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Segundo a definição do diploma orientador da intervenção pedagógica com crianças com NEE para a Região Autónoma da Madeira, o Decreto-Lei nº 33/2009/M de 31 de Dezembro esclarece que as DAE se referem a um grupo heterogéneo de perturbações, tais como: dislexia, disgrafia, disortografia, discalculia, dispraxia, problemas de memória, perceção auditiva e visual. Distinguem-se das dificuldades de aprendizagem gerais devido ao seu carácter permanente, prolongando-se, por vezes, até à adolescência e vida adulta. Estas dificuldades resultam em problemas significativos de aprendizagem e requerem intervenção especializada, para além das adequações curriculares feitas na sala regular. As causas das DAE são de ordem intrínseca, de natureza biológica que afetam o uso e compreensão auditiva, linguagem verbal e não verbal, raciocínio ou habilidades matemáticas. Para este trabalho importa debruçarmo-nos sobre a dislexia, visto tratar-se de uma perturbação de aprendizagem da leitura concomitante à aprendizagem da escrita.

Etimologicamente, a palavra dislexia compõe-se por dois radicais: dis e lexia. O primeiro radical significa dificuldade e o segundo significa leitura e linguagem. Atualmente, o termo dislexia enquadra-se na subcategorização das DAE, não significando, por isto, que todos os problemas de leitura sejam designados de dislexia. A delimitação da abrangência do termo tem ocupado diversos autores em diferentes épocas. Se, por um lado, a existência de fatores gerais ou extrínsecos à pessoa, motivadores da dificuldade em aprender a ler, constituem um critério de exclusão de dislexia, outros autores só aceitam critérios relativos a dificuldades de um tipo específico e intrínseco, afastando da definição causas como o ambiente sócio-familiar, cultural e as condições de ensino.

A definição de dislexia pode variar consoante a natureza dos estudos sobre ela realizados. De uma forma simples pode aparecer referenciada como uma incapacidade para aprender a ler ou, na forma mais complexa, como uma perturbação relativa à aprendizagem das relações entre

os sons e as letras. Na prática educativa a criança com esta perturbação identifica-se pela dificuldade em reconhecer as letras, aprender os seus nomes e combiná-las para formar palavras. Também se observa a presença desta perturbação em crianças com inteligência normal e, até mesmo, acima do normal. Cruz (2007) sintetiza os aspetos consensuais, entre os diferentes investigadores, que contribuem para uma definição mais completa de dislexia apresentam-se sistematizados por ( Cruz,2007:206):

1. A dislexia tem uma base neurológica e é causada por uma condição neurológica congénita. 2. Os problemas associados à dislexia persistem ao longo da adolescência e da idade adulta. 3. A dislexia tem dimensões cognitivas, perceptivas e línguísticas.

4. A dislexia origina dificuldades em muitas áreas da vida de um adulto.

Para além destes aspetos, também parece ser consensual que a origem da dislexia está num mau funcionamento do “ módulo fonológico”, uma parte do cérebro que se ocupa dos sons da linguagem e da combinação destes para formar palavras. O reconhecimento de letras e palavras, a incapacidade de reconhecer informação escrita e/ou de a associar com a correspondente verbal, leva a concluir que, mesmo na ausência de lesão cerebral evidente ou mesmo conhecida, o cérebro não funciona normalmente.(ibidem)

A possibilidade de um funcionamento anormal do cérebro nos disléxicos vem dos anos 30, quando Orton, (citado em Habib 2000), observou uma predominância de disléxicos esquerdinos e erros de leitura e escrita que sugeriram uma perturbação na especialização do hemisfério esquerdo para a linguagem escrita, sem outro tipo de lesão cerebral aparente.

Esta hipótese foi confirmada por Habib (2000), segundo o qual as dificuldades dos disléxicos são estereotipadas e que, na generalidade, consistem na dificuldade em associar os sons da linguagem aos símbolos que os representam. Os erros dos disléxicos mais comuns são as inversões de sílabas (pata em vez de tapa), inversões de consoantes nas palavras de três letras (pia em vez de pai) e confusões com as letras simétricas, como[ p] e [q], [b] e [d].

Esta proposta de lesão cerebral explicativa da dislexia tem ganho forma com o evoluir das tecnologias de mapeação do cérebro, como sejam a IRM (Imagiologia por Ressonância Magnética) ou a TEP (Tomografia por Emissão de Positrões) que com a elevada capacidade de deteção das estruturas do cérebro, incluindo as mais profundas, difíceis de visualizar por outros métodos, contribuiram para a identificação de lesões, ou tipo de funcionamento, em cérebros

que o cérebro do disléxico apresenta menor assimetria da região parietal inferior em comparação com o mesmo exame a um indivíduo não disléxico.

Segundo essa proposta admite-se atualmente, que o cérebro dos indivíduos disléxicos sofreu agressões de ordem química, hormonal ou, imunitária que provocaram acumulações anormais de células (ectopias) ou desorganizações da arquitetura cortical (displasias). O autor apresentou um resumo esquemático dos três tipos de anomalias caraterísticas do cérebro de um disléxico: a) uma acumulação anormal de neurónios na zona superficial; b) uma desorganização da arquitetura celular em consequência da migração anormal de células e, c) agupamento de vasos sanguíneos anormais. Estas anomalias não estão presentes, pelo menos de forma tão expressiva, no cérebro dos não disléxicos, pelo que segundo o autor, têm relação com as dificuldades de aprendizagem do disléxico (ibidem).

Em consequência, é provável que as conexões interhemisféricas e entre as diversas regiões corticais estejam comprometidas e afetem a capacidade de aprendizagem da linguagem pelo cérebro. Além disso os estudos neuroanatómicos de Galaburda e Kemper (s.d.,citados em

ibidem), demonstraram que o cérebro dos indivíduos disléxicos apresenta particularidades

anatómicas como um corpo caloso6 mais desenvolvido como forma de compensar a ausência

de assimetria das regiões temporais.

Segundo Cruz (2007:208), a definição de dislexia implica recorrer a um conjunto de critérios: o critério da “exclusão”e o critério da “discrepância” . Utilizando o critério da exclusão, pode-se definir dislexia como uma perturbação que se manifesta na dificuldade em aprender a ler, escrever e soletrar não relacionada com as condições de ensino, inteligência ou ambiente cultural. Sobre o critério da discrepância, encontramos a definição do Texas Education Agency (TEA) (2001), segundo o qual os alunos disléxicos frequentemente apresentam problemas nas capacidades fonémicas, na descodificação de palavras, fluência da leitura, compreensão, soletração e composição escrita. As suas dificuldades são inesperadas, pois há uma certa discrepância entre as capacidades que o aluno evidencia noutras áreas, o nível cognitivo ou cultural, e a real prestação na leitura.

Segundo a mesma fonte as dificuldades próprias de um quadro de dislexia são: dificuldade na leitura de palavras isoladas (sem a sugestão dada pelo contexto); dificuldade, ou mesmo incapacidade, em descodificar pseudo-palavras ou palavras desconhecidas; problemas de

6Cf. Michel Habib, Bases neurológicas dos comportamentos (2000), p.280. Corpo caloso: feixe de fibras brancas responsável pela comunicação entre os dois hemisférios cerebrais, esquerdo e direito.

fluência; dificuldades em soletrar. Estas dificuldades são motivadas por atrasos no desenvolvimento fonológico que incluem a capacidade de segmentação de palavras, a fusão de fonemas e a manipulação dos sons. Relacionam-se, também, com problemas de memória fonológica que compreende a capacidade de reter e recordar palavras, sons e os nomes das letras correspondentes. Os problemas de memória fonológica condicionam, ainda, a capacidade de nomeação que consiste em dizer muito rapidamente o máximo de palavras de uma categoria como, por exemplo, nomes de pessoas, objetos familiares, cores ou letras a pedido.

As diferentes propostas apresentadas para a explicação das origens da dislexia, nomeadamente a possibilidade de um funcionamento anormal do cérebro devido a alterações na constituição do mesmo (Habib, 2000), atrasos no desenvolvimento fonológico e nas competências a ele associadas (TEA, 2001) e, ainda, a um mau funcionamento do módulo fonológico (Cruz, 2007) apontam todas para um consenso. A origem da dislexia tem natureza biológica e afeta capacidades ao nível das competências verbais e de ligação de sons, isto é, os processos fundamentais de análise e síntese das caraterísticas fonéticas das sílabas e palavras.

Os défices ao nível das competências fonológicas são caraterísticos das pessoas com dislexia do tipo auditivo. Esses comportamentos estão, de um modo geral, relacionados com a análise dos sons, com a não associação dos sons com os representantes gráficos; não relacionamento dos fonemas com as partes e o todo das palavras; problemas de perceção e memória auditiva; confusão com as sílabas iniciais, finais e intermédias (Fonseca (1999). Outro grupo de disléxicos apresenta comportamentos deficitários de ordem visual, pelo que se enquadra na categorização de dislexia do tipo visual, frequentemente apresentando caraterísticas comportamentais tais como: inversões, omissões e substituições de sílabas na palavra, dificuldades na configuração, interpretação, diferenciação e memorização das palavras, problemas de visuo-motricidade e grafo-motricidade e na caraterística comum a todos os disléxicos que consiste na fraca capacidade de relacionar a linguagem falada com a linguagem escrita. As pessoas com este segundo tipo de dislexia têm capacidade de soletração, mas apresentam sérias dificuldades na leitura global de palavras, na sequenciação das letras, sendo os erros mais comuns as inversões do posicionamento das letras (Cruz, 2007). Pelo apresentado, é possível vislumbrar que pessoas com este tipo de perturbação específica não podem fazer a iniciação da aprendizagem através de métodos globalísticos, isto é que partem da configuração global da frase ou palavra, pois estariam destinadas ao fracasso, desde a sua origem.

Por fim, o grupo dos disléxicos que combinam as dificuldades dos dois subtipos anteriores é denominado pelo subtipo de dislexia mista. Este grupo apresenta transtornos fonéticos, assim como de análise visual com sérias dificuldades na leitura de palavras, quer seja utilizando a via da correspondência grafema-fonema ou a via mais holística de reconhecimento global das palavras.

4. Justificação do currículo: da análise do aluno à tomada de decisão