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Capítulo 3 – O Professor Intercultural como Mediador de Aprendizagem em Contextos

3.3 O Professor eficaz em contexto multi/intercultural

3.3.2 Características do Professor intercultural

Antes da pessoa do professor, existe um ser humano e um cidadão da sua comunidade e do mundo. Assim sendo, há que evidenciar a sua sensibilidade humana, desenvolver e cultivar o humanismo. Os alunos precisam também de se sentirem envolvidos para melhor poderem aprender (“envolve-me e eu aprenderei”). E à semelhança de outros estudiosos, Albino Almeida (referido por Cardoso, 2013: 354) afirma que, “mesmo na época das TIC, o professor é insubstituível e isto porque as tecnologias podem ensinar, mas nunca

educam. Só os professores poderão dar o necessário pensamento crítico ao aluno”.

Campos e Cunha reforça a mesma tese ao afirmar que , “o bom professor é aquele para quem ensinar é preparar para a vida. O bom professor é também, um humanista e não um tecnocrata. Este sentido humanista transmite, naturalmente, valores. Assim, em matéria de comportamento, sentido ético e moral não pode vacilar” (ibid., p. 356). Na mesma linha de pensamento surge Zabalza (2000: 45) que aconselha os professores a serem cautelosos nas suas atitudes e comportamentos porque para os alunos , “os professores são sempre “modelos”. Independentemente de pretenderem sê-lo ou não, convertem-se eles próprios num instrumento de persuasão cujo alcance é, inclusive, muito superior ao das palavras”. E Ramsey (1999: 141) alerta dizendo, “se o ensino for para si só um emprego, não é um verdadeiro professor e sim apenas um técnico. A diferença está na paixão!”. Isso significa que a componente humana deve estar acima de tudo se o objetivo for de facto uma aprendizagem de sucesso, sobretudo em se tratando de um professor intercultural que, para além de ser um exemplo de boas práticas, tem a tarefa de aglutinar sensibilidades, combater a discriminação e promover o diálogo em contextos de aprendizagem diversos, sejam eles formais, informais ou não-formais.

Alarcão (1994: 1) acredita que o professor intercultural tem de ser um profissional reflexivo. Segundo esta autora, “o conceito de professor reflexivo emergiu inicialmente nos EUA como reacção à concepção tecnocrata de professor, mero aplicador de packages curriculares pré-enlatadas numa perspectiva descendente de racionalidade técnica [...]”, o que relegou a profissão docente a um conjunto de competências técnicas pré-estabelecidas e controladas, “impondo uma separação entre o eu pessoal e o eu profissional e criando nos professores uma crise de identidade”. Mas se em meados do séc. XX esse figurino de professor se coadunava com o modelo pedagógico baseado na transmissão unilateral dos saberes por parte do professor e na simples reprodução dos conhecimentos por parte dos alunos, nos dias de hoje a realidade sociocultural exige dos professores novos requisitos.

A nova visão da educação não se compadece com o modelo de professor subserviente, sem voz, sem vontade própria, desprovido de qualquer autonomia, ou com aquilo a que Cardoso (2013: 58) apelida de professor “sobrevivente”, cuja principal preocupação é manter o emprego e o princ ipal objetivo cumprir os regulamentos. O professor reflexivo tem de refletir, tem de pensar pela própria cabeça, embora tenha de respeitar normas. Tem de refletir sobre o curriculum e a adequação e eficácia das estratégias pedagógicas

utilizadas. Tem de ser compreensivo, dinâmico, proactivo, criativo, dialogante, responsável, estar sempre atualizado e ter uma visão global do mundo e da vida. Tem de ser capaz de prevenir problemas, antecipar soluções e mediar conflitos. Tem de possuir os saberes necessários para educar e formar cidadãos para os valores, para a cidadania, para a justiça, a igualdade, para o respeito pelas diferenças. Resumindo, tem de ser um professor humano e saber cultivar o humanismo.

Em adição a tudo isso, convém não esquecer a importância da linguagem na comunicação intercultural. Conforme não poucas vezes referido na literatura versando esta problemática, dois dos aspetos-chave que estarão na base de uma educação intercultural de sucesso são o diálogo intercultural e a linguagem. A UNESCO considera que “uma cultura de paz se assenta no diálogo intercultural” (UNESCO, 2013: 9). É através do diálogo que se vai estabelecer interações entre pessoas de culturas diferentes, facilitar entendimentos, construir acordos, modelar interpretações de outras realidades, bem como prevenir, evitar ou resolver conflitos. O diálogo intercultural pode ser considerado a autoestrada de acesso às diferentes culturas evitando assim a incompreensão, o isolamento e a guetização. Portanto, o professor intercultural tem de saber dialogar, utilizando todos os códigos linguísticos à sua disposição, para que possa potenciar a sua capacidade de comunicação e de “mediador de aprendizagem” entre membros de grupos culturais diferentes.

Torna-se assim imperioso que o professor de hoje seja portador de uma postura de menos “obsessão” em relação ao cumprimento dos conteúdos programáticos previstos nos curricula, mas de maior preocupação para com a escolha dos conteúdos, da metodologia e da didática que melhor se adaptem às necessidades dos seus alunos e da sua aprendizagem. Quem está na área da educação tem a consciência de que embora os curricula sejam de abrangência nacional, os professores quase nunca trabalham em contextos de unicidade cultural. No caso de Cabo Verde, por exemplo, mesmo que não houvesse nenhum cidadão proveniente de um outro país, a própria situação de insularidade já faz do país um país multicultural, pois cada uma das nove ilhas habitadas tem as suas particularidades e especificidades culturais, consoante os povos que estiveram na origem do seu povoamento (pluralismo cultural intrínseco). Não sendo possível haver curricula diferentes baseados na diversidade cultural, o professor deve ter capacidade e flexibilidade suficientes para adequar o seu plano de aulas e a sua metodologia aos seus alunos, à

disciplina que leciona e à comunidade escolar onde trabalha, sem descurar os objetivos essenciais do programa e as políticas educativas nacionais. Mas para isso, é necessário formação.