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A dificuldade para identificar as lesões múltiplas e simultâneas

O meio ambiente laboral, estando vinculado à saúde e à vida - como será

abordado com mais vagar no item 2.5 -, que são direitos de todos, pode ser reputado como sendo bem de natureza difusa, estando tutelado pelas normas referentes aos direitos transindividuais.140 A transindividualidade do meio ambiente laboral significa que além de ser atribuível a todos os que laboram, espraia-se por toda a sociedade, alcançando as futuras gerações.141

Os direitos metaindividuais142 quando sofrem ameaça de dano ou são

efetivamente lesados, acabam ocasionando o que se denominam de lesões múltiplas ou simultâneas. Essas lesões podem verificar-se em relação a um mesmo bem jurídico ou a vários.143

Na lição de João José Sady: 144

mesmo que a lesão ao meio ambiente no campo das relações de trabalho acarrete apenas danos individuais, individuais homogêneos ou coletivos aos trabalhadores, tratar-se-á sempre de um direito difuso, ainda que residualmente, pois prevalece sempre o interesse da sociedade na preservação da vida humana e da saúde do grupo de trabalhadores; é um direito genericamente difuso mas que,

139 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. Op. cit., p. 151; 140 PACHECO Fiorillo, Celso Antonio. Os Sindicatos e Defesa dos Interesses Difusos no Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 1995, p. 98. Neste sentido: LIMA dos Santos, Ronaldo. Tutela jurídica do meio ambiente do trabalho. Op. cit., p. 59.

141 LIMA dos Santos, Ronaldo. Op. cit., p. 59.

142 As expressões “metaindividual”, “transindividual”, “supraindividual”, “sobreindividual” são

utilizadas para designar os direitos e interesses que ultrapassam o círculo jurídico de um indivíduo. O que tem prevalecido entre os juristas é a classificação dos interesses transindividuais como gênero, e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos como suas espécies. Esta classificação é adotada pelo legislador pátrio no artigo 81, incisos I, II, III, do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90.

143 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos Interesses coletivos e difusos. São Paulo.

Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 18.

concretamente, vai apresentar-se, quase sempre, como coletivo ou individual. Tal circunstância demonstra que o complexo de questões que envolvem o bem-estar do obreiro no local de trabalho deixa de ser um mero cipoal de normas protetivas para adquirir caráter de um microssitema referenciado a um interesse constitucionalmente tutelado.

É por este motivo que Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery145 aduzem que de

acordo com a pretensão em concreto postulada em juízo, no que concerne aos direitos metaindividuais, é que se determinará o seu enquadramento em direito difuso, coletivo ou individual homogêneo ou nos três. O Ministério Público do Trabalho e os outros legitimados ao ingressarem com a ação civil pública, diante de um mesmo fato, poderão formular pedidos de natureza difusa, coletiva e/ou individual homogênea, 146, 147 dependendo da pretensão, causa de pedir e pedido disposto em juízo. Quando as pretensões de tutela dos direitos metaindividuais são levadas ao Poder Judiciário, as ameaças de lesões ou as próprias lesões já ocorreram ou ainda estão ocorrendo no plano do direito material.

No âmbito difuso, como já se mencionou alhures, um meio ambiente do trabalho

145 NERY. Jr., Nelson; ANDRADE Nery, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado. São

Paulo: Revista dos Tribunais. 1994. p. 1394.

146 Faz-se neste momento a ressalva quanto à aplicação da Ação Civil Coletiva. Esta ação está

prevista no Código de Defesa do Consumidor, art. 91 e seguintes, a qual seria a ação devida para a tutela dos direitos individuais homogêneos em juízo. No entanto, doutrinariamente e jurisprudencialmente pacificou-se o entendimento da desnecessidade do ajuizamento de duas ações quando houver lesão a direitos difuso, coletivos conjuntamente com direitos individuais homogêneos, sendo que estes últimos deverão ingressar o pleito da ação civil pública. Por fim, pode-se afirmar que a Ação Civil Coletiva também é meio apto à defesa do meio ambiente do trabalho quando visualizado unicamente em sua esfera individual homogênea.

147 No que tange à legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho na defesa dos interesses

individuais homogêneos, a Seção de Direitos Individuais-1 (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho já se pronunciou no Processo n° TST-E-RR-379.855/1997.1: “Ministério Público do Trabalho. Legitimidade ativa. Ação civil pública. Direitos coletivos e direitos individuais homogêneos indisponíveis. Na dicção da jurisprudência corrente do exc. Superior Tribunal Federal, os direitos individuais homogêneos nada mais são senão direitos coletivos em sentido lato, uma vez que todas as formas de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) passíveis de tutela mediante ação civil publica, são coletivos. Consagrando interpretação sistêmica e harmônica às leis que tratam da legitimidade do Ministério Público do Trabalho (artigos 6°, VII, letras c e d, 83 e 84 da LC 75/93), não há como negar a sua legitimidade para propor ação civil pública para tutelar direito individual homogêneo. Imperioso observar, apenas, em razão do disposto no artigo 127 da Constituição Federal, que o direito a ser tutelado deve revestir-se do caráter de indisponibilidade. Recurso de Embargos conhecido e provido.” (Relator: Lélio Bentes Corrêa, Processo: E-RR, número 379855, ano 1997, publicação DJ 25/06/2004, processo n° TST-E-RR-379.855/1997.1) Revista do Ministério Público do Trabalho. São Paulo: Ltr, n.

inadequado e inseguro onera a sociedade não só moralmente, haja vista o seu interesse na manutenção da integridade física e psíquica dos indivíduos, mas também, financeiramente, considerando os valores que são gastos para minimizar esta situação.148 Demais disso, o passivo social gerado por inúmeras empresas e suportado

por toda a sociedade é retratado pelo “meio ambiente desequilibrado; trabalhadores depreciados e sobrecarga do sistema de seguridade social”.149

Na seara dos direitos coletivos em sentido estrito, o dano ambiental trabalhista pode ser representado pelo grupo de trabalhadores passíveis de identificação, presentes no local de trabalho, os atingidos pelos agentes agressores, como ruídos, poeiras, etc., bem como aqueles trabalhadores indeterminados que venham a laborar neste local. Há ainda muitos outros exemplos na seara do direito coletivo: não distribuir aos trabalhadores EPI’s, desrespeitando a NR-6; deixar de realizar Programa de Prevenção e Riscos Ambientais (PPRA); expor os trabalhadores a riscos, como choque, explosão, queda, corte, etc.; realização de exames médicos admissionais, periódicos e demissionais, além de outros.

No que tange aos interesses individuais homogêneos estão eles na esfera individual de fruição; no entanto, “não é o interesse que se classifica como coletivo; coletiva é a forma de sua defesa em nome do interesse social maior na proteção e efetivação dos direitos trabalhistas”. 150

Em nível individual, a lesão ou ameaça de lesão ao meio ambiente do trabalho se expressa com a exposição do trabalhador a risco de dano, evidenciado pelos acidentes e doenças do trabalho. Infelizmente, para os adeptos da visão economicista e privatística que compartimenta o fenômeno laboral - ainda predominante em termos de saúde do 28, ano 14, set. 2004, p. 392.

148 Neste sentido: LIMA dos Santos, Ronaldo. Op. cit., p. 59; SADY, João José. Op. cit., p. 32. 149 ALBUQUERQUE de Oliveira, Paulo Rogério. Op. cit., p. 5.

trabalhador-, há uma imensa dificuldade de perceber que os acidentes e as doenças de trabalho são o resultado, em nível individual, de um meio ambiente do trabalho desequilibrado.

Nas hipóteses em que não há atuação na seara de direitos coletivos e individuais homogêneos, seja judicial ou extrajudicialmente, o próprio trabalhador é que tem que se dirigir ao Poder Judiciário para buscar a tutela de sua pretensão. Como a jurisprudência majoritária entende que nos casos de acidentes e doenças do trabalho aplica-se o regime da responsabilidade subjetiva prevista no Código Civil brasileiro, o trabalhador acaba ficando desamparado. Além de ter que provar a culpa do empregador, o trabalhador ainda há que demonstrar todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil. Isso para não falar nas situações onde se constata risco de lesão, como no caso, por exemplo, da exposição a produtos tóxicos, onde a ciência afirma que não existem níveis seguros, bem como através das doenças do trabalho (doenças psíquicas, crônicas), onde o Judiciário, via de regra, exige prova cabal do nexo de causalidade a ser produzido pelo trabalhador.

Como danos oriundos de um meio ambiente laboral desequilibrado deveriam receber tratamento jurídico de acordo com a teoria geral do Direito do Ambiente e dos Direitos Humanos. Entretanto, verifica-se que é mais fácil vislumbrar aspectos ligados à natureza como partes que compõem o meio ambiente considerado em sua totalidade do que a saúde e a vida do trabalhador.

Com isso, as vítimas dos danos praticados aos ambientes laborais são os trabalhadores que por serem a parte mais frágil de toda a relação são, na maioria das vezes, visualizados tão-somente como objetos do contrato de trabalho.

Ao contrário do que se constata com as condenações em dano moral coletivo que

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têm sido satisfatórias – incentivando a adoção de comportamentos preventivos para o futuro – as indenizações decorrentes de acidentes e doenças do trabalho têm sido concedidas em valores sem grande expressão, deixando desamparada a parte vulnerável da relação – o trabalhador.

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