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Capítulo 5 – Educação, Motor do Desenvolvimento Social e Humano

5.2 Educação como motor de desenvolvimento social e humano

Talvez uma das expressões mais utilizadas nos tempos que correm seja o termo “desenvolvimento”. Fala-se muito em desenvolvimento, desenvolvimento social, desenvolvimento humano, desenvolvimento tecnológico, desenvolvimento científico, desenvolvimento económico, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento com/sem equidade. Para um estudioso, esse tipo de reflexão visa analisar a dinâmica de transformação de uma sociedade/nação, procurando descobrir pontos de convergência entre a necessidade da promoção do bem-estar social e humano das populações e as respetivas estratégias de produção de rendimento e sustentabilidade económica, de preferência em sintonia com os avanços registados na área da ciência e da tecnologia , sem descurar a problemática da preservação do ambiente que se tornou tema de referência obrigatória na pauta de discussão à qualquer nível de gestão, local, regional ou nacional.

Mas para o cidadão comum, para o profissional, para o homem de negócios, para o político, para o dirigente (seja a que nível for) os discursos/interesses e as prioridades nem sempre demonstram uma perspetiva convergente na forma de encarar a problemática do desenvolvimento social e humano. O cidadão comum estará mais preocupado com a sua situação social e o seu bem-estar pessoal e familiar (em termos de emprego, habitação, saúde, sustento, educação, acesso aos bens de primeira necessidade, segurança e tranquilidade); o profissional estará inquieto sobre as suas condições de trabalho, os materiais de que necessita para exercer da melhor forma a sua profissão, o salário que

aufere ao fim do mês (incerto ou insuficiente); o homem de negócios estará mais preocupado em descobrir novas oportunidades de negócio e investimento e a forma como fazer aumentar o seu capital e respetivo rendimento pessoal/familiar; o político estará provavelmente mais preocupado com estratégias e mecanismos que façam alargar a sua margem político-partidária junto do eleitorado, do que com as pessoas em si; o dirigente estará muitas vezes mais preocupado em manter a sua posição, poder, no seu local de trabalho, do que propriamente em ajudar a resolver os problemas sócio laborais dos seus colaboradores. Porém, o homem não vive sozinho. Vive em sociedade. E a sociedade tem necessidades e exigências que acompanham a dinâmica do tempo e das transformações que vão acontecendo a nível geral. Por outras palavras, desenvolvimento não pode ser dissociado do contexto social e global em que o indivíduo se encontra inserido.

É neste contexto que surge o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), criado em 1965 e com sede em Nova Iorque, com o mandato de promover o desenvolvimento humano e eliminar a pobreza no mundo, e que vem operando nos 166 países onde tem representação. O PNUD elege a pessoa humana como centro do desenvolvimento, trata da promoção das suas potencialidades e do seu bem-estar pessoal e social, em conformidade com o estipulado no Art.º 22 e seguintes da Declaração dos Direitos do Homem (1948). Daí o facto de ter desenvolvido dois importantes instrumentos que são utilizados como indicadores para avaliar o nível de desenvolvimento humano de cada país a nível mundial: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de

Pobreza Humana (IPH). No caso do IDH, as áreas de incidência para a avaliação desse

indicador de desenvolvimento são: saúde (medida pela esperança de vida à nascença);

educação (medida pela taxa de alfabetização de adultos e pela taxa de escolarização bruta

combinada do ensino primário, secundário e superior, bem como pelo nível de escolaridade obrigatória); nível de vida (medido pelo PIB per capita em dólares).6 Parte-se

do pressuposto de que “factores como a educação, a saúde e a fertilidade, entre outros, ao contribuírem para a melhoria do capital humano, são eles próprios pré-requisitos do crescimento económico” (Tolentino, 2007: 87).

Sendo a educação considerada um dos indicadores-chave do desenvolvimento humano à escala mundial, deter-nos-íamos por instantes neste ponto, para uma breve reflexão sobre

esse vetor enquanto eixo estratégico de desenvolvimento social e humano, partilhando da tese irrefutável de que a educação assumiu, efetivamente, formas, dimensões e funções inteiramente novas na sociedade contemporânea, conforme advogam Tolentino ( 2007 : 108) e outros estudiosos da modernidade.

Segundo a investigadora Cláudia Neves (2005: 53), as novas condições políticas, económicas, sociais, educativas e culturais que passaram a caracterizar o novo mundo “levaram as Nações Unidas a promover, durante a década de 90, uma série de cimeiras e encontros para debater e reflectir sobre as enormes transformações que as sociedades estão a ser alvo”. Esses encontros incidiram particularmente sobre questões fundamentais para o bem-estar da humanidade, tais como “a situação das mulheres, os direitos humanos, o desenvolvimento social, o ambiente, os direitos das crianças” (ibid.), o que levou à produção de vários relatórios por especialistas preocupados com o equacionamento dos novos problemas da humanidade.

O primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) conhecido foi produzido por dois economistas de países em desenvolvimento, Mahbub ul Haq, do Paquistão, e

Amartya Sen, do Bangladeche, e publicado pela primeira vez em 1990 (Tolentino, 2007 :

91). O objetivo dessa missão que lhes foi confiada pela ONU era definir os indicadores de medida do conceito de desenvolvimento e preparar um relatório anual que refletisse o estado do progresso humano. Segundo Tolentino (2007), o conceito de desenvolvimento humano proposto e aperfeiçoado por esses dois especialistas talvez tenha sido “a mais recente e a mais conseguida de todas as tentativas de conciliar a noção de desenvolvimento com as expectativas das sociedades contemporâneas”, por ter conseguido cruzar os três indicadores básicos de melhoria da vida humana – saúde,

educação e nível de vida (p. 92).

Uma das referidas cimeiras que tiveram lugar foi a Cimeira do Milénio, realizada em Nova Iorque no ano 2000, onde os Chefes de Estado presentes se comprometeram a juntar esforços para a construção de um mundo mais justo e equilibrado. Dessa cimeira sairia a chamada Declaração do Milénio (2000), explicitando os célebres Objetivos de

Desenvolvimento do Milénio (ODM), em número de oito, que deveriam ser atingidos por

ODM passaram a ser utilizados como quadro de referência para medir o progresso do desenvolvimento humano, a nível mundial, nesse espaço de tempo.

Embora tenham surgido novos paradigmas de desenvolvimento nos nossos dias, a educação continua a ser um fator de crucial importância, razão por que aparece apontada como o segundo dos objetivos do milénio a atingir (alcançar a educação primária universal até 2015), isto é, a segunda prior idade depois da erradicação da pobreza extrema e da fome. No entanto, o ano de 2015 chega ao fim e os objetivos do milénio estão ainda muito longe de serem atingidos. Conforme se pode constatar através dos próprios Relatórios de Desenvolvimento Humano do PNUD, a pobreza aumenta dia após dia; o fosso entre ricos e pobres se acentua cada vez mais; a fome grassa em muitas regiões do globo; a taxa de analfabetismo é ainda elevada; a mulher está longe de atingir um patamar de igualdade de género; a taxa de mortalidade infantil continua a ser preocupante; as pandemias se sucedem umas às outras; e a sustentabilidade ambiental não está garantida. Resumindo, as cifras à volta do analfabetismo mundial, da taxa de mortalidade infantil e de pessoas vivendo no ou abaixo do limiar da pobreza são ainda assustadoras e tornam pouco credíveis as expetativas de um mundo mais igual e mais solidário.7 Sem esquecer ainda

que liberdade continua a ser um conceito desconhecido para muitas pessoas à volta do mundo. Conforme poeticamente expresso por Cecília Meirelles (1901-1964), “Liberdade,

essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.8 Em pleno século XXI, ainda muitas pessoas continuam reféns de

alguém ou de algo: do poder político, do poder económico, do poder religioso, de tradições socioculturais, da família, etc., pelo que não são verdadeiramente donas das suas opções/decisões. Não são verdadeiramente livres.

Segundo o Nobel da Economia (1998), Amartya Sen (referido por Neves),

O desenvolvimento tem de ser mais referido à promoção da vida que construímos e às liberdades de que usufruímos. Alargar as liberdades que, com razão, valorizamos não só torna as nossas vidas mais cheias e desimpedidas como também nos permite sermos pessoas

7 Cf. os Relatórios de Desenvolvimento Humano do PNUD dos últimos anos.

8 Extraído do artigo “Liberdade: uma conquista do Homem” da autoria da psicóloga Dora Lúcia Alcântara,

inserida no Jornal Online Existencial, p. 1, disponível em http://www.existencialismo.org.br, consultado em 08-08-2007.

socialmente mais completas, dando expressão à nossa vontade e interagindo com – e influenciando – o mundo em que vivemos.

(in Neves, 2005: 56)

Esta tese vem reforçar a ideia de a educação dever ser encarada como o principal pilar de sustentação de uma sociedade e guardiã da salvaguarda da dignidade humana. Riqueza sem capital humano não gera desenvolvimento, na perspetiva de muitos. Desenvolvimento tem de ser baseado na valorização da pessoa humana, suas capacidades e faculdades cognitivas, comportamentais, culturais e afetivas, não apenas em fases diferentes da sua vida, mas de forma permanente, em contextos diversos e ao longo da vida. O novo paradigma educativo para o século XXI tem de forçosamente deixar de encarar a educação de forma fragmentada ou compartimentada, para passar a tratá-la como um todo, um processo contínuo, transversal e multidisciplinar, na formação do indivíduo. Tratando-se da educação formal, o ensino primário, o ensino secundário e o ensino superior são estádios de desenvolvimento que se sucedem pela ordem normal no processo de formação do indivíduo. Boaventura de Sousa Santos (2008: 56) afirma que “é necessário vincular a universidade à educação básica e secundária”, pois sem esses estádios não existe ensino superior.

Por isso, muitos autores e investigadores contemporâneos passaram a dedicar uma maior atenção ao ensino superior, aos objetivos de formação propostos pelas universidades e instituições de ensino superior, à qualidade do ensino aprendizagem que nelas se ministra, ao resultado daquilo que delas sai em termos de competências para a vida. Não para o mercado de trabalho, mas para a vida, pois a formação do indivíduo não pode estar restrita às necessidades imediatistas ou conjunturais da sociedade sob pena do seu prazo de validade se tornar muito mais curto. Como já se referiu, “o conhecimento envelhece” (Chalita, 2001), no sentido de se tornar desatualizado e/ou descontextualizado.

Pelas exigências da própria globalização, o ensino superior passa a ser cada vez mais um imperativo do século XXI. Nas propostas apresentadas por Boaventura de Sousa Santos para “Uma Universidade Nova no século XXI” (2008: 52), o autor defende que, no modelo de conceção da nova universidade, deve ser atribuído “às universidades uma participação activa na construção da coesão social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão e a degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural”.

Almeida Filho (2008: 119) refere que “a globalização também produz conflitos de valores culturais e ideológicos, especialmente nestes tempos da internet e da televisão por satélite”, pelo que o contributo da educação se torna cada vez mais de valor inestimável. À semelhança de Sousa Santos (2008), Almeida Filho (2008: 120) defende que “na sociedade do conhecimento, a Universidade adquire lugar de destaque para imaginar e realizar o presente e o futuro das nações”.

A proposta apresentada por Almeida Filho (2008) assume que,

A universidade renovada terá que avançar além do desenvolvimento moral [...], do desenvolvimento cultural [...] e do desenvolvimento económico [...], para alcançar o verdadeiro desenvolvimento social sustentável. Isto implica construir uma universidade renovada de fato como uma instituição profundamente comprometida na produção crítica do conhecimento com um elevado valor humano.

(Almeida Filho, 2008: 124)

Mia Couto, por sua vez, ao referir-se ao ensino superior (na sua oração de sapiência proferida em 2005) defende que,

A Universidade deve ser um centro de debate, uma fábrica de cidadania activa, uma forja de inquietações solidárias e de rebeldia construtiva. Não podemos treinar jovens profissionais de sucesso num oceano de miséria [intelectual]. A Universidade não pode aceitar ser reprodutor da injustiça e da desigualdade. Estamos lidando com jovens e com aquilo que deve ser um pensamento jovem, fértil e produtivo. Esse pensamento não se encomenda, não nasce sozinho. Nasce do debate, da pesquisa inovadora, da informação aberta e atenta ao que de melhor está surgindo em África e no mundo.

(Mia Couto, 2005: 11)

E o mesmo autor adianta que, na formação dos jovens, a principal preocupação deve ser: “mais do que uma geração tecnicamente capaz, nós necessitamos de uma geração capaz de questionar a técnica. Uma juventude capaz de repensar o país e o mundo. Mais do que gente preparada para dar respostas, necessitamos de capacidades para fazer perguntas” (ibid.). Ou seja, precisa-se de massa crítica para pensar o mundo, propor soluções credíveis e exequíveis e lutar por uma vida melhor.

Como já dissera Jean Piaget (1973), “o principal objectivo da educação é de criar pessoas com espírito crítico, capazes de fazer coisas novas, e não de repetir simplesmente o que as

outras gerações fizeram, muitas vezes promovendo a injustiça social”. Resumindo, sem educação não há desenvolvimento.