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“Doctoral education, the third cycle of the Bologna process, is very different from the first two cycles in that it is intimately tied to the research process.”

(LERU, 2007: 3)

A sociedade atualmente exige professores melhor formados (formação académica sólida e de qualidade), mais informados e atualizados (não só na área das didàticas, das metodologias e da psicologia, mas também na área das tecnologias da informação). Essa exigência acontece em todos os níveis de ensino. O ensino superior português continua, no entanto, a ser um campo pouco conhecido pela investigação educacional embora nos últimos anos tenham aumentado o número de publicações (livros5 e teses de

doutoramento), seminàrios, encontros, colóquios e congressos6, dinamizados por instituições do ensino

superior, onde se debatem temáticas relativas ao ensino superior e aos desafios que este está a enfrentar. O processo de Bolonha promoveu uma mudança relativamente à estrutura do ensino superior mas também relativamente às práticas e metodologias de ensino. O ensino passou a não ser visto como algo local, mas internacional, o que promoveu uma reflexão sobre as práticas de ensino no ensino superior e o seu melhoramento. Nos últimos anos emergiu um interesse, a nível mundial, sobre a educação doutoral (Jones, 2013; Bastalich, 2017). Na Europa este interesse renovou-se com o processo de Bolonha.

Armstrong num artigo publicado em 2004 referia que “(…) supervision itself is often regarded as ‘the single most important variable affecting the success of the research process’ (ESRC 1991: 8). Whilst there have been numerous testimonies to its critical importance, there have also been reports of its exceptional difficulty (Acker, Hill, & Black, 1994). It has been described as ‘probably the most responsible task undertaken by an academic’ (Burnett, 1977: 17), ‘the most complex and subtle form of teaching in which we engage’ (Brown & Atkins, 1988: 115), and ‘the most advanced level of teaching in our education system’ (Connell, 1985). As several authors have pointed out however (Hill, Acker, & Black, 1994; Hoshmand, 1994), such observations seem curiously at odds with the general dearth of research on the detailed nature of supervision. (…)” (Armstrong, 2004).

A supervisão de estudantes de doutoramento tem sido sujeita a investigações e Análises em vàrios países em todo o mundo, sendo os temas destes estudos, o ensino doutoral, o desenho dos programas doutorais, a escrita e pesquisa durante o doutoramento, o emprego e as carreiras profissionais, a relação supervisor-estudante e as experiências doutorais dos estudantes (Jones, 2013), Fig. 1. Bastalich (2017)

5Relatório de investigação: Perspectivas e estratégias de formação de docentes do Ensino Superior.(2007). Flores, A. (coord.);

Carvalho, A., Arriaga, C., Aguiar; C., Alves; F., Viseu, F., Morgado, J., Costa; M., MoraisN. Coleção CIEd, Universidade do Minho, Braga.

Teses de Doutoramento: Fonseca, S. (2012). Metodologia de estudo para alunos do ensino superior através de um programa de treino de competências cognitivas e metacognitivas. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Baptista, A. V. (2013). Qualidade do Processo de Supervisão da Investigação Doutoral. Departamento de Educação. Universidade de Aveiro.

também analisou artigos relativos à educação doutoral e, a partir da revisão da literatura, encontrou quatro grandes áreas de Análise cujos temas centrais eram os conteúdos e os contextos da produção do conhecimento durante o doutoramento. As áreas em que enquadrou a literatura foram: o melhoramento da relação da supervisão, os regulamentos governamentais, a pedagogia da pesquisa, a socialização académica, a supervisão e a subjetividade.

A

B

Figura 1 Pais de origem dos autores de publicações sobre educação doutoral e percentagem de artigos por áreas temáticas

.(Retirado de Jones, 2013).

O processo de Bolonha e a agenda de Lisboa (2000)7 onde a Comissão Europeia destacou a

importância da educação superior e o seu papel na europa do conhecimento, basearam-se na assunção de que a educação superior é a chave para melhorar a cidadania e desenvolver sociedades do conhecimento promotoras de bem-estar, igualdade e justiça social (Keeling, 2006; Alves et al., 2012). Tal como Kehm refere, “Doctoral education is currently high on the higher education policy agenda in Europe. It does not only represent the most important interface between two major reform processes, the Bologna Process to create a European Higher Education Area and the Lisbon Strategy to create a European Area of Research and Innovation; it is also a focal point in national and regional policies vis-à-vis the emerging knowledge societies and economies” (Kehm, 2009: 229).

Em Bergen (2005) e Salzbourg (2005), foram redigidas e aprovadas a grelha de qualificações e os dez princípios para o terceiro ciclo, repectivamente, que continuam a ser o fio condutor das actuais políticas educativas das instituições de ensino superior para este nível de ensino (este tema será abordado no Capítulo| 2, página 19).

7 O papel das Universidades na Agenda de Lisboa (Lisbon research agenda) é clarificado na comunicação da comissão das

comunidades europeias intitulada “O papel das universidades na Europa do conhecimento”, onde se pode ler que, “ (…) as universidades desempenham um papel particularmente importante. Esse papel decorre da sua dupla missão tradicional de investigação e de ensino, da sua importância crescente no complexo processo da inovação, bem como dos outros contributos para a competitividade da economia e a coesão social (…). Porque se situam no ponto de intersecção da investigação, da educação e da inovação, as universidades detêm, sob vários pontos de vista, a chave da economia e da sociedade do conhecimento. (…) Por outro lado, as universidades formam um número sempre crescente de estudantes que possuem qualificações cada vez mais elevadas, contribuindo assim para reforçar a competitividade da economia europeia (…). As universidades contribuem também para a realização dos outros objetivos da estratégia de Lisboa, designadamente o emprego e a coesão social, bem como para a melhoria do nível geral da educação na Europa.“ (Comissão das comunidades europeias, COM (2003: 58).

Tradicionalmente “Doctor of Philosophy” (PhD) é um grau académico, relacionado com as capacidades de investigação, atribuído a uma pessoa que demonstre a capacidade de desenvolver uma pesquisa académica e produzir novo conhecimento (Park, 2005; Neumann 2005). Para alguns autores o doutoramento é “a period during which, amongst other things, a student learns the art and the science of research, the ethics of research, the intellectual rigour required of a researcher, how to frame research questions and to pursue them and mould them, and to complete a piece of original research.’’ (Mullins & Kiley, 2000).

Mas o conhecimento produzido8 durante este tempo deve beneficiar a sociedade9. Este desígnio que

se iniciou em meados dos anos noventa do século XX, reflete implicitamente uma mudança de paradigma do que é um doutoramento e qual a sua função. A alteração no paradigma, isto é a mudança na perspetiva do objetivo da produção do conhecimento e a passagem de doutoramentos centrados nos conteúdos para programas doutorais centrados em competências10, teve por base a necessidade dos doutorandos

desenvolverem competências transferíveis, mas também competências de pesquisa e evidenciou-se em programas doutorais específicos, estruturados e dirigidos para as necessidades da sociedade, nomeadamente de companhias potencialmente empregadoras, de Universidades e de fundações que financiam a investigação científica (Huisman, de Weert & Bartelse, 2002; Keeling, 2006). Este repensar das finalidades dos doutoramentos11, em áreas essenciais como as ciências, a tecnologia, a economia e a educação, levou a

um novo conceito de doutoramento, o doutoramento profissional (PD). Esta nova conceção de doutoramento tem características que a distingue dos doutoramentos tradicionais, os Ph.D. (doctorate in philosophy), que se caracterizam pela natureza investigativa e desenvolvimento de conhecimento académico, mas também têm pontos em comum. Os perfis de ambos os doutoramentos implicam criatividade e originalidade, mas o doutoramento tradicional (Ph.D.) baseia-se na investigação, com um grau

8 A produção de conhecimento nas Universidades tem sido objeto de estudo pela sociologia da educação desde finais do século XX

(Bǿgelund, 2015). Segundo alguns autores é possível identificar três perspetivas em relação à produção do conhecimento: uma perspetiva académica, uma perspetiva orientada para o mercado e uma perspetiva transformadora da sociedade. As primeiras duas perspetivas foram apresentadas por Wenneberg (2001) e a última por Jamison e colaboradores (2011). Estas perspectivas baseiam- se em entendimentos diferentes em relação ao propósito das universidades, ao conceito de conhecimento e ao lugar que a Universidade ocupa na estrutura da sociedade (Bǿgelund, 2015). Na perspetiva “Knowledge production in an academic perspective”, o propósito da universidade é “To produce true knowledge and to educate graduates who have acquired this knowledge”, o conceito de conhecimento implica a noção de “Knowledge as true, justified conviction” sendo a produção de conhecimento central. As universidades tem que produzir “true knowledge add to the collective knowledge of society” (Bǿgelund, 2015). Na perspetiva de “ Knowledge production in a

market perspective”, o propósito da universidade é “To produce believable and useful knowledge”, tendo inerente a noção de “Knowledge as a social elemente” e de que a aplicação do conhecimento é central, vendo-se a universidade como parte da sociedade que “must take part in creating economigrowth and welfare” (Bǿgelund, 2015). Na perspective de Knowledge production in a changing society perspective, o propósito

da universidade é “to produce believable and useful knowledge for a globalised world”, sendo o conhecimento visto “as a source of empowerment

and change, value-based”, sendo central uma “contextual exchange of knowledge”. As universidades “must create change agents in a world facing global challenges”. (Bǿgelund, 2015).

9 Atualmente e em consequência da implementação da Estratégia de Lisboa pela União europeia e dos apoios económicos que esta

disponibiliza, o entendimento que é privilegiado é o que considera que o conhecimento produzido deve beneficiar a sociedade. O conhecimento produzido nas Universidades é orientado para os mercados, para satisfazer a indústria, as pessoas e a sociedade em geral e promover o bem-estar social.

10 Esta alteração, isto é passagem de programas centrados na aquisição de conteúdos para programas centrados do desenvolvimento

de competências abrange todos os ciclos de ensino.

de especialização e conhecimento elevado numa área do conhecimento específica, enquanto os doutoramentos profissionais estão associados à aquisição de conhecimento profissional e de competências de pesquisa, para desenvolver ou melhorar a prática profissional (Evans, 2002; Lee, 2009a; Boud & Tennant, 2006). A definição de doutoramento profissional dada pela United Kingdom Council for Graduate Education (UKCGE) (2002: 62) refere que, “a profissional doctorate is a programme of advanced study which, whilst satisfying the University criteria for the award of a doctorate, is designed to meet the specific needs of a profissional group external to the University, and which develops the capability of individuals to work within a profissional context” (UK Council for Graduate Education (2002: 62)).

Como resultados das diferentes propostas e finalidades de cada tipo de doutoramento, o processo de supervisão durante o doutoramento deverátambém ter características diferentes (Radloff & Styles, 2001; Lee, 2009b; Maxwell & Smyth, 2011; Baptista, 2015). Neumann (2003) comparou os doutoramentos profissionais e os PhD e concluiu que uma das diferenças é a forma de entrada no percurso doutoral (Neumann, 2003: 10). No entanto, qualquer tipo de doutoramento, PhD ou doutoramento profissional compreende, ‘‘(…) mastery of the subject; mastery of analytical breadth (where methods, techniques, contexts and data are concerned) and mastery of depth (the contribution itself, judged to be competent and original and of high quality).’’ (UK Council for Graduate Education, 1997: 11). Este facto é reconhecido por supervisores e doutorandos de ambos os tipos de doutoramento (Boud & Tennant, 2006).

Alguns investigadores analisaram o processo de supervisão doutoral do ponto de vista das instituições (financiamento da instituição e do aluno, suporte dado ao aluno, processo de socialização, recursos de que dispõem, instalações, entre outros) (Kyvik & Smeby, 1994; Golde 1998; Gardner, 2006, 2007 e 2008; Wao & Onwuegbuzie, 2011; Mello, Fleisher & Woehr, 2015; Castelló, Pardo, Sala-Bubaré & Suñe-Soler, 2017), do ponto de vista dos alunos (a sua socialização, como se sentem na academia, principais dificuldades encontradas, bloqueios, ajudas, processo pessoal, tempos de conclusão) (Kiley, 2015; Lindasay, 2015; Woolderink, Putnik, van der Boom & Klabbers, 2015; Ayers, Kiley, McDermott & Hawkins, 2016; Hunter & Devine, 2017; Bastalich, 2017; Cornér, Löfström, Pyhältö, 2017; Spronken-Smith, Cameron & Quigg, 2018), do ponto de vista do supervisor (tempo disponível, financiamento, projeto, publicações, impacto na sua carreira, a sua disponibilidade para a supervisão, o significado do que é a supervisão, o que é para si a pesquisa doutoral, entre outros) (Watts, 2008; Deuchar, 2008; McCallin& Nayar, 2012; Collins, 2015; Bǿgelung, 2015; Delvos, Van der Linden, Boudrenghien, Azzi, Galand & Klein, 2015, Benmore, 2016), mas também do ponto de vista da sociedade (como o financiamento de doutoramentos é aproveitado, quais os benefícios ou desvantagens da investigação, qual a interação academia/mercado de trabalho, qual o seu impacto no bem-estar social, a ética da investigação, etc.) (Lafont, 2014; Titus & Ballou, 2014; Bǿgelung, 2015). Estes olhares têm permitido uma reflexão informada e consciente da educação doutoral nas suas várias facetas e em particular sobre o processo da supervisão.

A tese é o produto de um doutoramento. Tal como Park (2005) enfatiza, “Typically, a PhD thesis is expected to embody independent research carried out by the author, and through that to demonstrate that

the student has located the research within a discipline or an interdisciplinary context, has shown an ability to carry out independent research as an autonomous practitioner, and has made a substantial contribution to knowledge and advanced understanding.” But this assumption is not the traditional one which “privilege the creation of new knowledge over the application, extension, interpretation or questioning of existing knowledge” (Park, 2005).

Outro aspeto do doutoramento é o processo que lhe é inerente. Este envolve a transição para uma nova cultura e contexto dentro da educação superior (Park, 2005; Christensen & Lund, 2014), que implica um processo de sociabilização que pode ser difícil sem o suporte de um supervisor (Gardner, 2007 e 2008; Mainhard et al, 2009; Halse 2011).

A defesa da tese é o último passo na jornada de um doutoramento e o que sintetiza a pesquisa desenvolvida, as competências e capacidades adquiridas e as práticas de supervisão, sendo o términus do doutoramento (Trafford & Leshem, 2002 e 2009).

Atualmente, nas universidades, tão importante como as atividades de ensino e aprendizagem, no primeiro e segundo ciclo, é o trabalho de supervisão dos estudantes de doutoramento. A supervisão não pode ser reduzida à forma como é executada (atividades, atributos, comportamentos), mas deve também incluir o que significa para o supervisor (que significado tem para o supervisor) e para o estudante de doutoramento. Wright, Murry e Geale (2007), consideraram que “(…) the meaning of supervision is not fixed or constant but is socially constructed by, and between, supervisor, students, and other members of the academic community based on their lived experiences”. (Wright, Murry & Geale, 2007: 458).

A supervisão está relacionada com o supervisor, o doutorando, a natureza do projecto de investigação, mas também com a relação que se estabelece entre supervisor e doutorando, Fig. 2.

Figura 2 As várias inter-relações num processo de supervisão doutoral. (Elaboração própria).

Durante o doutoramento emerge um processo não só dialógico de ensino e aprendizagem entre o supervisor e o estudante mas também criativo e transformador, que deveráser contextualizado e relacionado com as políticas educativas da instituição onde ocorre.

Para uma Análise completa do processo de supervisão tem que se olhar para cada um dos intervenientes no processo para entender como interagem, se enquadram e ajustam. Neste processo, as instituições têm um papel importante uma vez que elas dão o contexto social, físico e político às práticas de supervisão, mas também as condições de suporte económico e financeiro para que o mesmo possa ocorrer, Fig. 3.

Figura 3 Processo de supervisão doutoral (elaboração própria).

Em Portugal o conceito de supervisão está intimamente relacionado com a supervisão pedagógica de professores do ensino bàsico e secundàrio. A supervisão doutoral em Portugal é pouco conhecida e estudada, sendo os supervisores denominados por orientadores. A legislação da República Portuguesa que regula o terceiro ciclo e a obtenção do grau de doutor é omissa em relação à supervisão (como se define, em que consiste, como deveráser executada) ao papel do supervisor e do doutorando, atribuindo a cada instituição de ensino superior a sua regulamentação. Face à autonomia Universitária cada instituição de ensino superior tem regulamentação própria sobre a aquisição do grau de doutor e sobre a supervisão doutoral.

2. Os doutoramentos e o terceiro ciclo: o antes e o pós