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Capítulo 4 – Educação Intercultural e o Ensino de Atitudes e Valores

4.4 O Papel do currículo na educação multi/intercultural

Pela dimensão da sua importância, a tónica sobre um curriculum intercultural está presente na pauta de reflexão de vários autores e especialistas contemporâneos como uma das condições fundamentais para uma aprendizagem intercult ural de sucesso. Moreira et al (1999) referem que, tendo em vista as novas configurações sociais presentes na escola, dois aspetos que têm merecido especial destaque na área da investigação são a formação de professores e o curriculum, visto tratar-se do objeto e instrumento do trabalho docente onde não pode faltar a componente diversidade (in Baumel, 2004: 150). Assim, a conceção e planificação de ações de formação de professores para a diversidade deve ser feita em consonância com os curricula, as políticas educativas e as estratégias metodológicas que conduzirão à elaboração de práticas pedagógicas que tenham em conta o respeito pelas diferenças na construção de um ensino que promova a integração e a coesão social. No entanto, Alves e Backes (n. d.) consideram que “a ausência da diversidade, grande lacuna nos currículos escolares, tem trazido grandes prejuízos à formação, tanto de alunos como dos professores, situação que se torna mais grave quando se fala de escola pública” (p. 2).

Alguns autores defendem que, sendo o processo educativo tão complexo e fortemente marcado pelas variáveis pedagógicas e sociais, não pode ser analisado fora da interação dialógica entre escola e vida, levando em conta o desenvolvimento humano, o

5 “O Desenvolvimento humano no Contexto Escolar” de Mário Sérgio de Vasconcelos (n.d.), disponível em http://www2.escolainterativa.com.br/canais/20_encontros_tem/2006/Goiania/goi_mario_sergio_vas.pdf, p.

conhecimento e a cultura. E isso conduz naturalmente à uma reflexão mais profunda: o que ensinar e o que aprender nas escolas, onde tanto a conceção de planos curriculares apropriados como uma formação docente adequada, seja ela inicial ou contínua, são fatores de particular importância , razão porque o curriculum está a transformar-se cada vez mais em tema central de reflexão nas discussões a vários níveis de decisão: política, didática e pedagógica dos sistemas educativos. Segundo Moreira e Candau (2007: 9), essa atitude é reveladora da “consciência de que os currículos não são conteúdos prontos a serem passados aos alunos. São uma construção e seleção de conhecimentos e práticas produzidas em contextos concretos e em dinâmicas sociais, políticas e culturais, intelectuais e pedagógicas [específicas]”. E esses autores explicam que, com base nos diferentes fatores socioeconómicos, políticos e culturais que estão na base da educação em cada momento histórico, o curriculum pode ser entendido como:

• Os conteúdos a serem ensinados e aprendidos;

• As experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos;

• Os planos pedagógicos elaborados pelos professores, escolas e sistemas educacionais; • Os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino;

• Os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus de escolarização (p. 18).

Mas seja qual for a definição que se entender atribuir ao conceito de curriculum, uma coisa é certa: nenhum curriculum deve ser concebido de forma descontextualizada porque não se consegue ensinar nada desgarrado da realidade sociocultural dos aprendentes. São os contextos que dão sentido e significado às aprendizagens. Moreira e Candau (2007: 19) realçam que “qualquer que seja a concepção do currículo que adotamos, não parece haver dúvidas quanto à sua importância no processo educativo escolar”. Os mesmos autores acrescentam “que é por intermédio do currículo que “as coisas” acontecem na escola”. “O currículo é, em outras palavras, o coração da escola, o espaço central em que todos atuamos, o que nos torna, nos diferentes níveis do processo educacional, responsáveis por sua elaboração” (ibid.). E é exatamente aqui que entra (ou pelo menos devia entrar) o papel do professor como peça fundamental no processo curricular, o verdadeiro

construtor do currículo. O professor é, em abono da verdade, “um dos grandes artífices da

construção dos currículos que se materializam nas escolas e nas salas de aula ” (Moreira e Candau, 2007: 19). Tendo em conta a inegável pluralidade cultural do mundo em que

vivemos, os curricula devem ser concebidos de forma a tornar as pessoas capazes de compreender o papel que devem ter na mudança dos seus contextos imediatos e da sociedade em geral, bem como de ajudá-las a adquirir os conhecimentos e as capacidades necessárias para que essa mudança aconteça, especialmente em contextos de diversidade.

Na opinião de Souza (2012),

O currículo pensado para a diversidade deve ver o homem na sua singularidade de saberes, modos de vida, culturas, personalidades e meios de olhar o mundo. A escola não pode se omitir desse compromisso enquanto responsável por receber de modo acolhedor a diversidade em sua unidade.

(Souza, 2012: 4)

É na escola que tem lugar o verdadeiro cruzamento de culturas. Para isso os curricula devem ser construídos levando em consideração a diversidade dos seus alunos sejam eles de zonas urbanas ou rurais, negros ou brancos, ricos ou pobres, homens ou mulheres, de qualquer credo ou religião. O curriculum tem de espelhar a sociedade e a diversidade nela existente, salvaguardando os interesses formativos e educativos dos educandos e o seu acesso ao conhecimento, na base da igualdade. Razão porque a sua conceção não deve ser vista como tarefa burocrata exclusiva de gabinetes onde muitas vezes se desconhece a verdadeira realidade da sala de aula. Deve ser feita sim de forma pensada, articulada e participada, levando em devida conta os contributos dos verdadeiros responsáveis pela sua implementação, que são os agentes educativos, em vez de enviadas às escolas em forma de “menus pré-concebidos”, conforme contestado por alguns autores.

Moreira (2009: 5) afirma que “o currículo corresponde ao verdadeiro coração da

escola”, enquanto Chalita (2001: 163) afirma que “a alma de qualquer instituição de ensino é o Professor [...]”, e Canen (2001: 212) salienta a necessidade de mobilização

efetiva de “corações e mentes” para a questão da pluralidade cultural. Significa que a educação moderna precisa juntar mente, coração e alma se quiser, de facto, chegar à realidade dos seus alunos e levá-los a uma aprendizagem de sucesso num ambiente de pluralidade e diversidade.

Dito isto, resta relembrar que o multiculturalismo e a diversidade são aspetos incontornáveis da sociedade contemporânea. A existência de sociedades plurais traz

subjacente a problemática da educação intercultural. Para haver educação intercultural é necessário formar professores com competências específicas, sensibilidade e abertura para trabalhar em contextos multiculturais. A escola e a família são parceiras de grande valor nesse processo pois sem o seu apoio e engajamento os alicerces dessa estrutura ficam fragilizados. Os curricula , por sua vez, ocupam lugar de destaque no processo educativo , pois não se consegue ensinar conteúdos desgarrados da realidade dos educandos. Assim sendo, uma educação que se queira intercultural e inclusiva tem de saber conciliar todos esses fatores para que, mesmo não se resumindo o todo a simples soma das partes, possa ao menos ser uma amostra representativa e significativa de todas as partes envolvidas, onde a componente cultura tem de se fazer presente devido ao relevante papel que desempenha na aprendizagem de um indivíduo.