de investigação, uma vez que não permite a generalização e não garante a objetividade do observador. A resistência da comunidade académica aos estudos de caso pode relacionar-se com a dificuldade de generalização baseada em critérios estatísticos, (Duarte 2008). A insuficiente precisão (o que para alguns é sinónimo de quantificação), objetividade e rigor são críticas apontadas a este tipo de estudos (Yin,1994). O autor justifica esta atitude tradicional com a tendência para o investigador desleixar e deixar-se influenciar na direção, descobertas e conclusões.

O conhecimento científico, de carácter positivista, não se forma a partir de evidências recolhidas com o estudo de um caso isolado. A fragilidade desta metodologia é especialmente evidente quando estes se referem a um único caso: “single-case designs are vulnerable if only because you will have put all your eggs in one basket. More important, the analytic benefits from having two (or more) cases may be substantial” (ibidem, p. 53). Os resultados da

investigação de casos coletivos ou múltiplos por se referirem a vários contextos ou indivíduos distintos as “conclusões obtidas reportam-se a um contexto mais abrangente” (Morgado, 2012:67).

Os estudos de caso são generalizáveis a teorias, preposições e não a populações ou universos. O fim último consiste em fazer análise do tipo generalizing e não particularizing, ou seja, fazer uma análise geral e não uma análise de enumeração estatística (Yin, 1994:9). O valor dos estudos de caso não consiste em generalizar os resultados obtidos individualmente a contextos coletivos, mas dão a possibilidade de testar esses resultados em situações semelhantes. Os dados obtidos não são absolutos, mas também não são totalmente subjetivos. Tal como no princípio

nomotético a generalização só pode fazer-se relativamente à teoria ou ao conhecimento existente e em comparação com casos semelhantes.

A dificuldade em fazer lidar com absolutos não anula a riqueza construída pelos dados ideográficos. Os estudos fenomenológicos de ocorrências únicas, como os casos das malformações congénitas do cérebro, contribuíram grandemente para a construção de teorias que associaram a área cerebral à sua função. Nestes casos, a descrição de uma situação única e particular foi simultaneamente generalizada.

Os estudos de caso continuam a ser utilizados na investigação de fenómenos sociais em que importa mais conhecer o como e o porquê do que propriamente a incidência do fenómeno. O estudo de caso pode ser utilizado sempre que “a how or why question is being asked about a

contemporary set of events over which the investigator has little or no control” (ibidem, p.9).

O método adequa-se à descrição e compreensão de um contexto e não apenas de parte de um fenómeno isolado, utilizando para isso diferentes métodos de recolha de dados. A observação participante, a entrevista, as notas de campo, o diário de bordo, a consulta documental e a análise de conteúdo constituem algumas técnicas possíveis de recolha de dados.

Recolher dados sobre a prática pedagógica do professor, o substrato teórico subjacente às suas opções metodológicas, requer métodos como a entrevista e a observação participante, as quais ajudam a compreender o que as pessoas fazem e porque o fazem daquela forma. No dizer de Hammersley e Atkinson (1983:7) “what they are doing” e “ why people do what they do”. Fazer investigação com estudo de caso tem vantagens e limitações. Uma das vantagens é a possibilidade de fornecer uma visão profunda e, ao mesmo tempo, ampla e integrada de uma unidade social (André, 1995). O estudo de caso procura simultaneamente a “uniqueness and

commonality” (Stake, 1995:1) do objeto de estudo. Todos os alunos têm, comparativamente

aos seus pares, caraterísticas comuns, mas também algumas particularidades, daí que seja de todo o interesse observar os aspetos amplos, ou seja, comuns e profundos, o mesmo que dizer únicos.

Dada a multiplicidade de assuntos a que se dedicam e propõem interpretar, os estudos de caso conciliam as seguintes dimensões: são “descritivos, interpretativos e exploratórios”

(Morgado, 2012:63). Na sua opinião os estudos são sempre descritivos porque se dedicam à

recolha e descrição dos aspetos que caraterizam o fenómeno. São interpretativos porque o investigador procura interpretar e compreender muito para além de explicar a relação de causalidade. São exploratórios porque o investigador, apesar de poder delinear um percurso

metodológico ao integrar-se na situação estudada, tem de refazer continuamente o percurso que idealizou. Neste tipo de estudos “a estratégia a seguir nunca é estabelecida de modo rígido e

definitivo. Pelo contrário, é um processo flexível e aberto que se vai reconstruindo à medida que o trabalho avança (ibidem, p.62). A opção por estes percursos distintos de investigação

dentro do estudo de caso é também denominada por Becker (1996, citado em ibidem, 2012:51), de “modelo artesanal de ciência”, na medida em que o investigador escolhe e molda os instrumentos de acordo com o seu objeto específico de investigação. Também é designada por Stake (1999) de epistemologia construtivista uma vez que o investigador não descobre, mas constrói o conhecimento.

A estratégia de investigação que se delineia à medida que esta se desenvolve não deve ser interpretada como um processo apenas influenciado pela perceção e vontade do investigador. Também nos estudos de caso, assim como noutros tipos de investigação, o processo inicia-se com o levantamento teórico de estudos e fenómenos semelhantes.

“ À teoria é conferido o papel de comando do conjunto do trabalho científico que se traduz em articular-lhe os diversos momentos: ela define o objecto de análise, confere à investigação, por referência a esse objecto, orientação e significado, constrói-lhe as potencialidades explicativas e define-lhe os limites” (Almeida e Pinto, 1999:62).

Assim, a investigação complementou-se com o estudo dos efeitos de um método individualizado de ensino da leitura ao longo de seis meses de observação. Ao descrever esta tensão entre acomodação à descrição natural do que acontece e a experimentação informal de métodos de ensino diferenciados, relembramos Goetz e LeCompte (1988) segundo os quais o investigador pode, em determinadas situações, manipular o ambiente com a finalidade de provocar reações nos participantes.

Também neste estudo, com o desenrolar das observações, novos dados surgiam, tais como o diagnóstico clínico ou psicopedagógico que não existia no início do trabalho de campo. Com estes novos dados sobre o esclarecimento da natureza das dificuldades do aluno, alguma flexibilidade do investigador foi necessária na medida em que valorizou a questão epistemológica sobre a metodológica.

“Se a existência de um quadro teórico prévio de referência é fundamental, tal não significa que à medida que se vai recolhendo informação sobre uma situação concreta o mesmo não possa ser ajustado ou até

reformulado, de acordo com aquilo que o investigador julga mais propício para a realidade em estudo”

(Morgado, 2012:65).