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Definir o contexto das dificuldades de aprendizagem da leitura em cinco escolas do concelho da Ribeira Brava implica a entrada e a aceitação do investigador, pelo que as próximas linhas ocupar-se-ão da descrição desse procedimento, assim como da concretização do papel do investigador.

A negociação da entrada nas escolas fez-se através de duas fases, a primeira, a fase administrativa, e a segunda fase, a do envolvimento pessoal com os professores das escolas. O processo administrativo de legitimação da investigação iniciou-se com o pedido de autorização ao Secretário Regional da Educação e Recursos Humanos, à Diretora Regional de Educação Especial e Reabilitação e ao Delegado Escolar. Este último, por sua vez, depois de conhecer os objetivos e metodologia da investigação reuniu com os diretores das escolas participantes, de modo a transmitir a aprovação do estudo e a legitimar a presença da investigadora. Obtida a autorização destas entidades prosseguimos para seleção das cinco escolas participantes. A delimitação do número de escolas participantes obedeceu ao critério de uma escola para cada dia da semana, uma vez que as cinco escolas distam umas das outras, sendo este critério de mobilidade tido em conta.

A fase seguinte seria, então, a de seleção das escolas participantes. Os critérios de seleção foram, em primeiro lugar, o critério da frequência de crianças no 1.º ano com problemas de aprendizagem da leitura. Para aferir as escolas que possuíam alunos com estas caraterísticas procedemos a uma reunião com a equipa do Centro de Apoio Psicopedagógico da Ribeira Brava. Em cooperação com a equipa docente do referido serviço apontaram-se as escolas e turmas com alunos que tinham dificuldades de aprendizagem e os professores com motivação e disponibilidade para participar na investigação. O contacto destes professores de ensino especial com os docentes regulares de ensino servia dois propósitos: aferir o número e o tipo de dificuldades das crianças, rejeitar os casos de alunos já inscritos e apoiados pelo ensino especial, uma vez que esses alunos já possuem intervenção especializada para os seus problemas, e facilitar a entrada no terreno, em especial naquelas escolas onde nunca tinha exercido funções. Pela utilização deste critério ficaram eliminadas do estudo as escolas de RBSJ por não ter alunos com dificuldades de aprendizagem da leitura e a escola de RBCIG por ter

apenas um caso com uma limitação cognitiva, portanto, abrangido pelas medidas de educação especial.

Ainda a nível das diretrizes gerais importa, em particular, definir o processo de negociação do acesso ao terreno junto dos professores e dos alunos. Este processo orientou-se segundo um acordo entre observador e observado. Para permitir o acesso ao terreno o observador disponibilizava-se voluntariamente como professor de NEE, uma forma de quid pro quo, ou seja, trocar um serviço por outro.

As escolas participantes, conforme compromisso pessoal que estabelecemos junto das direções e dos docentes, aparecem em forma de siglas. Cada uma delas motivou um diferente processo de negociação de acesso, em grande parte, devido à qualidade e intensidade dos contactos pré-existentes com as mesmas. Para uma sistematização da descrição do processo de negociação do acesso ao terreno, e para evitar fazê-lo individualmente, optei por agrupá-las segundo o critério da familiaridade pré-existente, devido a ter exercido funções nessa escola, e aquelas cuja familiaridade era inexistente.

A escola RBC é a escola onde exerço funções, há seis anos consecutivos. O contacto com a direção era, sem dúvida, privilegiado, assim como o relacionamento com os docentes e com os alunos. Assim, logo à entrada da escola, e enquanto aguardava pela funcionária que abrisse o portão, o papel de investigador ficou imediatamente definido pelas perguntas dos alunos: “Professora, eu tenho apoio hoje?”. Os alunos que não eram apoiados habitualmente, mas que partilhavam o grupo-turma informavam de imediato: “a professora T. já chegou!” E assim, o papel de investigador/ professor impôs-se com a naturalidade da rotina. Da mesma forma, o corpo docente já habituado à função do professor, que agora se torna investigador, não consegue estabelecer uma fronteira entre estudar os casos e trabalhar com os alunos com dificuldades de aprendizagem. Esta definição natural do papel do investigador influencia subsequentemente o grau de observação que, na interpretação de Lapassade (1998), corresponde à observação participante ativa, na medida em que o investigador assume um papel na sala de aula, ou na escola que investiga. Esta posição traria vantagens no relacionamento, mas tornaria mais difícil a consecução dos objetivos já que a fronteira entre o que acontecia naturalmente e o que acontecia pela ação do investigador/professor tornava-se mais ténue. Não obstante, a observação ativa por um período de seis meses haveria de compensar. Os comportamentos que se mantiveram dissimulados durante algum tempo, quer se referissem à própria investigação como a atitudes para com os alunos e a aprendizagem, foram colocados em evidência. Segundo

Lapassade (1998) a observação ativa reduz a perturbação que o investigador possa introduzir na situação e permite observar as normas, os valores e os conflitos. De facto, os valores relativos à aprendizagem e uma certa resistência à presença do investigador, permaneceu oculta por algum tempo, mas acabaria por ficar a descoberto na reunião de avaliação final. Por exemplo, a frase elucidativa proferida pela docente: “quem aprendeu, aprendeu, quem não aprendeu fica

no rabo da lancha”. Ou ainda a sua atitude inquisidora questionando a legalidade da presença

do investigador na reunião final de avaliação, mesmo após a autorização da direção da escola. A permanência do investigador de forma ativa e durante um período longo de tempo permitiu colocar a descoberto estas atitudes e valores, mesmo no último dia de observação.

A negociação do acesso ao terreno na escola da RBS beneficiou do mesmo fator familiaridade, assim como na escola RBSA. Já tinha exercido funções nestas duas escolas enquanto docente de ensino especial da equipa concelhia. O contacto com as direções era privilegiado e os alunos já conheciam a função do professor agora investigador. O contacto prévio com a direção não preparou, no entanto, para alguns comportamentos defensivos relativamente à presença do investigador na escola RBS. Logo no primeiro contacto compreendi que a minha presença na sala de aula não seria bem acolhida. A explicação foi satisfatória e aceitei-a perfeitamente. A sala de aula é muito pequena e a turma excede o número de alunos permitido. Os espaços de circulação são poucos e muito estreitos. Só com muita dificuldade a professora consegue arrumar a sua secretária e quando tem de deslocar-se até ao fundo da sala tem que o fazer com muita dificuldade. Outro fator individual foi tornado evidente. Uma aluna com autismo frequenta uma das salas e o seu comportamento é imprevisível. A aluna sai da sala muitas vezes e a professora tem de andar pela escola à sua procura. Também não é autónoma nas suas atividades diárias e necessita da ajuda da professora. Tendo em conta estes fatores fui incapaz de propor a minha presença na sala de aula. Em vez disso, disponibilizei o meu apoio direto à aluna com dificuldades em aprender a ler e comprometi-me em apoiar também a professora. Desta forma senti que o acesso estava mais facilitado.

Nas escolas de RBBP e RBT a negociação do acesso ao terreno fez-se utilizando outra metodologia, uma vez que nestes locais nunca tinha exercido funções. Utilizei, então, a influência das docentes do ensino especial que exerciam funções nessas escolas. Através delas preparou-se o primeiro contacto com a docente titular e com a direção. Simultaneamente aferiu- se o número de crianças com dificuldades de aprendizagem da leitura. O processo de

negociação foi muito facilitado pela necessidade demonstrada pela docente em resolver um caso de uma aluna com manifesta incapacidade para aprender a ler, o que a preocupava muito, assim como aos pais da aluna. A docente afirmava ter tentado tudo para ajudar a aluna e não conseguia compreender o que se passava com ela, nem como a poderia ensinar. Este facto abriu o caminho para a minha intervenção e a partir desse momento o acesso à aluna, aos seus pais e ao ambiente de sala de aula mais facilitado. Ficou ainda assente, entre as partes, que a figura de investigador seria complementada com a de professor de ensino especial.

Semelhante processo se repetiu na escola da RBBP. O contacto formal com a direção e com a docente deixou antever um clima de alguma desconfiança perante a presença de uma pessoa alheia ao ambiente da escola. As perguntas sobre se iria proceder a gravações ou filmagens preparavam o terreno para a próxima questão: “e à sala de aula vai precisar de ir?” Percebi que tinha de enveredar por uma metodologia mais subtil e comecei a falar sobre os alunos. Rapidamente se descreveu a situação de um aluno com visíveis perturbações e manifestas dificuldades em aprender a ler. Ainda não havia diagnóstico e, como tal, o acesso ao ensino especial ficava mais dificultado. A direção e a docente manifestaram interesse em que eu observasse a criança, de modo a ajudar no encaminhamento para a consulta de especialidade. A partir desse momento sabia que tinha sido aceite na instituição e que tinha livre acesso à criança e ao ambiente de sala de aula.