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Reserva de Densificação Normativa

No documento O poder normativo com ênfase na ANP (páginas 76-81)

2.7 Teorias sobre a Regulação

2.7.2 Teorias Administrativas

2.7.2.2 Reserva de Densificação Normativa

A Teoria da Essencialidade proveio do Direito Alemão, conhecida como

Wesentlichkeitstheorie e firmou-se ao exigir que restrições significativas a direitos

fundamentais exigiam fundamento legal, assim o legislador teria que determinar as leis e não transferir para a administração as diretrizes parlamentares. Neste sentido ao se restringir a seara de direitos de determinado grupo, teria que se atender ao Princípio da Reserva Legal, pois o poder executivo não é autônomo para a criação de direitos.

Nada obstante, as decisões de nossos tribunais tendem a rechaçar a tese de que seria possível o afastamento da incidência dos direitos fundamentais, do princípio da reserva legal em matéria sancionatória e do controle jurisdicional com fundamento num pretenso “poder especial” da Administração Pública. Na verdade, tem-se entendido que embora em alguns casos sejam admissíveis (i) restrições a direitos fundamentais, (ii) uma menor exigência quanto à densidade normativa da lei e (iii) uma incidência reduzida do controle jurisdicional, a intensidade das restrições ou minorações deve ser razoável e proporcional à luz do nosso sistema constitucional e face aos fatos concretos sob análise.160

Segundo Moncada161 esta teoria concilia o parlamento político e legislativo com

o eudemonismo do estado. Ela impede que os direitos fundamentais fiquem ao alvitre do legislador ou do executivo, e assim afirma haver um núcleo intangível, mas diante da violação, o judiciário deve ser acionado no controle de políticas públicas.

Reconhece, entretanto, que há determinadas zonas de atuação administrativa

impermeáveis ao Direito, manifestando-se por regulamentos administrativos,

Verwaltungsordnungen, mas estes são apenas atos internos e medidas de ordem interna, mesures d’ordre interieur, por isso há distinção entre a lei material e a lei formal, proveniente

de aprovação do parlamento, ainda que não houvesse qualquer conteúdo, a fim de se evitar o afastamento do principio da reserva legal para impor restrições ao direito fundamental.

Assim, limita-se o papel da regulação na medida em que sob a ótica da essencialidade ela não poderia efetuar a restrição de direitos tidos como nucleares em âmbito constitucional, mas apenas executar estes comandos provenientes do legislativo ao agir nos estritos deslindes da reserva legal à qual a administração pública deve se pautar.

2.7.2.2 Reserva de Densificação Normativa

160 WIMMER, Miriam. As relações de sujeição especial na administração pública. Rio de Janeiro: Doutrina brasileira, 2012, p. 12

A competência normativa destas autarquias especializadas deve ser limitada a um ato normativo, pois a lei que os cria é quem dita as regras, nas quais eles devem estar balizados. De acordo com Celso Antônio, a atividade administrativa é infralegal, sublegal cuja

competência é de editar apenas comandos complementares à lei.162

A normatização termina sendo alvo de extrema criticidade, frente à inobservância ao vinculativo Princípio da Legalidade sobre a Administração Pública. Em virtude disso, diversas ações diretas de inconstitucionalidade são interpostas, com o fito de declarar os atos reguladores agenciários como inconstitucionais, retirando seu fundamento de validade e, por consequência, seu caráter sancionatório.

O fato é que pela imprescindível autonomia direcionada a estas autarquias especiais, alguns mecanismos de controle se resumem engessados, como o recurso hierárquico impróprio e o controle de mérito, por conta da imersão em matéria específica de conhecimento direcionado unicamente aos seus gestores, afrontando sensivelmente o ideário democrático ao atingir o consumidor de forma imensurada.

Lucéia Martins advoga que: ”(...)O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis é marco fundamental para evitar os abusos legislativos e as arbitrariedades

administrativas.”163

Qual seria então o limite conveniente para impedir as arbitrariedades administrativas prolatadas pelas agências reguladoras?

Francisco Cavalcanti propõe a denominada reserva de densificação normativa como “a necessidade de o mesmo fundamento jurídico normativo possuir um grau de pormenorização suficiente para permitir antecipar adequadamente a actuação administrativa

em causa”164

Marcos Nóbrega demonstra a importância da Teoria da Law and Economics, na qual a regulação é uma reforma direcionada para o mercado, e a atuação das agências

162MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 10 ed, São Paulo:Malheiros, 1998, p. 58-59

163SOARES, Lucéia Martins. Poder Executivo e inconstitucionalidade de leis. Revista de Direito

Constitucional e Internacional, n. 39, ano 10, abril-junho de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 227

164CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. A reserva de densificação normativa da lei para preservação do princípio da legalidade. In: BRANDÃO, Cláudio. CAVALCANTI, Francisco e ADEODATO, João Maurício (Coordenadores). Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro:Forense, 2009

reguladoras são responsáveis pela crise da legalidade em decorrência da profusão de fontes

normativas,165denominada por Justen filho como engarrafamento normativo.166

Bonavides comenta a respeito da importância dos princípios na atualidade, ao afirmar que eles estão situados em primeiro plano, por isso cognominar o momento como de

Estado Principiológico.167

Edílson Nobre defende o respaldo axiológico quando afirma: “(...) os princípios são os alicerces sem os quais a ordem jurídica não subsistiria por falta de fundamento, porque

a lei, na solidão do seu texto frio e abstrato, não atrai o encanto que a justiça representa.”168

Gustavo Just supõe uma possível delegação de competência legislativa em favor da administração, quando questiona:

Cabe então indagar: seria constitucionalmente lícito ao legislador, diante do princípio da legalidade, empregar noções tão genéricas que em determinadas circunstâncias representasse uma transferência praticamente total da normatização de certa matéria em favor da Administração(uma espécie de delegação de fato da competência legislativa)?”169

E acrescenta:

Um modelo que cede a um policentrismo normativo que por sua vez é apenas um dos aspectos das vastas e totalmente incertas transformações por que passa o Estado como forma política. Como se sabe, o princípio da legalidade está associado na sua origem a um movimento totalmente inverso...170

Sendo assim, o Princípio da Legalidade não pode ser sublevado em virtude da morosidade parlamentar, posto que o Estado de Direito há de ser executado como tal, pautado na Lei em respeito aos pilares preambulares de nossa Carta Maior.

O neoconstitucionalismo vem marcado pela ampla atuação das agências reguladoras num complexo atual e polêmico, em virtude das mudanças globais em prol da eficiência.

165Disponível em: http:∕∕www.trf5.jus.br/noticias/960/professor_explica_crise_das_agaancias_reguladoras.html Acesso em 18∕11∕2010

166JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes, São Paulo: Dialética, 2002, p. 351

167BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional,12 ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 265

168NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Administração Pública, Legalidade e Pós-Positivismo. In: BRANDÃO, Cláudio. CAVALCANTI, Francisco e ADEODATO, João Maurício (Coordenadores). Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro:Forense, 2009

169JUST, Gustavo. O princípio da legalidade administrativa: o problema da interpretação e os ideais do direito público. In: BRANDÃO, Cláudio. CAVALCANTI, Francisco e ADEODATO, João Maurício (Coordenadores).

Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro:Forense, 2009, p. 245

Como esclarece Luís Roberto Barroso:

A ideia de constitucionalização do Direito está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional.171

Se por um lado a amplitude de competências e privilégios concedidos às agências as tornam mais autônomas, retiram-lhes em contrapartida a possibilidade de submissão ao controle finalístico, ao qual as demais entidades autárquicas estão submetidas, maculando o fim último de sua criação, intervir na economia como garante do interesse público.

Por isso a importância do controle sobre suas atividades, único mecanismo destinado a conferir legitimidade democrática aos seus dirigentes em virtude de assumirem o poder sem a conivência do cidadão eleitor.

A sociedade civil tem grande papel no controle de legalidade de atos normativos expedidos pelas agências, eis que o indivíduo de forma isolada não teria possibilidade de entender, por exemplo, uma revisão tarifária em razão da especificidade da matéria a requerer uma consultoria especializada.

171BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direitoconstitucional no Brasil. Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547.> Acesso em: 10 de novembro de 2010

CONCLUSÕES PARCIAIS

Partindo-se do princípio de que a administração pública deve agir unicamente pautada na lei, e que esta deve obedecer ao processo legislativo constitucional, estando as agências reguladoras inseridas no âmbito da administração indireta, deve como autarquia especial agir também nos estritos limites legais.

Não obstante, o principio da legalidade tem sido desrespeitado em razão dos demasiados atos normativos proferidos por entes autônomos, que utilizando-se do poder normativo de maneira abusiva, coopera com a elaboração de comandos complexos e contraditórios, transportando a solução da matéria para a esfera judicial, por meio dos mecanismos de controle.

Isto se dá, em razão da indevida adoção do modelo italiano de delegificazione, que corresponde à transposição de matérias da competência do Legislativo para o Executivo, ainda que não tenhamos respaldo constitucional para tanto, por conveniências políticas e econômicas disfarçadas de celeridade e proximidade com a coletividade.

É o que Celso Antônio Bandeira de Mello tem denominado como delegação disfarçada, eis que por meio do poder normativo assegurado aos entes reguladores, estes inovam na ordem jurídica, como se fosse autorizada esta delegação de papéis.

Por isso, Enterría demonstra ser inconcebível o uso da deslegalização em matérias reservadas unicamente à lei, não havendo qualquer possibilidade de tratamento por comando normativo inferior, pois infringiria frontalmente a Constituição, uma vez que se tratam de matérias de reserva legal absoluta.

Ainda assim, a regulação tem feito as vezes do legislador, configurando um real abuso de poder, desvirtuando o estado intervencionista brasileiro, que deveria se submeter a essencialidade dos comandos gerais e abstratos, a reserva de densificação normativa que antecipe de forma conteudística uma atuação à esfera administrativa de maneira clara, a fim de impedir ou minorar estas incongruências à ordem constitucional, seja por qual má influência for, pois ao final o Direito sempre prevalecerá.

3 Da aplicação da Teoria das Agências Reguladoras no Brasil e os problemas encontrados

No documento O poder normativo com ênfase na ANP (páginas 76-81)