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O descompasso da proteção tradicional via medidas compensatórias:

A proteção tradicional do meio ambiente do trabalho toma como base o pagamento de adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade, assegurados pelo inciso XXIII, do art.7° da CF, numa tentativa de conceder ao trabalhador uma compensação112 pecuniária em face do desempenho de seu labor em condições adversas à sua saúde.

Entende-se como atividade insalubre aquela realizada pelo empregado exposto a agentes nocivos à sua saúde e acima dos limites de tolerância fixados pelo Ministério do

109 PINA Ribeiro, Herval. O juiz sem toga. Um estudo da percepção dos juízes sobre trabalho, saúde e democracia no Judiciário. Florianópolis: Lagoa Editora, 2005, p. 31.

110 Ibid., p. 39.

111 CLT: Art. 196 “Os efeitos pecuniários decorrentes do trabalho em condições de insalubridade ou

periculosidade serão devidos a contar da data da inclusão da respectiva atividade nos quadros aprovados pelo Ministro do Trabalho, respeitadas as normas do artigo 11”.

Trabalho. Por sua vez, a atividade é considerada perigosa quando o empregado desenvolve suas funções em contato com agentes inflamáveis ou explosivos. E a penosa é aquela desenvolvida com dor ou ardor.113

Enaltece-se, dessa forma, o aspecto economicista em detrimento do humanista; o direito ao adicional em prejuízo do direito à proteção da saúde.114 A partir deste prisma essencialmente econômico, o foco deixa de ser a preservação da saúde e da vida do trabalhador e passa a ser o recebimento do adicional. Ressalta-se que o Brasil é ainda um dos poucos países que mantém este sistema anacrônico de proteção à saúde do trabalhador.115

Sob o prisma economicista, o trabalhador é percebido como objeto do contrato de trabalho e não como pessoa humana detentora de uma gama de direitos fundamentais. A expressão econômica própria do contrato de trabalho avulta em importância em relação à finalidade do Direito do Trabalho, qual seja: a de proteção da pessoa do trabalhador.116

Ocorre que esse modelo é totalmente ineficiente para a tutela do meio ambiente laboral, pois além de não priorizar a adoção de medidas precaucionistas, acaba estimulando condutas de empregadores no sentido de não adequarem o meio ambiente do trabalho. É mais econômico pagar adicionais de risco, fixados em quantias insignificantes do que implementar soluções que visem à prevenção de doenças e 112 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 2. ed. São Paulo:

LTr, 1998, p. 139.

113 PEREIRA Pinto, Airton. Direito do Trabalho, Direitos Humanos Sociais e a Constituição Federal. São Paulo: LTr, 2006. p.174.

114 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. Op. cit., p. 140. 115 VENDRAME, Antonio Carlos. Os Adicionais de Risco no Contexto da Saúde do Trabalhador.

In: MASCARO Nascimeto, Amuri (Prof. coord.). Jornal do VII Congresso Brasileiro de Direito

Individual do Trabalho. p. 66 - 69. São Paulo. 12-13 abr. 1999. Editora LTr. Apud OLIVEIRA Sabino,

Marcos; RODRIGUES Corrêa Filho, Heleno; LORENZ, Vera Regina. Tópicos sobre a saúde do trabalhador para a atuação da promotoria pública. Manual Conceitual, Curso de Especialização à distância, Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal, do Programa de Apoio ao Fortalecimento do Controle Social no SUS, promovido pelo Ministério da Saúde, com recursos do Reforsus. Universidade de Brasília e Escola Nacional de Saúde Pública, 2001-2002. p. 207.

acidentes de trabalho, geralmente, de valor mais elevado.117

Nessa dinâmica “da monetarização ou monetização do risco” 118 o trabalhador

acaba renunciando ao seu direito fundamental de manter a sua incolumidade física e psíquica em troca de auferir, imediatamente, uma contrapartida de caráter salarial. O grande problema é que a exposição continuada aos agentes agressivos à saúde humana acaba resultando em doenças de trabalho e acidentes de trabalho, enfim, em perda de vida.

A partir da idéia de monetarização pretende-se resolver a questão dos riscos ambientais com o pagamento de adicionais ou indenizações, no caso de ter havido acidente ou doença decorrente do trabalho.

Onera-se, em última análise, a sociedade, moralmente, já que sempre tem interesse na manutenção da integridade física e psíquica dos indivíduos; financeiramente, pois, segundo alguns estudos, o montante despendido com acidentes de trabalho totaliza aproximadamente vinte bilhões de reais.119

A situação poderia ser mitigada se o valor referente aos adicionais fosse capaz de desencorajar os empreendedores a manter inadequados os ambientes de trabalho, ou se fossem cumulados esses adicionais como prescreve o art. 11, alínea b da Convenção n° 155 da OIT. Esta norma internacional foi ratificada e promulgada pelo Brasil através do Decreto-Legislativo n° 2/92, e incorporada no ordenamento jurídico brasileiro como lei ordinária.120 Tendo em vista a sua natureza de lei ordinária e tendo sido posteriormente

publicada, teria derrogado o parágrafo 2°, do artigo 193 da CLT121 e o item 15.3 da NR- Irany Ferrai. Tradução de Edilson Alkmin Cunha. São Paulo: Ltr, 1996.p.20.

117 SADY, João José. Direito do meio ambiente de trabalho. São Paulo: Ltr, 2000, p. 66. 118

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. Op. cit., p. 138; SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004, p. 105; SADY, João José. Direito do meio ambiente de trabalho. Op., cit., p. 65-66.

119 Neste sentido: OLIVEIRA Sabino, Marcos; RODRIGUES Corrêa Filho, Heleno; LORENZ, Vera

Regina. Op. cit., p. 37-68, 59.

120 ADIN n° 1480/DF, Relator Ministro Celso de Melo.

15, que trata das Atividades e operações insalubres e que dispõe que “no caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial, sendo vedada a percepção cumulativa”.

Entretanto, não é assim que vem se posicionando a jurisprudência dominante e doutrina majoritária em total desrespeito aos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos dos trabalhadores.122

O quadro fica ainda pior quando se trata do adicional de penosidade que até a presente data sequer fora objeto de regulamentação. Assim permite-se o trabalho em condições penosas sem ao menos onerar os empreendedores que dele se beneficiam. Tal é o caso de milhares de trabalhadores que exercem suas funções nas lavouras de cana- de-açúcar, executando trabalho penoso.123

Infelizmente, a maioria dos profissionais que lidam com o trabalho ainda o

vislumbra sob o prisma eminentemente privatístico e economicista, sem prestigiar a importante perspectiva humanística e constitucional. Dessa forma, não vislumbram nos preceitos constitucionais e, especialmente, nos princípios uma força vinculante e lhe seja devido.

122 Em sentido contrário: “Estamos, portanto, diante de uma verdadeira incoerência. Primeiro, por

falta de adaptação da aludida norma regulamentadora à lei ordinária, que no caso é a mencionada Convenção n° 155; em segundo, porque na hierarquia das normas, como é basilar, uma Portaria está abaixo da lei. E porque se continua aplicando uma Portaria ministerial em detrimento de uma Convenção Internacional promulgada pelo país? A resposta é simples: culturalmente, no Brasil não se aprendeu ainda a respeitar os instrumentos internacionais de que é signatário o país, embora se sabendo que os tratados e convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, relação de paridade normativa (CF, arts. 5°, § 2°, 49, I e 84, VIII).” MELO, Raimundo Simão de. Direito

Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, estético. São Paulo: Ltr, 2004, cit., p. 150.

123 “Um trabalhador que corte 6 toneladas de cana, num eito de 200 metros de comprimento, por 8,5

metros de largura, caminha durante o dia uma distância de aproximadamente 4.400 metros, despende aproximadamente 20 golpes com o podão para cortar um feixe de cana, o que equivale a 66.666 golpes no dia (considerando uma cana em pé, de primeiro corte, não caída e não enrolada e que tenha uma densidade de 10 canas a cada 30 cm). Além de andar e golpear a cana, o trabalhador tem que, a cada 30 cm, abaixar-se e torcer-se para abraçar e golpear a cana bem rente ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. Além disso, ele ainda amontoa vários feixes de cana cortados em uma linha e os transporta até a linha central. Isto significa que ele não apenas anda 4.400 metros por dia, mas transporta, em seus braços, 6 toneladas de cana em montes de peso equivalente a 15 kg, a uma distância que varia de 1,5 a 3 metros.” ALVES, Francisco. Por que morrem os cortadores de cana? Professor Adjunto do Departamento de

determinante para todos os ramos do Direito, como ocorria na época liberal.124

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