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A emergência da ideia de governação por contrato

AUTONOMIA E GOVERNAÇÃO POR CONTRATO

5. A emergência da ideia de governação por contrato

A década de 90 caracterizou-se pelo impulso à autonomia das escolas e pela territorialização das políticas educativas. Foi publicado o Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de Maio, Regime de direcção, administração e gestão, implementado em regime experimental em 49 escolas e 5 áreas escolares. A aplicação deste modelo foi objecto de avaliação durante três anos por parte do Conselho de Acompanhamento e Avaliação (CAA), criado pela Portaria n.º 812/92, de 18 de Agosto, que decidiu encomendar diversos estudos a instituições de investigação, cujos resultados viriam a apoiar os dois relatórios que produziu.

No que se refere à autonomia da escola, pondo em causa toda a estratégia reformista adoptada e o modelo instituído o relatório final (CAA, 1997) constata:

não parece possível consagrar e regulamentar a autonomia das escolas através, exactamente, dos mesmos processos, regras e linguagens que sempre serviram, no passado, objectivos políticos antagónicos.

Assim, em nome da participação dos actores locais põe em causa o sistema de inovação próprio dos sistemas centralizados que consiste em definir primeiro todas as regras, sem excepção, e esperar depois por um exercício de autonomia, quando este envolve, desde logo, a possibilidade de intervenção na própria produção de regras (CAA, 1997, p. 18).

Acrescenta este estudo que o “insuficiente grau de autonomia concedido à escola” terá originado “uma frequente desmotivação dos Conselhos de Escola pela impossibilidade de assumirem a perspectiva política da função de direcção face ao centralismo da administração educativa”.

Para o CAA é impossível contribuir para a autonomia da escola sem introduzir uma lógica de descentralização na administração do sistema escolar, admitindo uma pluralidade de centros de decisão. Pelo contrário, conclui, a Administração permaneceu “fortemente centralizada” restringindo dessa forma “o espaço político de que a escola tem de dispor para formular um verdadeiro projecto educativo”, sendo imperioso reduzir a normativização extensiva e a regulamentação excessiva, partilhar a definição de políticas educativas com as escolas, evitar ordenamentos rígidos e optar pela aprovação de um “diploma-quadro” que viabilize a existência de “vários modelos”. Nesse sentido, o CAA apresenta diversas recomendações, entre elas: a introdução de alterações profundas na Administração central e regional da educação, com vista a possibilitar a efectiva transferência de competências para as escolas e a prática da autonomia escolar numa perspectiva de adesão voluntária por parte das escolas e contratual entre as escolas e a Administração, em moldes a definir e a aplicar gradualmente (p. 70).

Nessa mesma linha de pensamento, Barroso (1997) defende a ideia de que a autonomia deveria partir daquilo que as escolas já têm construído e daquilo que realmente desejam, sob a forma de contrato de autonomia.

O tema da autonomia reaparece no Programa do XIII Governo onde se lê: h) Entender a gestão da educação como uma questão de sociedade, envolvendo todos os parceiros, sem prejuízo da responsabilidade inequívoca do Estado, descentralizando competências na construção de

respostas adequadas à diversidade de situações, valorizando a inovação a nível local e a ligação da educação formação aos territórios.

e) Reforço da autonomia das escolas valorizando a sua identidade e os seus projectos educativos, a organização pedagógica flexível e a sua adequação à diversidade dos alunos e dos territórios educativos, criando condições materiais, profissionais e administrativas necessárias a uma verdadeira autonomia.

Também o Pacto Educativo para o Futuro apresentado em Junho de 1996 à Assembleia da República se centra mais na escola, considerando-a como um lugar nuclear do processo educativo para a qual se viriam a transferir competências, recursos e meios. “Modernizar, regionalizar e descentralizar a administração do sistema educativo”, “territorializar as políticas educativas” e “desenvolver os níveis de autonomia das escolas” representam acções prioritárias e “compromissos” assumidos através do Pacto, complementadas por outros, de que se destacam a “aprovação das linhas de orientação estratégica para o desenvolvimento de processos de autonomia das escolas”, e a “celebração de contratos de autonomia entre as escolas e o Ministério da Educação” (Portugal, 1996, pp. 3-10).

Em Portugal, a noção de contrato ganha, assim, destaque em 1996 a propósito do Pacto Educativo entre o Estado e a sociedade civil proposto pelo ministro Marçal Grilo, acompanhando a sua generalização na administração pública na Europa, mesmo em países de tradição mais centralista e burocrática, como refere Gaudin (1999) que constata a sua expansão na Europa e em especial na França.

Ainda em 1996, neste quadro de territorialização das políticas educativas, e por publicação do Despacho n.º 147-B/ME/96, de 8 de Julho, surgem os TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), visando o incremento das condições para a igualdade de oportunidades e promoção do sucesso educativo de todos os alunos, incluindo as crianças em risco de exclusão social e escolar. O seu primeiro objectivo é “a melhoria da qualidade de aprendizagem dos alunos e a articulação da vivência da escola com a comunidade”. Esta medida de política educativa tem subjacente a dimensão territorial da autonomia das escolas, prescreve uma intervenção num determinado espaço geográfico, administrativo e social, supõe uma discriminação positiva e valoriza o papel dos actores e o estabelecimento de parcerias. O Projecto Educativo adquire, neste caso, uma grande centralidade uma

vez que além de exprimir as intenções da comunidade educativa e local, é o documento que vai legitimar o TEIP enquanto organização educativa uma vez que deve ser “apresentado à respectiva Direcção Regional de Educação, com a qual vai ser negociado o seu desenvolvimento quer na vertente pedagógica quer na vertente financeira”.

A publicação do Despacho Normativo n.º 27/97 cria os Agrupamentos de Escolas. Este passo significativo na territorialização das políticas educativas prevê a construção da autonomia em redes educativas locais (Ferreira, 1999). Considera um conjunto de escolas como unidades organizacionais, com uma dimensão humana razoável e dotadas de orgãos próprios de administração e gestão, capazes de decisão e assunção de autonomia” (Formosinho & Machado, 2005, p. 128).

Em coerência com o Programa de Governo e com o Pacto Educativo para o Futuro, o Ministério da Educação procura a execução de um «programa de reforço da autonomia das escolas», solicitando previamente a João Barroso um estudo prévio (Despacho n.º 130/ME/96) que servisse de base a um novo ordenamento jurídico de reforço da autonomia das escolas. Neste estudo, publicado em 1997, sob o título “Autonomia e Gestão das Escolas” (Barroso, 1997b) o autor defende um processo gradual de autonomia sob contratualização e desenvolve a proposta de constituição de contratos de autonomia com as escolas.

Nesse relatório, Barroso retoma perspectivas já incluídas em trabalhos da CRSE e do Relatório final da CAA, toma por referência o princípio da “territorialização das políticas educativas”, insiste na sua distinção entre “autonomia decretada” e “autonomia construída”, defende um processo gradual e contratualizado de “reforço de autonomia das escolas” e apresenta como proposta mais inovadora a “celebração de contratos de autonomia” em duas fases, partindo do pressuposto que as escolas se encontram em patamares diferentes, com recursos diversos e com motivações diferenciadas quanto ao exercício de autonomia. A primeira, acessível a um número mais elevado de escolas que tomem a iniciativa de propor a assinatura dos respectivos contratos e a segunda após a avaliação positiva da fase anterior, dando lugar ao exercício de mais competências e ao acesso de mais recursos. Prevê, ainda que aquelas escolas que não venham a conseguir integrar a primeira fase do

processo, por não terem os requisitos exigidos, deverão ser objecto de uma intervenção por parte das respectivas Direcções Regionais de Educação.