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A Escola como propiciadora de uma educação intercultural inclusiva

Capítulo 4 – Educação Intercultural e o Ensino de Atitudes e Valores

4.3 A Escola como propiciadora de uma educação intercultural inclusiva

É nessa perspetiva que a escola moderna não só detém o papel de facilitadora e mediadora da construção do conhecimento, como é sua tarefa propiciar o desenvolvimento das capacidades cognitivas, afetivas e comportamentais dos cidadãos. Na parte comportamental, destaca-se o ensino de atitudes e valores e o desenvolvimento de competências comunicativas tão necessárias ao diálogo intercultural presente em todas as agendas de transformação social e educativa em contextos multiculturais de aprendizagem. Através de um trabalho crítico e da busca do exercício da cidadania, a escola deve mostrar às novas gerações a importância de cada indivíduo e o seu papel na sociedade enquanto cidadãos conscientes dos seus direitos, deveres e obrigações. Conforme anteriormente referido, o multiculturalismo é uma das caraterísticas mais marcantes das sociedades contemporâneas, pelo que a educação intercultural torna -se uma necessidade incontornável.

A mudança de paradigma com que a escola é confrontada na atualidade não é uma opção, mas sim uma imposição ditada pelas mudanças estruturais da sociedade. Ruiz (2003 : 65), citando Kenski (1996), realça que a sociedade mudou, que as crianças estão envoltas hoje em um mundo “polifônico e policrómico [...] cheio de cores, imagens e sons. Muito distante do espaço quase que exclusivamente monótono, monofônico e monocromático que a escola costuma oferecer”. Assim sendo, “precisa-se refletir sobre a urgência de criar nas escolas um ambiente que dê conta dessas transformações sociais, pois é nessa sociedade que alunos e alunas vão interagir e, quem sabe, (...) provocar transformações que levem a um bem viver coletivo” (ibid.). A escola de hoje não pode perpetuar a imagem de uma “torre de marfim”, com os professores transformados em “peças de museu” – isto é, inacessíveis. Tem de estar aberta à sociedade, transpor as barreiras do autoisolamento e ir ao encontro do cidadão comum que dela necessita. A escola é de todos e deve servir a todos ensinando, educando, formando, preparando para resolver problemas reais do quotidiano.

A título de exemplo, ao debater o conteúdo de um texto numa aula de inglês sobre

“Desempenho dos Professores vs. Satisfação dos Alunos”, com alunos de uma instituição

Desiludidos com os seus professores de “torre de marfim”, um aluno certa vez observou que “um bom canalizador faz mais para a humanidade do que todos os filósofos juntos”. À semelhança de muitos outros alunos, esse aluno ressentiu a incapacidade dos seus professores em “descer das nuvens” e ajudá-lo a resolver os reais problemas do quotidiano.

(Autor desconhecido)

Na ótica de Perrenoud (1999: 11), “que um professor reflexivo mantenha uma relação de envolvimento com a sua própria prática é o mínimo que se exige, na perspetiva da profissionalização”. E acrescenta que, “[...] um profissional reflexivo aceita fazer parte do problema. Reflete sobre a sua relação com o saber, com as pessoas, o poder, as instituições, as tecnologias, o tempo que passa, a cooperação [...]” (p. 9). A escola não pode omitir-se do seu papel de formadora, educadora e fiscalizadora da prestação dos seus profissionais. O professor, por seu lado, tem de ser capaz de refletir, analisar e avaliar as suas práticas através da prestação dos seus educandos e do seu grau de aproveitamento. Tal como o professor, a escola tem o dever de facilitar a aprendizagem dos seus alunos, aglutinar as diferentes sensibilidades que se encontram no seu seio em termos culturais, socioeconómicos, identitários, étnicos, religiosos e outros, servir de mediadora das relações entre os diversos grupos socioculturais, mobilizar estratégias conducente s à formação integral dos cidadãos para a sua integração e pleno funcionamento no seu meio. A escola tem o dever e a tarefa de trabalhar para uma educação integradora , sem qualquer tipo de discriminação ou de marginalização.

Infelizmente, entre a teoria e a prática ainda vai uma grande distância, razão porque Alves e Backes (n. d.) lamentam que,

A escola, como instituição é, ou deveria ser um espaço privilegiado para a construção de relações interculturais e enriquecedoras entre os diferentes, o que até então tem sido tolhido por conta de uma visão eurocêntrica, que ao privilegiar uns, exclui e minimiza o valor de outros, produzindo assim relações desiguais e empobrecidas que estão firmemente retratadas em nossos currículos escolares.

(Alves e Backes, n. d., p. 7)

Situações desta natureza legitimam as muitas críticas que têm sido feitas à respeito da escola enquanto instituição cuja missão deve ser formar, informar e educar, mas que muitas vezes não cumpre devidamente o seu papel, criando espaço para uma imagem que a coloca como “inexoravelmente ligada à reprodução das desigualdades socioculturais,

não restando espaço possível de transformação dentro do quotidiano das práticas educativas” (Canen, 2001: 211).

A escola não pode passar uma imagem de inoperância, ineficiência ou de cumplicidade pela negativa. Tem de preocupar-se em não apenas formar competências, mas capacitar os indivíduos a utilizar essas competências para a sua inserção no mundo real e sensibilizá - los a adotar atitudes e comportamentos apropriados que facilitem a sua interação com os outros tanto dentro como fora do seu meio envolvente. Canen (2001 : 224) refere a necessidade de uma formação docente que vise transformar a escola “em um espaço de cidadania para alunos de todas as raças, gêneros, classes sociais e padrões culturais” promovendo uma sã convivência baseada na harmonia e no entendimento mútuo. Resumindo, a escola deve formar cidadãos para o mundo do trabalho, mas deve também formá-los para os valores, para a cidadania, para a paz, para a liberdade, para a democracia, para o respeito à diferença. Deve formá-los para o diálogo e a interação. Deve formá-los para a vida.

Portanto, a escola não só detém a responsabilidade de propiciar a construção de conhecimentos científicos aos seus alunos, denominada socialização formal, como cabe a ela a tarefa de desenvolver as capacidades cognitivas e afetivas dos educandos e as suas competências de comunicação, participação e interação social, denominada socialização informal. A escola hoje, enquanto instituição formativa, informativa e educativa, deve visar a formação integral do aprendente e dotá-lo de competências de forma a agir com confiança no seu espaço de interação tanto social como profissional. Assim sendo, além de transmitir conhecimentos científicos aos seus alunos – o saber, deve ensiná-los a fazer uso desses conhecimentos em situações da vida real – o saber-fazer, e ajudá-los a desenvolver características individuais relacionadas com a personalidade de cada um, nomeadamente atitudes de recetividade e de compreensão em relação a outras formas de ser, de estar e de viver – o saber-ser / saber-estar (Roegiers e De Ketele, 2004).

Mário Sérgio Vasconcelos 4 é de opinião que nos tempos atuais, em meio às diversas

crises que devastam tantas instituições sociais tradicionais, incluindo a própria família, a escola ainda é vista como uma instituição imprescindível para o atendimento das

4 Professor de Psicologia do Desenvolvimento da Unesp/Assis; Mestre em Psicologia Social (PUC/SP);

demandas de formação intelectual e transmissão formal dos saberes da cultura. Ela continua sendo o grande sustentáculo da sociedade e considerada elemento chave da formação do sujeito, da construção da cidadania e da expansão da economia. Por isso, a situação da criança fora da escola é vista como sendo mais grave do que a da criança fora da família. “Afinal, por figura de lei, lugar de criança é na escola ”.5 Portanto, sobre a

escola recai a responsabilidade da formação integral do indivíduo. A ela cabe o papel de zelar pe lo desenvolvimento da criança, do adolescente e do jovem a vários níveis como sendo no plano cognitivo, emocional, afetivo, social, político, etc., tidos como cruciais para a formação do sujeito do nosso tempo.