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Capítulo 7 – Cabo Verde e as políticas educativas adotadas em dois períodos distintos da

7.2 Políticas educativas no Pós-independência

Logo após a independência, ocorrida a 5 de Julho de 1975, em que Cabo Verde passou de província ultramarina a Estado-Nação, tendo entrado para o mapa das Nações Unidas a 16 de Setembro de 1975, as primeiras medidas foram no sentido de imprimir as necessárias reformas, condizentes com o estatuto de país independente , em todos os setores da vida pública, administrativa e política do país. No setor da educação, esforços foram envidados de forma a introduzir a indispensável adequação do sistema de ensino à nova realidade político-social e administrativa do país.

A princípio, tratou-se de medidas um pouco avulsas , mas destinadas a emitir sinais de autossuficiência, empenho e determinação, tendo como objetivo estimular a confiança e o espirito de entrega daqueles a quem era atribuída a complexa tarefa de instruir e educar uma sociedade que iniciava uma nova largada rumo à construção de um novo futuro. Mas havia a consciência de que não se podia fazer um corte umbilical radical com a potência

colonizadora porque fatores determinantes e estruturantes como recursos financeiros, humanos, materiais e didáticos, por exemplo, impediam que assim acontecesse.

Documentos encontrados em arquivos escolares dão conta de algumas das ações mais prementes que tiveram que ser implementadas logo após a Independência Nacional, conforme sintetizado no quadro abaixo:

Quadro: 7.1

Medidas educativas adotadas logo após a independência.

Data/Período Medida Objetivo Local Patroc.

De 30 de set. a 17 de out. 1975

Primeiro Seminário Nacional para a reciclagem de todos os Professores do ensino primário e secundário, abarcando mais de quatro centenas de docentes caboverdianos. **

Atualização didático- pedagógica dos docentes; capacitação para os novos desafios num novo contexto político-social Liceu Ludgero Lima *, Mindelo UNESCO/ CIDAC 19 De 12 a 18 de abril de 1977

Encontro nacional dos Coordenadores de Disciplinas.

Definir estratégias comuns de atuação para todas as escolas do país. Liceu Ludgero Lima; Escola do Magistério Primário, Mindelo Estado de Cabo Verde De 21 de agosto a 3 de setembro de 1977 Encontro Nacional de Professores em cooperação com a Guiné-Bissau. Elaboração de um projeto para o Ensino Secundário e de um organigrama de cogestão para as escolas secundárias do país. Praia Estado de Cabo Verde De 3 a 7 de janeiro de 1981

Seminário dos Coordenadores de Disciplinas dos Liceus do país.

Revisão dos programas dos Curricula em vigor com o objetivo de os adaptar à realidade nacional. Liceu Domingos Ramos, Praia Estado de Cabo Verde

1984 Encontro dos Professores do

Liceu Ludgero Lima e do Liceu Domingos Ramos.

Discutir a hipótese de alteração do sistema de avaliação, especialmente no tocante a exames. Liceu Ludgero Lima, Mindelo Estado de Cabo Verde

Fonte: Elaborado a partir de informação encontrada nos Arquivos do Liceu Ludgero Lima, Mindelo. * Liceu Ludgero Lima, nome por que passou a chamar-se o Liceu Gil Eanes, a partir de abril de 1975. ** No ano letivo 1975/1976 as aulas tiveram início a 1 de dezembro de 1975 e terminaram a 28 de julho de 1976.

19 CIDAC, Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral, Associação criada em Maio de

1974, que nasceu da luta pela liberda de e pela justiça, realizada através da produção e distribuição de informaçã o clandestina contra a guerra colonial. A sua intervenção assenta num compromisso com um conjunto de valores, dos quais se de stacam: a solidarieda de, a justiça nas relações internacionais, o reconhecimento e a valorização das identidades e dos rec ursos locais, o papel específico da sociedade civil na procura e construção de soluções alternativas..., disponível em http://www.plataformaongd.pt/plataforma/associadas/socia.aspx?id=92.

Desde o ano letivo de 1974/75, logo após a queda do regime salazarista, que os conteúdos programáticos de maior conotação ideológica colonial começaram a ser substancialmente modificados, iniciando assim a fase de transição para a independência. No 3º Ciclo liceal, por exemplo, na disciplina de Português, a Literatura Portuguesa foi substituída pela Literatura Caboverdiana e outras literaturas africanas de expressão portuguesa; na disciplina de História, foi introduzida a História de Cabo Verde e da África em substituição da História Portuguesa; na disciplina de Filosofia passou-se a estudar o “Materialismo Dialéctico” de Marx e Engels; e a disciplina de Organização Política e Administrativa da Nação (Portuguesa) foi substituída pela disciplina de Introdução à Política, seguindo a mesma orientação político-filosófica adotada para o novo programa de filosofia. Outros conteúdos programáticos foram sendo modificados gradualmente, mas essas alterações estiveram sempre condicionadas à existência e a o conteúdo de manuais portugueses que continuavam a ser utilizados normalmente no país e cujos índices davam corpo aos programas curriculares caboverdianos.

No entanto, medidas pontuais não bastavam. Havia a necessidade de uma profunda reforma e reorganização do sistema político-administrativo que contemplasse uma reestruturação, planificação e sistematização dos serviços a todos os níveis, de acordo com a nova realidade, pensando o País de dentro para fora em vez de fora para dentro, isto é, a partir das especificidades e necessidades sentidas internamente e visando o desenvolvimento do Estado-Nação que acabava de emergir. No que dizia respeito ao sistema educativo, impunham-se reformas estruturantes profundas , tanto no plano macro como no plano micro, das políticas educativas nacionais. E essas medidas aparecem materializadas pela primeira vez, enquanto Diploma educativo de cariz jurídico-legal, em 1990, com a promulgação da Lei de Bases do Sistema Educativo Caboverdiano (LBSE), Lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro. Esse normativo veio lançar as bases para uma série de reformas profundas e estruturantes que deviam ser levadas a cabo na educação caboverdiana de forma organizada , estruturada e sistemática. No entanto, esse projeto só foi possível mediante financiamento bancário externo, pois o País não dispunha de condições financeiras para implementar um projeto de tamanha envergadura.

Nesse sentido, Arlindo Vieira afirma que,

Sob o signo do Banco Mundial (BM) e do Banco Africano para o Desenvolvimento (BAD), o processo educativo cabo-verdiano conhece uma nova fase, a partir dessa década. Esse período é marcado pela publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) – Lei nº103/III/90 de 29 de Dezembro, a primeira do país e, por conseguinte, o início das “grandes reformas” operadas na educação, sob o financiamento do BM e do BAD.

(Vieira, n.d., p.11)

Essa Lei nº103/III/90 foi posteriormente revista e atualizada surgindo assim a nova Lei de

Bases do Sistema Educativo, Lei nº 113/V/99, que veio introduzir alterações e adequações

de acordo com as grandes opções políticas desenhadas para o setor da educação. Estavam lançadas as bases para um processo de reforma no sistema educativo caboverdiano que deveria ser desenvolvido nos anos subsequentes.

Há que reconhecer, todavia, que em matéria de formação, passos significativos foram dados em Cabo Verde, ao longo das quatro décadas de independência, visando a capacitação de recursos humanos para o desenvolvimento do País. Logo após a independência Cabo Verde pôde contar com a colaboração internacional, nas mais diversas áreas, de países de todos os quadrantes, independentemente da sua matriz político-filosófica, tanto na oferta de bolsas de estudo como na receção de estudantes para formação. E a área da educação foi uma das mais contempladas precisamente por constituir a base do desenvolvimento de qualquer sociedade. Cabo Verde p ôde ainda contar com a colaboração de cooperantes in locu, enviados por diversos países, para ajudar a impulsionar, em particular, as áreas da administração escolar, supervisão pedagógica e sobretudo da lecionação.

Concomitantemente, passos foram sendo dados gradualmente no País, no sentido de se criar um corpo docente formado e capacitado para dar resposta às demandas dessa área, do pré-escolar ao ensino secundário, uma vez que o ensino superior ainda não se praticava em território nacional. Segundo Furtado (2008),

[...] desde o ano de 1979 se impulsionou uma nova dinâmica de formação de professores tendo em conta as necessidades de adoptar o país de quadros qualificados e particularmente contribuir para a qualificação do corpo docente do ensino básico e secundário, tendo sido criado um modelo de formação pós-secundário (Curso de Formação de Professores do Ensino

Básico Complementar, CFPEBC; e Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário, no âmbito do ensino superior curto, EFPES). O primeiro conferia aos diplomados a qualificação de professores do 3º nível sem lhes conferir grau académico e o segundo conferia-os grau de bacharelato e qualificação profissional de professores do 4º nível.

(Furtado, 2008: 27)

Assim, a primeira escola caboverdiana de formação de professores do ensino secundário (foco da nossa pesquisa) foi criada na Praia em 1979, a coberto do Decreto-Lei nº 70/79, de 28 de Julho, abrangendo dois níveis de formação – professores do ensino básico complementar (CFPEBC) e professores do ensino secundário (EFPES). Ainda de acordo com Furtado (2008: 28), “o sistema educativo conheceu uma nova organização com a reforma educativa dos anos noventa, passando a integrar o ensino superior e a articulação com a formação profissional estabelecida na Lei nº 103/III/90 de 29 de Dezembro, [...] incluindo ensino público e ensino particular”.

Todavia, e de acordo com o Decreto-Lei nº 54/95, a nova orgânica do Ministério da Educação e do Desporto (criando um órgão de implementação e consolidação do ensino superior e a instituição de um novo ano de escolaridade, o “Ano Propedêutico” , mais tarde apelidado de “Ano Zero”, e visando a preparação específica dos alunos para ingresso no ensino superior) impunha que a escola de formação de professores do ensino secundário fosse estruturada de forma diferente. Essa estruturação deveria ser feita de modo a corresponder, em condições de maior eficácia, aos objetivos fundamentais que lhe foram impostos para a formação de docentes para o ensino secundário (B.O. nº 33, I SÉRIE, de 2 de Outubro). Consequentemente, e à luz do novo cenário imposto pelas exigências do novo contexto educativo e formativo, a Escola de Formação de Professores do Ensino Secundário (EFPES) passou, a partir dessa data (1995), a ser designada por Instituto Superior de Educação (ISE). Esta novel instituição de ensino destinada à formação de professores do ensino secundário assentava-se numa nova estrutura organizativa e num novo modelo de gestão, em consonância com os objetivos da Reforma do Sistema Educativo em curso, com vista a criar as bases e correspondente legislação para a implementação do ensino superior em Cabo Verde. E essa Escola (ISE) foi responsável pela formação de um número significativo de docentes do ensino secundário caboverdiano, formação inicial, até ao aparecimento da Universidade Pública de Cabo Verde em 2006.