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As vivências dos estudantes durante o processo de supervisão doutoral

As experiências dos estudantes de doutoramento, podem ser analisadas tendo em conta os processo de socialização, o progresso do projecto doutoral, o desenvolvimento pessoal, a motivação para realizar um doutoramento, o apoio prestado ao aluno e a discriminação e equidade (Jones, 2013). O processo de socialização tem-se mostrado muito importante para a realização do doutoramento. Se por um lado o contacto entre pares promove a integração, reduzindo o isolamento, por outro também ajuda a perceber que regras explícitas e implícitas bem como as culturas que governam os ambientes de investigação em que se estão a integrar. Deste modo os estudantes adquirem conhecimentos, valores, atitudes e hábitos da sociedade onde querem ser inseridos (Bragg, 1976; Golde, 1998; Gardner, 2006, 2007, 2008). Autores como Gardner (2006, 2007, 2008 e 2009) e Golde (1998) têm realçado a importância deste processo uma vez que poderà residir nele a causa de muitos abandonos prematuros de doutoramentos. Gardner propõe que a jornada doutoral tem três etapas: entrance (que corresponde à chegadaà instituição de ensino superior e perceber o que é esperado de um doutorando e o primeiro estabelecimento de relações com colegas e funcionàrios da instituição), integration (que é o momento de desenvolvimento do projeto doutoral e a consolidação das regras do laboratório, centro de pesquisa e uma reforço das relações interpessoais) e

candidacy (corresponde à sistematização de resultados e escrita da tese) (Gardner, 2009). Golde (1998) por

seu lado identifica quatro tarefas de socialização em estudantes de doutoramento (Intelectual mastery, realities of gradute life; profession preparation; departamental integration) que estão associadas com realizações: “intelectual competence; fitting in and surviving the struggle; clarification of career choice, career-life fit and balanc”.

Na área das ciências, a aprendizagem no local de trabalho (workplace learning) e o ambiente investigativo em que esta ocorre vão influenciar as vivências dos doutorandos e ditar o seu sucesso, devendo ser tidos em conta quando estes iniciam o doutoramento (Hum, 2015). Resultados da pesquisa de Hum (2015) apontam para que “the inter-relationship between different elements related to individuals and context(s) in science doctoral work, and patterns in these inter-relationships. (…) emphasise the importance of attending to the research work students engage in, and the affordances available to them, to ensure effective learning which can support student´s learning and career goals.” Este autor também chama a atenção para o facto de “What was needed for, or defined, a sucessful/negative experience /outcome or affordance/hindrance” variou com o doutorando e com o contexto. No entanto experiencias negativas no local de trabalho a longo prazo, caracterizavam-se por múltiplos problemas inter-relacionados que, impediam que os doutorandos prosseguissem o trabalho e alcançassem as suas metas pessoais.

Nos últimos anos têm surgido estudos relacionados com a autoeficàcia (perceção dos alunos acerca das suas capacidades para aprender ou concretizar comportamentos escolares num dado domínio específico) (Overall et al., 2011; Rahmati, 2015), a exaustão emocional e o bem-estar de alunos de

doutoramento (Pyhältö, Toom, Stubb & Lonka, 2012; Rahmati, 2015; Hunter, Devine, 2016) e a relação entre as metas, a metacognição e o sucesso académico em estudantes do ensino superior (Coutinho, 2007; Kleijn, Miinhard, Meijer, Pilot & Brekelmans, 2012; Hermita, Thamri, 2014). Nestas investigações verificou- se que dependendo das experiências de supervisão durante o doutoramento, este período pode ser sentido como um tempo de crescimento pessoal e cognitivo e de integração na comunidades de investigadores e/ou como uma experiência negativa, uma fonte de ansiedade que gera exaustão e burnout e que poderà levar ao abandono da academia (Yarwood-Ross & Haigh, 2014; Rahmati, 2015; Hunter & Devine, 2016). Resultados destes estudos mostraram que a qualidade da relação aluno-supervisor, é um fator importante que pode moldar as experiências durante o curso de doutoramento e pode desencadear o stress e a depressão ou motivação e satisfação (Hunter & Devine, 2016; Rahmati, 2015). Os elementos chave são o estudante, o supervisor e a relação que estabelece entre ambos. O supervisor é o elo de ligação do estudante à academia, ao processo de investigação, ao ambiente investigativo, à universidade (serviços administrativos), ao espaço físico onde ocorre a pesquisa doutoral, tendo o papel de intermediário entre o aluno e os recursos que este pode usar e a pesquisa que este pode realizar. É interessante verificar que as experiências de pesquisa vivenciadas durante a supervisão relatadas por estudantes pós-graduados diferem de acordo com o

background66 dos supervisores e estão relacionadas com a qualidade da supervisão e também com os atributos

psicossociais dos supervisores e a sua inteligência emocional (Abdullah & Evans, 2012).

Estudos sobre as práticas de supervisão doutorais mostraram que as experiências de pesquisa são influenciadas pelas características dos estudantes tais como competências, capacidades de aprendizagem e motivação para se envolver e gerir o projeto de pesquisa (Astin, 1984; Zimmerman & Paulsen, 1995; Vekkaila, Pyhältö & Lonka, 2013). Fatores psicossociais, como crenças motivacionais e de autoeficàcia, também devem ser tidos em conta quando as experiências de pesquisa/investigação doutoral de estudantes são examinadas (Pyhältö & Lonka, 2013). A autorregulação67 e a autoeficácia68 foram analisadas em

estudantes universitários tendo os autores dos estudos verificado, que entre ambas existe uma correlação positiva, e que ambas podem ser usadas como preditores do desempenho académico, no entanto

66A palavra background tem aqui um sentido lato, significando as vivências e competências pessoais que modelam cada pessoa. 67 A teoria sociocognitiva de Bandura (1977a, 1977b, 1978, 1986) considera que fatores pessoais, comportamentais e ambientais

atuam nos processos de aprendizagem humana. A autorregulação é construída a partir das interações entre esses fatores, sendo diferente para cada pessoa e variável no tempo (Bandura, 1986). O processo de autorregulaçãoenvolve o domínio e a gestão de numeroso fatores tais como: o estabelecimento de objetivos em diferentes momentos de aprendizagem; o envolvimento em tarefas; o planeamento e gestão de tempo; a implementação de estratégias para promover a aprendizagem; a criação de ambientes (contextos) de aprendizagem; a utilização de recursos e fontes diversificados; a previsão, execução e monitorização de resultados, o que irá promover uma aprendizagem significativa de elevada qualidade (Boekaerts & Horn, 2005). Este processo ativo requer a definição de metas que irãoguiar o aprendente no processo de monitorização, regulação e controlo do mesmo (Rosário, 2004). Um estudante autorregulado ajusta estratégias, cognição, emoções e comportamentos com a finalidade de adquirir a aprendizagem e assim alcançar as metas a que e propôs (Bandura, 1993; Zimmerman, 1998, 2000).

68 O conceito de autoeficácia para a aprendizagem relaciona-se com as perceções dos alunos acerca das suas capacidades para

aprender ou concretizar comportamentos escolares num domínio específico, que neste caso corresponde ao projeto de investigação inerente a um doutoramento. Zimmerman (1998) refere que “Quando os alunos acreditam que são capazes de realizar uma tarefa específica, demonstram níveis superiores de empenhamento cognitivo, um maior interesse e valorização dessa tarefa e, consequentemente, uma maior motivação e uma aprendizagem autorregulada mais eficaz.“(Zimmerman, 1996: 17).

encontraram uma relação negativa entre elevada autoeficàcia e burnout, o que está em linha com a teoria de Bandura (Jakesova et al., 2014; Hermita, et al., 2014; Rahmati, 2015).

Estudos sobre a autorregulação e a eficiência académica, na educação superior foram desenvolvidos também por Jakešova, Kalenda e Gavora (2015). Estes autores encontraram uma forte correlação entre esses dois constructos. Foi também possível encontrar uma correlação positiva entre a metacognição69 e a

autoeficàcia em estudantes do ensino superior (Hermita & Thamrin, 2015). A autoeficàcia dos estudantes do ensino superior é um preditor do desempenho académico, e a metacognição do sucesso académico (Coutinho, 2007). Num estudo realizado por Stankov e Lee em 2014, estes investigadores verificaram que medidas de confiança (um preditor não-cognitivo de desempenho académico) apresentam uma validade preditiva mais elevada para o desempenho académico (Stankov & Lee, 2014).

A relação entre o controlo, o sucesso académico e a metacognição foi também investigada em estudantes universitários (Hrbárckovà, Hladík & Vávrová, 2012). Neste trabalho de pesquisa, os investigadores verificaram que, se os estudantes acreditarem que o sucesso académico depende somente deles, eles poderão alcançar elevados níveis de metacognição. Foi também possível verificar que a metacognição é um forte preditor académico, embora seja afetado pela motivação, competências pessoais percebidas, atitudes, emoções e hábitos de estudo. Estes estudos demonstraram a importância de conhecer os níveis de metacognição dos estudantes de doutoramento e a necessidade de haverem programas que permitam ajudar os estudantes a desenvolverem as suas capacidades metacognitivas. É ainda importante notar que há correlações positivas entre o grau de confiança dos estudantes, as suas competências e o seu envolvimento nos projetos de investigação (Abdullah & Evans, 2012; Vekkaila, Pyhältö & Lonka, 2013).

Alguns investigadores, baseados nos dados recolhidos durante as suas investigações, propuseram estratégias, para evitar experiências doutorais negativas e processos de supervisão sem stress. Uma sugestão para alcançar melhores resultados e melhorar o desempenho durante os projetos de investigação doutoral é usar uma matriz de gestão da pesquisa70, que irá guiar o estudante através do projeto de investigação. Na

elaboração desta matriz os autores consideraram o conhecimento, a prática e o desenrolar/desenvolvimento do processo de pesquisa (Maxwell & Smyth, 2011). Outra estratégia, proposta para fortalecer a relação estudante de doutoramento-supervisor, é elaborar e desenvolver um contrato escrito negociado (Hockey, 1996). Alguns pesquisadores sugerem também o uso de um portfolio para estimular o estudante e avaliar o seu conhecimento (Driessen, van der, Schuwirth, Tartwijkj & Vermunt, 2005). Em alguns trabalhos de

69 A teoria da metacognição foi descrita por Flavell em 1979. Ele definiu metacognição como “thinking about thinking” que significa

pensar/refletir sobre os próprios processos cognitivos bem como controlá-los. Isto inclui conhecimento sobre quando e como usar uma estratégia particular para aprender ou para resolver problemas. A metacognição pode ser dividida em conhecimento metacognitivo (conhecimento sobre a cognição (limitações e pontos fortes) e fatores que podem a influenciar) e regulação metacognitiva (que compreende três capacidades/competências cognitivas: planear, monitorizar e avaliar)(Veenman, Bernadette, Van Hout-Wolters & Afflerbach, 2006). Em termos dos aspetos metacognitivos da aprendizagem, quando os estudantes são autorregulados eles definem metas, elaboram planos de ação, organizam as suas atividades, Auto monitorizam e autoavaliam o seu processo de aprendizagem (Corno, 1986 e 1989). A metacognição revela-se ela mesma como um poderoso preditor da aprendizagem (Wang, Haertel & Walberg, 1990). Os aspetos motivacionais são também importantes no processo de aprendizagem e estão relacionados com a autoeficácia do estudante, o seu esforço e persistência (resiliência) durante esse processo (Zimmerman, 2002).

pesquisa é referido que a frequência e a qualidade dos encontros/reuniões entre supervisor e estudante de doutoramento são importantes para a qualidade do processo de supervisão (Baptista, 2014 e 2015). O

feedback escrito é uma das ferramentas utilizadas pelos supervisores de doutoramento, que usado

atempadamente promove o bem-estar dos estudantes (Can & Walker, 2014). Num estudo recente, investigadores reportaram a recolha de dados relativos ao tipo de feedback preferido por estudantes de doutoramento de ciências sociais (Can & Walker, 2014). Do ponto de vista destes estudantes, esta estratégia para ser eficaz, tem de fornecer apoio individualizado, dar opiniões e pontos de vista alternativos, ser construtivo, apresentar linhas orientadoras, deve também encorajar o diálogo e a reflexão, tal como apresentar justificações para críticas e ser claro. É através do feedback escrito que o supervisor muitas vezes comunica com o doutorando, providenciando treino académico avançado relativamente à escrita. É também através do feedback que o doutorando percebe que escrever é uma forma de aprendizagem, uma vez que rever os rascunhos com o feedback, pode levar ao processo de descoberta de novos conhecimentos ou perspectivas (Kumar & Stracke, 2007). No entanto este feedback está “contaminado” pela relação que se estabelece entre supervisor e doutorando. Se o supervisor é visto como o mestre e o doutorando como aprendiz o feedback é uma forma de ensino. Se o doutorando é visto como um colega então ocorre a aprendizagem através de um modelo de peer-to-peer (Kumar & Stracke, 2007).

De realçar que muitas vezes a supervisão é realizada em equipa (orientadores e coorientadores), sendo importante para o doutorando perceber o seu papel e o papel de cada um dos supervisores (relações de poder caso existam), mas também a equipa de supervisores ter uma pedagogia doutoral sistemática (Manathunga, 2011 e 2012; Guerin &Green, 2015). Algumas recomendações apresentadas por Guerin e Green (2015) neste contexto são: 1) Acordo de procedimentos para enfrentar a diversidade de feedback por parte dos supervisores; 2) Inclusão do doutorando no debate relativamente ao feedback ou diversidade de opiniões; 3) Reconhecer que a diversidade de opiniões pode ser uma ameaça ao processo de supervisão. Em suma definir regras pelas quais a supervisão se irá reger. Assim evitam-se conflitos, situações de ansiedade e stress para os envolvidos e permite-se o desenvolvimento do doutorando.

2. Tempos de conclusão, fatores que influenciam a