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Barreiras à aprendizagem organizacional

A ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO APRENDENTE

6. Barreiras à aprendizagem organizacional

Erit Rait (1995) considerou que a aprendizagem organizativa das escolas tem quatro níveis de obstáculos, uns situados a nível macro (embora com os seus efeitos a nível micro), e outros específicos do nível micro:

1- Marco político limitador ou facilitador – O contexto sociopolítico facilita ou inibe a aprendizagem organizativa. Uma política educativa fortemente centralizada que prescreve e gere mudanças, não vai longe, desprofissionaliza os docentes e reforça acções reprodutivas do passado, impedindo o emergir de processos geradores de inovação. Por sua vez, a autonomia, como dispositivo necessário para comprometer as comunidades escolares locais na tarefa educativa, pode favorecer essa aprendizagem organizacional, capacitando as escolas para configurarem o seu próprio desenvolvimento institucional, tomarem por si mesmas as decisões que considerem oportunas, sendo essencial redesenhar os contextos de trabalho, o papel dos agentes de mudança, potenciar a tomada de decisão e o desenvolvimento institucional ou organizativo e implicar os professores numa análise reflexiva das suas práticas.

Nessa linha de pensamento embora se possam “implantar” mudanças administrativamente, através de medidas de política educativa, estas não chegariam a ser parte activa da escola e a promover uma melhoria. A melhoria efectiva só acontece se colocarem os professores no papel de agentes de desenvolvimento curricular e apostarem num desenvolvimento organizativo interno das escolas, acompanhado por incentivos e apoios em recursos humanos e materiais que a promoção do desenvolvimento interno das escolas requer e exige.

2- Cultura institucional da escola – A cultura organizacional – considerada por Bolívar “uma espécie de mapa mental, compartilhado por todos os membros da organização”, expressando as formas de vida quotidiana da escola e modos como os membros interpretam a realidade, realizam acções e conseguem resolver os problemas (2000, p. 133) - aparece como uma dupla face, como elemento aglutinador e integrador ou como “barreira defensiva organizativa” de que fala Argyris (1993ª, p. 26). March et al. consideram que “o comportamento estabelecido e compartilhado interfere com o descobrimento de experiências contrárias às que produzem aprendizagem válida, e a exploração de novas ideias interfere com a confiança depositada nas interpretações compartilhadas” (1991, p. 6).

De facto, a cultura institucional escolar, embora seja considerada a melhor ponte para a melhoria é ao mesmo tempo a maior barreira para institucionalizar as mudanças quando implica alterar a cultura dominante (Bolívar, 2000, p. 147). As escolas são instituições que por natureza pretendem a estabilidade pelo que a inércia das práticas conduz à resistência à mudança.

3- Natureza do trabalho docente – As condições organizativas do trabalho das escolas possibilita, favorece ou impede determinadas relações entre os professores. A cultura do exercício da profissão docente tem sido caracterizada desde as primeiras análises sociológicas, de individualista, imposta pelos tradicionais espaços celulares, “modelo cartão de ovos”, com poucas possibilidades de observação mútua e de intercâmbio de experiências sobre a prática docente, estrutura esta que não favorece a aprendizagem organizativa.

4- Regras de processamento da informação – A cultura organizativa pode limitar ou propiciar o intercâmbio de informação, partilha de experiências e

conhecimentos, mas a informação só chegará a ser conhecimento utilizável quando for interpretada e processada pelos professores e pela escola.

Por sua vez, Mulford (1998) identifica seis campos de preocupação das escolas como organizações que aprendem:

1) Limitações culturais – Deve-se ter cuidado ao transferir de uns contextos culturais para outros.

2) Limitações micropolíticas – A análise micropolítica demonstra que os docentes trabalham a maior parte do tempo sós, por terem poucas possibilidade de trabalhar em conjunto. Este facto limita a aprendizagem organizativa que configura espaços de articulação horizontal, cooperação e implicação de todos os membros da organização para definirem e atingirem os fins da organização.

3) Melhoria contínua – Alerta para a ilusão de processos cíclicos ou em espiral de melhoria contínua que nunca mais acabam. Como escreve Hargreaves (1998, p. 23) “o compromisso com o perfeccionismo contínuo pode degenerar em perfeccionismo interminável” e, por isso, “não se deve cair na armadilha do contínuo movimento inovador: é tão importante o que temos de manter (continuidade) como o que temos que ir mudando (renovação)” (Escudero, 1999, cit. Bolívar, 2000, p. 232).

4) Autodeterminação – Embora a aprendizagem organizativa efectiva implique que a organização seja responsável pelos seus resultados, de facto há factores que estão fora do controlo da escola.

5) Ilusões procedimentais de efectividade – Pretende-se que a escola faça as coisas bem feitas responsabilizando os docentes pelo funcionamento e organização das escolas. No entanto há factores externos (política educativa e apoio) que são determinantes, devendo a Administração assumir a sua responsabilidade.

6) Gramática escolar – As escolas têm um conjunto de estruturas básicas e de hábitos que impedem uma aprendizagem organizativa: falta de colaboração entre os professores e/ou departamentos, individualismo, imprecisão ou desacordo em relação às metas, organizações debilmente acopladas, anarquias organizadas, etc. A gramática básica ou “estrutura profunda” embrenhada na cultura escolar, actua como amortecedor de propostas de mudança, acabando por engoli-las ou assimilá-las à sua

cultura. Por esse facto, muitas coisas podem mudar, mas o essencial permanece pressupondo a aprendizagem organizacional uma (re)conversão da organização.

Com Bolívar podemos identificar limitações a nível macro e a nível de escola. A nível macro, “a rede de estabelecimentos de ensino, regida por um sistema centralizado cego às diferenças e ao meio”, ocultando e desprezando problemas centrais da educação, particularmente os ligados aos recursos e financiamento da educação, aos problemas da eficácia, eficiência e qualidade do próprio sistema educativo. Numa escola pública, embora a qualidade dependa em grande parte da capacidade que a escola tem para aprender, os poderes públicos não se podem eximir das suas responsabilidades, nomeadamente, melhores escolas, bons professores e apoio necessário. Acrescenta Bolívar: “uma coisa é o ideal, a outra é a realidade das escolas: edifícios com problemas de construção e de estado de conservação, falta de pessoal e de recursos, em zonas desestruturadas socialmente” (2000, p. 229).

A nível de escola, além das limitações estruturais e da liderança múltipla dos professores, refere Bolívar que é muito frequente a existência de uma cultura de escola numa “perspectiva de diferenciação”, caracterizada pelo pouco consenso e alta fragmentação, onde existem subgrupos fortemente isolados uns dos outros, com poucos elementos comuns, onde o intercâmbio de ideias e experiências intergrupos é limitado ou ocasional, grupos onde há subculturas, podendo haver mesmo uma cultura numa “perspectiva de fragmentação”, onde raramente há lugar a consenso estável dentro dos próprios grupos, em que cada membro (alunos, professor, director têm a sua própria trajectória de vida, experiências, modos de ver ou seja a sua própria cultura o que origina que a organização escolar, como sistema, tenha as suas partes “debilmente acopladas” (loosely coupled).

Na verdade as escolas enquanto organizações apresentam uma tendência para a estabilidade e a preservação de regras e práticas existentes, ou seja, possuem rotinas organizativas que cristalizam a organização na aprendizagem já consolidada. Também a gramática básica ou “estrutura profunda”, enraizada na cultura escolar, abafa as propostas de mudança, podendo, então, mudar muitas coisas, mas, permanecendo o essencial, sem alteração (Bolívar, 2000, p. 144). Neste aspecto “a comunidade unida e comprometida de forma permanente em fazer sempre melhor,

sensível às mudanças do meio, explorando novas vias e deixando os modos habituais de aprender, pode ser uma “visão angélica” impossível de implementar nas organizações terrenas” (2000, p. 221).

Em síntese, na actual conjuntura pós-moderna as organizações com futuro são as que possuem capacidade de aprendizagem (Bolívar, 2008, p. 115) e fazem emergir dinâmicas de autonomia. Nesse sentido apontam as Teorias da Administração quando dão conta de um percurso no sentido do desenvolvimento organizacional e do modelo de escola aprendente. Também a investigação tem revelado que as organizações se transformam a si mesmas por meio de um processo de autodesenvolvimento, devendo a mudança ser iniciada interna e colectivamente, induzindo todos aqueles que estão envolvidos no processo a fixarem individual e colectivamente objectivos de melhoria e desenvolvimento.

Com esse objectivo, espera-se que as políticas educativas estimulem os actores locais para que, conscientes da complexidade do processo de mudança, visem a melhoria da escola, construam a sua capacidade de tomar decisões, incrementem o seu conhecimento e competências, desenvolvam as melhores práticas, elaborem uma planificação para o desenvolvimento (flexível, evolutiva e progressiva), considerem os factores imprevistos (internos e externos), tenham capacidade de fazer o reajuste de modo a melhorar a sua capacidade de aprender e resolver problemas imprevistos. Possibilitem também a capacidade de aprendizagem da organização e reconheçam que para gerar uma cultura de colaboração são necessários tempos de trabalho comuns que possibilitem o peer coaching e uma política que explicite e favoreça condições organizativas propícias.

CAPÍTULO III