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A Globalização e os Reflexos sobre o Mundo Jurídico

A DIALÉTICA DA GLOBALIZAÇÃO: UM PROCESSO DE MUDANÇAS

4 A CONCEPÇÃO NEOLIBERAL E OS EFEITOS NO MUNDO JURÍDICO

4.3 A Globalização e os Reflexos sobre o Mundo Jurídico

Nas últimas décadas, o patrimônio jurídico responsável pela construção e permanência do Estado Moderno tem sido insuficiente para tornar compreensível e conformar os fenômenos do tempo atual. Há um descompasso entre o fático e o normativo que se projetam para além da eventual defasagem convivencial das normas jurídicas107.

Atualmente, vive-se em meio a uma crise de valores, desencadeada pelo processo de globalização e pela integração supranacional, que repercutem sobre as categorias jurídico- políticas, criadas com o advento do Estado nacional. Os últimos acontecimentos políticos e econômicos verificados no panorama internacional vêm gerando certa preocupação entre os juristas, no sentido de compreender os principais efeitos da influência que a globalização exerce sobre os espaços jurídicos108.

Num mundo cada vez mais globalizado, onde a queda dos moldes tradicionais de produção e comercialização é acompanhada por profunda reversão na idéia geral de

105 NOVAES, Carlos Pinto de Novaes. Op. Cit. Disponível em: http://www.esaf.fazenda.gov.br/parcerias/ue/cedoc-

ue/leituras-complementares/a3-organismos-internacionais.html > Acesso em: 16 ago. 2007.

106 Ibidem.

107 ALMEIDA FILHO, Agassiz. Globalização e direito: a influência dos espaços políticos sobre a estrutura do ordenamento

jurídico. Revista Forense, vol. 1 – 1904. Publicação bimestral. Volume 388 – 2006 (novembro/dezembro). Rio de Janeiro: Forense – 2006, p. 429

manutenção e descontinuidade das referências axiológicas, os influxos dessa “pós- modernidade jurídico-política” não podem escapar à análise e à crítica do pensamento jurídico109.

Um dos aspectos menos observados nesse processo reside na progressiva redução dos espaços políticos. Dados os compromissos estatais assumidos perante contexturas de natureza econômica, firmados no âmbito público ou no seio das relações jurídicas de caráter privado, através da atuação direta do Estado ou de posturas normativas receptivas à integração, as oportunidades de que dispunha a vontade popular, para revelar preferências comportamentais, passaram a ceder ante o avanço das imposições político-econômicas da globalização. Ou seja, há uma prevalência da “vontade globalizada” sobre a vontade popular, cujos efeitos acabam por gerar deformações no ordenamento jurídico110.

Com a formação da UE surge um novo sistema jurídico composto por normas e atos advindos das instituições supranacionais européias, cuja função é criar regras iguais para todos os membros do bloco. Lá, esse Direito comunitário encarrega-se das regras comuns aos Estados que integram o bloco; possuem fontes próprias, emanadas dos tratados, das diretrizes, resoluções e decisões baixadas pelos órgãos comunitários, de natureza legislativa, administrativa e judicial, valendo-se de instrumentos hermenêuticos próprios, sem prescindir dos utilizados pelo Direito Interno e Internacional.111

Para Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 43), o consenso sobre o primado do Direito e do sistema judicial é um dos componentes essenciais da nova forma política do Estado e é também o que melhor procura vincular a globalização política à globalização econômica. José Eduardo Faria (1999, p. 9) ressalta que, não obstante a importância do Direito para a solução dos conflitos surgidos nos espaços sociais globalizados, identifica-se uma crescente dificuldade das ciências jurídicas e das ciências sociais, em escala ampla, de explicar e resolver adequadamente os problemas postos. E arremata assim:112

Neste cenário altamente cambiante, o direito positivo - tal qual em sido entendido convencionalmente, como o ordenamento jurídico do Estado-nação - passou a

109 ALMEIDA FILHO, Agassiz. Op. Cit., p. 429-430 110 ALMEIDA FILHO, Agassiz. Op. Cit., p. 430

111 VITAGLIANO, José Arnaldo; BIASI, Clóvis Guido de. Op.Cit. Disponível em: < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto

> . Acesso em: 10 dez. 2006.

enfrentar um dilema cruel: se permanecer preocupado com sua integridade lógica e com sua racionalidade formal, diante de todas essas mudanças profundas e intensas, corre o risco de não acompanhar a dinâmica dos fatos, de ser funcionalmente ineficaz e, por fim, de acabar sendo socialmente desprezado, ignorado, e (numa situação-limite) até mesmo considerado descartável; caso se deixe seduzir pela tentativa de controlar e disciplinar diretamente todos os setores de uma vida social econômica e política cada vez mais tensa, instável, imprevisível, heterogênea e complexa, substituindo a preocupação com sua unidade dogmática pela ênfase a uma eficiência instrumental, diretiva e regulatória, corre o risco de ver comprometida sua identidade sistêmica e, como consequência, de terminar sendo desfigurado como referência normativa. De que modo sair deste impasse? Por quanto tempo mais o direito positivo pode persistir nessa situação dilemática, uma vez que muitas das condições sociais, políticas, econômicas e culturais que lhe deram origem já desapareceram ou estão em fase de desaparecimento? (...)

Noutra passagem, Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 43) diz que a perspectiva de desenvolvimento caucionada pelo Consenso de Washington reclama um novo quadro legal que seja adequado à liberalização dos mercados. Num modelo assente nas privatizações, na iniciativa privada e na primazia dos mercados o princípio da ordem, da previsibilidade e da confiança deve vir do direito, e a responsabilidade central do Estado consiste em criar o quadro legal e dar condições de efetivo funcionamento às instituições jurídicas que tornarão possível o fluir rotineiro das infinitas interações entre cidadãos, os agentes econômicos e o próprio Estado.

A globalização desferiu um poderoso golpe na formação dos espaços jurídicos tradicionais. A crescente participação política no âmbito do Estado Social, territorialmente definido, conduziu a conquistas de direitos conhecidos com de segunda e terceira gerações. Ocorre que houve uma redução no espaço público de atuação política, na medida em que alargou a importância do mercado. As decisões políticas globalizadas, tomadas para além das fronteiras nacionais, enfraqueceram a participação política e modelaram várias formas de exclusão social: flexibilização e desregulamentação de direitos.113 Nesse panorama, o Direito, marco jurídico e regulatório, vem sendo moldado para fornecer instrumentos formais para consolidação e o desenvolvimento dos interesses do mercado transnacional (SANTOS, 2005, p. 43).

O processo de mudança global exige intervenções rápidas e efetivas. Quanto ao Direito administrativo, a globalização e o neoliberalismo têm alterado substancialmente o sentido de soberania e do próprio conceito de Estado, eis que a inadequação de molde

tradicional suscitou uma certa assimilação e adaptação ao modelo americano de agências nacionais reguladoras, como a Anatel – de Telecomunicações; a Aneel – de Energia Elétrica; além do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – órgão encarregado de apurar situações de abuso de poder econômico, enfim, o fiel cumprimento da Lei Antitruste (GODOY, 2004, p. 59-79).

Para Arnaldo Godoy (2004, p. 51 -57), as recentes transformações no Direito brasileiro identificam essa realidade. A globalização projeta-se em todos os campos da normatividade, assim como da apreensão da arena jurídica, ensaiando novos cânones hermenêuticos, tendo-se em vista a eficiência econômica e a certeza jurídica. O Direito internacional está a disciplinar uma nova ordem mundial. Emergem novos atores internacionais e o Estado-nação parece perder espaço. O Direito constitucional é o principal foco de ataques orquestrados pelas forças do capital mundializado, no que toca à alteração do modelo normativo interno.

As empresas transnacionais tentam tangenciar ou desconsiderar os sistemas de garantias de concorrência postas nos Direitos locais. O aparato legal que se constituiu em torno do Estado social, fortalecendo os princípios e regras constitucionais, tem sido perturbado por todo esse fenômeno, sob dois aspectos principais: seja sob forma de pressão para excluir ou diminuir o valor dos Direitos sociais, para obter facilidades do sistema legal de intervenção e do controle da ordem econômica, e evitar retaliações difusas ou diretas; seja lutando pela desconsideração do Direito nacional ou dedicar-lhe utilização restrita, apenas naquilo que convém.114

Enfim, a despeito dos prós e dos contras, a globalização promoveu a aproximação econômica entre os países. Isso levou ao acirramento da competição e mudanças no comportamento dos agentes de mercado na luta por vantagens competitivas nas novas janelas de consumo. De sorte que se faz útil tecer abordagem sobre livre concorrência e a proliferação de grupos comerciais fortalecidos e capazes de enfrentar a disputa pelo comércio internacional, nascidos mediante concentrações empresariais, passo seguinte desta pesquisa.

114LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito do estado federado ante a globalização econômica. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n.

CAPÍTULO II