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A insuficiência dos limites de tolerância fixados pelo Ministério do Trabalho

Com o desenvolvimento e a rápida modernização da sociedade, o risco advindo de processos de industrialização tornou-se uma constante. Criam-se produtos de consumo que atendem à necessidade imediata da sociedade, mas que desconsideram, ignoram, ou mesmo nem questionam os riscos e as conseqüências ao trabalhador e ao meio ambiente em geral.

Na idéia de risco é importante a noção de incerteza quanto ao elemento futuro. A partir do momento em que a sociedade percebeu cientificamente não ser possível a eliminação total dos perigos, o risco passou a ser concebido como um dos tantos elementos “normais” da sociedade moderna. Como conseqüência, cresce a disposição para tolerá-lo e negá-lo.

Diante da inviolabilidade do bem jurídico ambiental e da freqüente irreversibilidade dos danos causados ao trabalhador pelo meio ambiente inadequado, o risco torna-se um dos principais problemas atuais.

Dessa forma, tratando-se de meio ambiente laboral, o risco suportável pelo trabalhador é determinado pelo Ministério do Trabalho. Conforme disposto na NR-15, no item 15.1.5, tem-se que: “Entende-se por Limite de Tolerância, para os fins desta Norma, a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral”.

Os limites de tolerância são, assim, aqueles com base nos quais se acredita que a Engenharia de Produção da UFSCar. Mimeografado.

124 MEDEIROS Neto, Xisto Tiago de. A questão da ineficácia social da Constituição e os novos

rumos da atuação do Poder Judiciário. Revista do Ministério Público do Trabalho. Rio Grande do Norte, n. 7, jul. 2007, p. 18.

maioria dos trabalhadores possa estar exposta, repetidamente, dia após dia, a agentes teoricamente nocivos sem sofrer efeitos adversos à sua saúde.

A visão clássica calcada no pagamento de adicionais de risco e nos limites de tolerância fixados pelo Ministério do Trabalho é deficiente para a tutela efetiva da vida e da saúde dos trabalhadores - mesmo no que tange aos riscos de ordem física, química e biológica. Contenta-se com a adequação destes aos limites de tolerância, conforme disposto no artigo 191 da CLT.125

De acordo com este modelo tradicional, desde que o trabalhador desempenhe seu labor dentro do que se consideram limites de tolerância não fará jus à insalubridade ou periculosidade e, considerar-se-á bem tutelado o ambiente de trabalho.

Este conceito de limites de tolerância vai de encontro a uma política precaucionista que visa antecipar-se aos danos, pois calcada na proposta de “risco aceitável”, é essencialmente mutável e por vezes manipulada de acordo com interesses econômicos em detrimento da saúde humana. É o conceito mais criticável, sobretudo, em se falando de substâncias que podem causar câncer, para as quais não se admite limites seguros.

Os limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego são fixados a partir do conceito de homem médio, analisando o trabalhador em abstrato. Não levam em consideração o tempo real que o trabalhador fica exposto ao risco, o efeito sinérgico que pode decorrer da exposição a inúmeros agentes nocivos à saúde e, tampouco, as individualidades de cada trabalhador.126

Destarte não retratam, efetivamente, o risco a que estão submetidos os trabalhadores nos ambientes de trabalho e, na prática, acabam por permitir o comprometimento de inúmeras vidas. Por isso, tem-se que a noção de risco aceitável ou

125 PURVIN de Figueiredo, Guilherme José. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. São

dos denominados limites de tolerância toma por base, geralmente, um referencial distante da postura precaucionista, pois considera o ser humano como uma abstração e não leva em conta os fatores concretos que o envolvem.127

Um exemplo disso é a questão da jornada suplementar, a qual é tratada sob o aspecto de pecúnia. Relega-se ao esquecimento que o tempo é condição fundamental em relação à Saúde do Trabalhador, não só no que concerne aos riscos tradicionais (físicos, químicos, biológicos e ergonômicos em sentido estrito), mas também em relação aos riscos à saúde mental, estresse, assédios moral e sexual, violência psíquica etc. À parte a questão de carcinógenos, em que a gênese do câncer pode não ser, muitas vezes, dependente das concentrações e tempos de exposições.

O tempo de exposição do trabalhador aos riscos presentes no ambiente de trabalho é conceito básico da metodologia tradicional da medicina do trabalho e da toxicologia, e também dos instrumentos de Avaliação de Riscos. Todavia, ao tomar como parâmetro o homem médio, abstratamente, não considera a situação real de trabalho, o que ocasiona a sua ineficiência. Ou seja, se o sistema fixa como jornada padrão até 8 horas diárias e 44 horas semanais e um determinado limite de tolerância para certa exposição diante de um determinado agente agressor, as horas extras são altamente questionáveis - mesmo com o fornecimento e utilização correta de EPI, pelas amplamente reconhecidas limitações protetivas no contexto concreto e real.

A questão de gênero também é desconsiderada quando se trata de limites de tolerância, embora a Convenção n° 64 da OIT afirme que “as mulheres trabalhadoras são mais passíveis de padecer de estresse, fadiga, fadiga crônica, envelhecimento precoce e outros transtornos psicossociais e da saúde por causa de seu duplo papel 126 ALLODI Rossit, Liliana. Op. cit., p. 149.

127 SILVA Augusto, Lia Giraldo da; MACHADO de Freitas, Carlos. O princípio da precaução no

uso de indicadores de riscos químicos ambientais em saúde do trabalhador. Revista Ciência e saúde

reprodutivo e econômico”. Não há uma preocupação efetiva com as gerações futuras.128

O quadro se agrava quando o agente nocivo se configura em uma ou várias substâncias químicas que podem ser absorvidas pela pele, além da respiração, desconsiderada pela “EPIzação” que julga suficiente o fornecimento de máscaras. Ou múltiplas exposições (que são a regra, e não a exceção), na maioria de efeitos desconhecidos da Medicina do Trabalho e da Toxicologia.

Acrescente-se a isso que os limites de tolerância fixados para a exposição a várias substâncias tóxicas não são atualizados, no Brasil, desde o ano 1978, e se encontram em dissonância com os padrões estabelecidos pelo artigo 8, da Convenção n° 148 da OIT.129 Marcos Oliveira Sabino, Vera Regina Lorenz e Heleno Rodrigues Corrêa Filho130 enfatizam que “as possíveis conseqüências à saúde dos trabalhadores seriam a possibilidade de exposição às condições ambientais mais degradadas, bem como a possibilidade de permanência por maior período de tempo trabalhando nessas condições, já não aceitas por países desenvolvidos”.

Como se observa, o tempo, na sua relação intrínseca com a exposição a agentes nocivos, é parâmetro que a Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho vêm insistindo em desconsiderar e tratar de modo separado, mesmo e principalmente em face do adoecimento e dos acidentes relacionados ao meio ambiente do trabalho. O próprio Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento sumulado131 no sentido de que é válida a norma coletiva que dispõe sobre compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que sem o aval da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho.

O modelo clássico de medicina e higiene do trabalho, baseado nas normas da

128 OLIVEIRA Sabino, Marcos; RODRIGUES Corrêa Filho, Heleno; LORENZ, Vera Regina Op.

cit., p. 207-228.

129 Ibid., p. 207-209. 130 Ibid., p. 207-209.

CLT e nas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho que enxerga o trabalhador apenas no seu aspecto físico - desconsiderando os demais fatores multicausais presentes no ambiente e a interação entre eles - é, assim, insuficiente para tutelar a vida e a saúde dos trabalhadores. Compartimenta os vários aspectos presentes no ambiente de trabalho, como se eles não estivessem interligados e atuando sobre a pessoa do trabalhador de forma conjunta.

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