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A luta pela solidariedade e fraternidade

2 A IMPORTÂNCIA DA VISÃO HUMANISTA DO MEIO AMBIENTE

2.2 A evolução dos direitos humanos e fundamentais e a busca pela afirmação da

2.2.3 A luta pela solidariedade e fraternidade

Na década de setenta - com a globalização econômica e com a crise ocasionada pelo petróleo -,242 o Estado do Bem-estar Social entrou em declínio e se enfraqueceu diante do poder do capital global, volátil e especulativo que se desloca rapidamente entre diversos países em frações ínfimas de tempo.243 O Estado foi obrigado a reduzir-se e tiveram início as privatizações; muitas empresas estatais foram adquiridas pelo setor privado.244

Neste diapasão de crise social e ambiental eclodiram os denominados direitos humanos de terceira dimensão, chamados de direitos de solidariedade, de humanidade ou de fraternidade,245 os quais têm por escopo eliminar as graves injustiças que assolam a humanidade. 246 São direitos que despontam como reivindicação de justiça social.247

Os direitos de terceira dimensão são titularizados não mais pelo indivíduo considerado em si mesmo, mas por grupos ou categorias de pessoas, como a família, as mulheres, as crianças, os idosos, os deficientes, o povo, a nação e a própria humanidade.248,249 São os chamados direitos metaindividuais.

242 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 26

243 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 28; QUADROS de Magalhães, José Luis . Op. cit., p. 8-10. 244 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 32.

245 SARLET, Ingo. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op. cit., p. 58; Antonio Carlos Wolkmer.

Op. cit., p. 9; PEÑA Chaco, Mario; FOURNIER Cruz, Ingread. Derechos Humanos y Medio Ambiente.

Revista de Direito Ambiental. Ano 10, n. 39, jul./set. 2005, p. 192; FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit., p.

29.

246 PEÑA Chaco, Mario; FOURNIER Cruz, Ingread. Op. cit., p. 192. 247 ANTUNES Rocha, Carmem Lúcia. Op. cit., p. 10.

248 Neste sentido: SARLET, Ingo. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op. cit., p. 58; WOLKMER,

Foi Karel Vazak, jurista da Unesco, quem procurou definir pela primeira vez a terceira dimensão dos direitos humanos em artigo publicado no final da década de 70.250

Sua base teórica era o princípio da solidariedade entre os povos e tinha por fim viabilizar a defesa nos foros internacionais - que apresentavam resistência -, dos direitos ao desenvolvimento, à paz, a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, à livre determinação dos povos, direito á comunicação.

O meio ambiente exsurge, assim, como uma dimensão da dignidade humana;251 qualificado por Norberto Bobbio como o mais importante dos direitos de terceira dimensão.252

Anota-se que a conscientização em torno da questão ambiental é recente, podendo ser identificada na década de cinqüenta, quando os cientistas constataram os efeitos maléficos causados ao meio ambiente pela industrialização desenfreada e sem critérios.253,254 Nesta época os países desenvolvidos começaram a preocupar-se com o meio ambiente e passaram a criar leis mais rigorosas neste aspecto. As empresas - especialmente as de grande poderio econômico e altamente poluentes, como é o caso

Cruz, Ingread. Op. cit., p. 192; BARROSO, Luis Roberto. A proteção do meio ambiente na Constituição Federal. Revista Forense. v. 317, 1992, p.163.

249 WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 12. [“A fundamentação é encontrada na Lei da Ação

Civil Pública (n.7.347/85), na Constituição brasileira de 1988 (direitos não expressos ou atípicos, art.5º §2o), no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei n.8.069/90) e no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11-9-1990)”].

250 Neste sentido: RABOSSI, Eduardo. Como teorizar acerca dos direito humanos. In: Pensamiento crítico sobre derechos humanos. Buenos Aires: Eudeba, 1996, p. 38-39; ANTUNES Rocha, Carmem

Lúcia Op. cit., p. 26.

251 SARLET, Ingo. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Op. cit., p. 59. 252 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 6.

253 CAPRA, Fritjof. Sabedoria Incomum. Conversas com pessoas notáveis. (Uncommon Wusdom.

Conversations with Remarkable People). Trad. Carlos Afonso Malferrari. São Paulo: Cultrix, 1988.p.89

Apud FARAUCO de Azevedo, Plauto.Reflexões sobre seu sentido e Aplicação. In: PASSOS de Freitas,

Vladimir. Direito Ambiental em evolução. n.1 .2a. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p. 283. [“A consciência ecológica, em seu nível mais profundo, é o reconhecimento intuitivo da unicidade da vida, da interdependência de suas múltiplas manifestações e de seus ciclos de mudança e transformação”].

254 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p 6-7. [“Os direitos de terceira geração, como o de viver num

ambiente não poluído, não poderiam ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de segunda geração, do mesmo modo como estes últimos (por exemplo, o direito à instrução ou à assistência) não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras Declarações setecentistas. Essas exigências nascem somente quando nascem determinados carecimentos. Novos carecimentos nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-lo”].

das indústrias química e petroquímica -, começaram a se transferir para os países em desenvolvimento, exportando os riscos para os países mais pobres, nos quais inexiste uma legislação mais rígida em termos de meio ambiente e onde os direitos dos trabalhadores são facilmente vilipendiados.255,256

Além disso, o movimento em prol do meio ambiente aumentou continuamente desde esta época, notadamente a partir de 1960 quando teve início a revolução ambiental americana.257 Tal movimento difundiu-se para o Canadá, Europa, Japão, Nova Zelândia, Austrália, alcançando nos anos oitenta a América Latina, a União Soviética e o Sul e Leste da Ásia.258 O ano 1970 foi considerado o ano europeu de defesa da natureza. 259

A Conferência das Nações Unidas, realizada em Estocolmo no ano 1972, mesmo com a recusa de diversos países em enfrentar a problemática ambiental de forma real, foi de suma importância para a tutela do meio ambiente.260 O Brasil, juntamente com alguns Estados em desenvolvimento como a China, impuseram uma série de entraves ao reconhecimento internacional da problemática ambiental.261

De qualquer modo, constituiu-se no primeiro grande marco que retrata a

255 ALBUQUERQUE, Letícia. Poluentes Orgânicos Persistentes. Uma análise da Convenção de Estocolmo. Curitiba: Juruá, 2006.p. 25.

256 Ibid., p. 34 [“Segundo o National Research council dos Estados Unidos, aproximadamente

20.000 norte-americanos por ano podem morrer de câncer provocado por pequenas quantidades de pesticidas presentes nos alimentos”].

257 Neste sentido: MORATO Leite, José Rubens. Introdução ao Conceito de Meio Ambiente. In:

DIAS Varella, Marcelo & CARDOSO B., Roxana. (orgs.). O novo em Direito Ambiental. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p.52; SERRANO, José Luis. Concepto, Formación y Autonomía del Derecho Ambiental. In: VARELLA, Marcelo Dias & Roxana Cardoso B., (orgs.). O novo em Direito Ambiental. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p.39-40. Ver a respeito: BENJAMIM, Antonio Herman. (coord.). V. Função

Ambiental. In: Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1993. p.9 e 82.

258 SOUSA Biernfeld, Carlos André. Do Ambientalismo à Emergência das Normas de Proteção

Ambiental - Algumas Ilações Necessárias. In: DIAS Varella, Marcelo & CARDOSO B., Roxana. (orgs.).

O novo em Direito Ambiental. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p. 88.

259 PÉREZ Luño, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constituición. 9.ed.

Editorial. Tecnos: Madrid, 2005. p. 493.

260 SOUSA Biernfeld, Carlos André. Op. cit. In: VARELLA, Marcelo Dias & Roxana Cardoso B.,

orgs. O novo em Direito Ambiental. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p. 72-73; PÉREZ Luño, Antonio Enrique. Op. cit., p. 493 ; ALBUQUERQUE, Letícia. Op. cit., p. 42.

emergência da preocupação internacional com o meio ambiente e onde se declarou pela primeira vez que o meio ambiente é um direito humano262. Ademais, no princípio 8º da

Declaração sobre o Ambiente Humano de 1972 é ventilada a necessidade de que o desenvolvimento econômico e social proporcione um ambiente favorável de vida e trabalho.263

Por sua vez, a Organização Internacional do Trabalho que inicialmente atuava apenas focando a segurança física dos trabalhadores e enfatizando o manuseio seguro e adequado de máquinas e equipamentos, influenciada pela evolução do pensamento acerca da relação saúde – trabalho - ambiente avançou, começando a enfrentar de uma forma mais ampla os problemas havidos no local de trabalho. Desde então, passou a estabelecer estreitas conexões entre a saúde e a segurança no trabalho e no meio ambiente.264

Neste período, a Organização Internacional do Trabalho editou duas importantes normas a respeito da saúde no Trabalho, representantes de uma nova concepção, a Convenção nº 148265 que dispõe sobre a contaminação do Ar, Ruído e Vibrações e a Convenção nº 155266 que estabelece normas e princípios sobre a saúde, a segurança e o meio ambiente do trabalho.

Embora o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais trouxesse em seu bojo menção a direitos de solidariedade, não logrou alcançar grande

262 Princípio 1 da Declaração de Estocolmo: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio, cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar este meio para as gerações presentes e futuras”.

263 PURVIN de Figueiredo, Guilherme. Op. cit., p. 59.

264 GASPAR Ferraz de Campos, José. Agenda 21: da Rio/92 ao local de trabalho. São Paulo: Iglu,

1996,

p. 90. Neste sentido: CANÇADO Trindade, Antonio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente:

paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993.

265 Adotada na 63ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho realizada em Genebra em

1977, vigorando no plano internacional em 11 jul. 1979.

266 Adotada na 67ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho realizada em Genebra em

expressão no cenário internacional.

Por isso se diz que estes direitos foram contemplados primeiramente na Carta de Banjul267, da seguinte forma:

Art. 22.1 – 1. Todos os povos têm direito ao desenvolvimento econômico, social e cultural, compatível com o respeito adequado de sua liberdade e de sua identidade, assim como a uma participação igual no patrimônio comum da humanidade.

2. Os Estados são obrigados a garantir, individual ou coletivamente, o exercício do direito ao desenvolvimento.

Art. 23.1 – Todos os povos têm direito à paz nacional e internacional. As relações entre os Estados são presididas pelos princípios da solidariedade e amizade que foram afirmados implicitamente pela Carta da ONU.

Art. 24 – Todos os povos têm direito a um meio ambiente que seja ao mesmo tempo satisfatório e favorável para o seu desenvolvimento.

Mario Peña Chaco e Ingread Fournier Cruz268 afirmam que os direitos de terceira

dimensão podem ser qualificados como direitos de síntese, haja vista que sem a implementação e concretização dos direitos de primeira e de segunda dimensão não há como usufruir dos direitos de terceira dimensão. Sendo assim, o meio ambiente ecologicamente equilibrado somente pode ser acessível quando o homem seja livre e o Estado lhe proporcione o conjunto de bens mínimos para se gozar de uma vida digna, com saúde, educação, trabalho.

O princípio da solidariedade social juntamente com o da igualdade, estão na base do Estado Constitucional que tem por escopo conferir a todos uma existência digna, através do acesso aos direitos básicos, e uma melhor qualidade de vida.269 Por isso é que

se diz que os direitos de segunda e de terceira dimensão para que sejam efetivamente consolidados dependem dos valores de solidariedade e fraternidade.270

Vale salientar que os direitos de terceira dimensão estão em processo de

267 Aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em Banjul,

Gâmbia, em janeiro de 1981, e adotada pela XVIII Assembléia dos Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairóbi, Quênia, em 27 de julho de 1981.

268 PEÑA Chaco, Mario; FOURNIER Cruz, Ingread. Op. cit., p. 192. 269 FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit., p. 93.

delimitação e de afirmação nos ordenamentos jurídicos internos e internacional.271 No

Brasil, o Supremo Tribunal Federal,272 nesta tentativa manifestou-se explicitamente

sobre eles da seguinte forma:

A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Direito de terceira geração. Princípio da solidariedade. O direito à integridade do meio ambiente. Típico direito de terceira geração. Constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto os valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinárias.

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