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A falsa independência financeira e orçamentária das agências reguladoras

No documento O poder normativo com ênfase na ANP (páginas 97-101)

3.3 As limitações decorrentes da subordinação ao orçamento geral

3.3.1 A falsa independência financeira e orçamentária das agências reguladoras

O aparecimento do Estado de Direito provocou-lhe diversas atribuições, foi quando o Estado se viu na necessidade de realizar descentralizações, repassando algumas de suas tarefas para entidades criadas com fins específicos, com o fito de melhor gerir a máquina pública, por instrumentos vinculados ao governo central, e que por desempenharem atividade com finalidade pública se submetem às regras da administração pública.

Várias entidades surgiram baseadas na classificação trazida pela CF/88 em seu art. 37, no qual as agências reguladoras se demonstram como autarquias, mas com a peculiaridade de gozarem de regime especial em virtude da estabilidade de seus dirigentes, detentores de mandato fixo, a fim de melhor desempenhar suas funções com maior independência, diferencial em relação às autarquias comuns.

Sobre o assunto observa Venancio Filho que

essa técnica ou processo de descentralização serviu, antes de tudo, ao propósito de evitar ou reduzir os empeços e os inconvenientes da excessiva burocratização, pelo descongestionamento da administração central. Atribui-se, então, personalidade autônoma a certos serviços públicos, dotando-os de autogoverno e orçamento próprio, destacado do orçamento geral, para que eles possam melhor atender às finalidades a que se destinam, gozando de maior liberdade de iniciativa, e de movimento, através de um sistema de organização, que se aproxime, tanto quanto possível, daquela que se adota nas empresas privadas. Assim se alivia a sobrecarga insuportável da administração centralizada, que o intervencionismo estatal, sem esse corretivo, transformaria num conjunto babilônico de repartições e órgãos, condenado fatalmente à ineficiência, ao desgaste e à paralisação progressiva da maquinaria – em cujas engrenagens se sufocaria toda a vida coletiva. 208

Teoricamente, as agências reguladoras além dos aspectos já mencionados, possuem como outras características, ausência de subordinação hierárquica, autonomia financeira e orçamentária, personalidade jurídica e patrimônio próprio.

208 VENANCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. Ed. Renovar, 1ª ed., Rio de Janeiro, 1968, p. 410

Nota-se que sobre a autonomia financeira e orçamentária, há condutas da administração central que impedem a concretude desta prerrogativa, comprometendo todas as outras, em razão da impossibilidade de realizar quaisquer fiscalizações ou efetivações de políticas públicas sem os recursos essenciais para tanto.

Há, porém, outras fontes de receitas no âmbito das agências, além dos repasses da União, tais como: cobrança de taxas de fiscalização; venda de materiais para fins de licitação; taxas de inscrição em concurso público; operações financeiras que porventura realizem; execução de dívida ativa; convênios, acordos ou contratos celebrados com outras entidades; doações, legados ou subvenções concedidas; venda ou aluguel de bens; retribuição por serviços prestados a terceiros e arrecadação de multas de fiscalização, mas que não dão conta

em face da demanda em seu exercício.209

Não obstante, nós possuímos dentre os dispositivos constitucionais, o art. 165, I da CF/88, trazendo o PPA (Plano Plurianual) que traça as diretrizes, os objetivos e as metas em relação à utilização do dinheiro público, por meio do planejamento, visando ao equilíbrio das contas públicas; o art. 165, II, como segunda etapa do planejamento, com a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), pois traça as metas e as prioridades que devem ser investidas com estes recursos, para cada exercício, orientando a LOA (Lei Orçamentária Anual), encaminhada ao Congresso Nacional todo ano até 31 de agosto, e ainda dispondo sobre execução orçamentária e metas fiscais. A LOA, com base no art. 165, III, estima receita e fixa os gastos, fixando orçamento fiscal, seguridade social, investimento, autorização para contratação de operações de crédito e emissão de títulos da dívida agrária.

Temos ainda a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), visando à transparência nos gastos, e a Lei de Finanças Públicas, definindo conceitos de Direito Financeiro, Lei nº 4320/1964.

Sabendo-se que o orçamento é uno, ou seja, é composto por todas as receitas e despesas de todos os entes da administração pública, o que a agência reguladora pode fazer é elaborar sua proposta orçamentária com planejamento estratégico, receitas previstas e despesas estimadas, enviando-a ao Ministério correlato, que a submeterá ao MPOG (Ministério de Planejamento Orçamento e Gestão), centralizador das propostas orçamentárias que encaminhará ao Congresso Nacional.

209 Disponível em http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/ie_ufrj_cvm/Leonardo_Jose_Mattos_Sultani.pdf. Acesso em 12/03/2013

Ocorre que, as propostas orçamentárias são devolvidas, via ofício, para que se adequem aos limites tracejados pela SPOA (Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração), vinculada à Secretaria Executiva do Ministério correlato, e caso não o façam ela própria a fará e a enviará ao MPOG, demonstrando uma nítida intervenção do governo central, ferindo a autonomia concedida à agência reguladora.

Como se não bastasse este absurdo, ainda são realizados contingenciamentos de forma constante, com base na LDO, que permite limitações orçamentárias excepcionalmente, tornando necessário o uso de créditos suplementares, e assim dependência da administração central.

As taxas de fiscalização encontram substrato no art. 145, II da CF/88 e art. 77 do CTN (Código Tributário Nacional), possuindo caráter vinculado, em razão da prestação estatal específica em favor do contribuinte, e retributivo em razão do custo/benefício. Neste sentido, seria inadmissível, o uso destes recursos por fins estranhos, pois caracterizaria desvio de finalidade, e afronta ao principio da proporcionalidade.

Alexandre Santos de Aragão comenta:

... (a) a taxa não estaria sendo o meio adequado para financiar a atividade de poder de polícia das agências reguladoras, já que não estaria sendo efetivamente utilizada com este escopo; e (b) estariam sendo cobrados, a título de taxa, valores excedentes ao custeio da atividade estatal que configura o fato gerador da taxa, vez que grande parte deles estariam sendo contingenciados para fazer superávit fiscal210

As receitas arrecadadas pelas agências ingressam os cofres públicos com a GRU (Guia de Recolhimento da União), que por meio do Banco do Brasil são direcionados ao Tesouro Nacional, gerando prejuízos sérios às entidades, como repasse tardio de verbas emergenciais, comprometendo atividades e a impossibilidade de aplicações financeiras, terminando estes valores sendo apropriados pela STN (Secretaria do Tesouro Nacional) para usá-lo como superávit fiscal, violando concretamente a autonomia financeira e orçamentária

das agências reguladoras.211

As receitas das autarquias provenientes de taxas de fiscalização, não obstante haver previsão de recebimento de receitas do Tesouro, tem sido contingenciadas conforme já

210 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Considerações sobre o Contingenciamento das Agências Reguladoras, in

Revista da Associação Brasileira de Agências Reguladoras. Porto Alegre: LUGAR, p. 11

211 Disponível em http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/ie_ufrj_cvm/Leonardo_Jose_Mattos_Sultani.pdf. Acesso em 12/03/2013

mencionado, gerando o cerceamento do desenvolvimento das atividades do ente regulador,

mas nada se faz para impedir.212

Suas despesas foram congeladas nos últimos anos, impedindo ao órgão cumprir os objetivos definidos no marco regulatório, em virtude da redução real das despesas de

investimento e custeio.213

As taxas de fiscalização vem servindo como substituição de impostos e para certificar a distorção do modelo tarifário os estados mais pobres estão pagando tarifas

maiores.214

Houve uma ADIN da Confederação Nacional dos Transportes em face dos contingenciamentos dos recursos da CIDE-Combustíveis, na qual o STF reconheceu a inconstitucionalidade de tal manobra, e assim acredita-se que o entendimento seja extensivo

às agencias reguladoras, como impedimento desta prática pela administração central.215

Em contrapartida ao caso brasileiro, vemos no sistema alemão, as instituições autônomas como genuinamente independentes. Todas possuem autonomia financeira, elaboram inclusive seu próprio orçamento, submetendo-o posteriormente ao Tribunal de Contas do Land correspondente, não podendo estar sujeitas a nenhum tipo de controle político.216

Há de outra banda, uma única exceção à independência financeira e orçamentária em suas agencias, que são as Universidades, por meio da qual intervém o Ministro da Fazenda e da Educação, em razão de receberem recursos por parte do governo federal, já que os valores por elas arrecadados não servem o bastante para o bom desempenho de sua

atividade.217

As Universidades se encaixam numa dupla classificação, como corporações e instituições simultaneamente, eis que possuem vinculação com direitos fundamentais – se atinentes às corporações - e profissional, econômica, social e cultura – se relacionadas às

212 CAMPOS, Giovanni Christian Nunes. Regulação do setor de energia elétrica no Brasil – Estrutura, agente regulador, distorções tarifárias e controle judicial. Revista Brasileira de Direito Administrativo Regulatório. N. 1,São Paulo: MD, 2010, p. 40/41

213 Idem

214 CAMPOS, Giovanni Christian Nunes. Regulação do setor de energia elétrica no Brasil – Estrutura, agente regulador, distorções tarifárias e controle judicial. Revista Brasileira de Direito Administrativo Regulatório. N. 1, São Paulo: MD, 2010, p. 49

215 Idem

216 MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades Independientes. Barcelona: Ariel, 2002, p. 175/176 217 Idem

instituições. Além disso, as corporações recebem recursos de quotas dos membros e as

instituições das taxas cobradas dos usuários, excepcionalmente recebem ajudas estatais.218

Com isto se percebe que diferentemente do que ocorre em todos os sistemas administrativos, o único que possui esta prerrogativa da independência de fato é o modelo alemão, e que os demais não passam de independências maquiadas, variando conforme o grau de esclarecimento quanto à liberação de verbas para priorizarem as políticas públicas tão essenciais para o atendimento das necessidades coletivas e à efetivação do exercício da democracia, com base num governo notadamente do povo e para o povo.

No documento O poder normativo com ênfase na ANP (páginas 97-101)