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Aplicação da Legislação Concorrencial

A ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA E O DIREITO CONCORRENCIAL

3 O DIREITO CONCORRENCIAL

3.4 Aplicação da Legislação Concorrencial

Registra Fábio Nusdeo (2002, p. 341) que a cultura antitruste surgiu e se consolidou nos Estados Unidos. Lá, a Suprema Corte – a partir de três célebres decisões proferidas ainda no limiar da aplicação da Lei Antitruste - estabeleceu dois critérios para a avaliação dos casos que lhe eram submetidos:

a) as duas primeiras decisões, de 1911, onde a Standard Oil Co. e a American Tobacco foram considerados culpadas e ordenada a dissolução nos termos do Shermann Act. As sentenças condenatórias basearam-se no fato de os réus haverem restringido o jogo concorrencial do comércio, de forma desarrazoada. Estabeleceu-se, assim, a chamada Regra da Razão (rule of reason). A concentração e a envergadura dos empreendimentos não haviam sido condenadas em si, mas apenas por terem atingido limites excessivos e desarrazoados, ou seja, o poder econômico delas foi usado para causar ofensas ao bem-comum e para comprometer o desempenho dos respectivos setores industriais;

b) a terceira, de 1945, quando a Aluminium Company of América (ALCOA) foi condenada por manter monopólio na venda de alumínio refinado, cujo mercado era quase todo por ela controlado, verificou-se radical mudança. Passou-se, assim, da Regra da Razão para o princípio da per se condemnationem, ou seja, a condenação do monopólio em si, em virtude dos riscos a ele inerentes.

Ao longo do tempo, os dois critérios - o da condenação per se e o da Regra da Razão – consolidaram-se por via jurisprudencial, no sistema jurídico fundado na common law. Mesmo em países filiados ao sistema jurídico de direito codificado, o papel da jurisprudência tem sido fundamental, justamente pelas características peculiares da legislação antitruste. Assim, as decisões em casos importantes e a argumentação em que se apóiam tendem a acentuar a linha de orientação dos órgãos julgadores, mesmo em países de recente tradição concorrencial, como o Brasil (NUSDEO, 2002, p. 342).

Gradualmente, passa-se a atribuir à legislação antitruste outras finalidades mais específicas ou “políticas” como a de evitar o agigantamento de empresas, o que lhes daria parcelas de poder de monopólio ou poderia levá-las à oligopolização de mercados. Em alguns

julgados, contemplava-se a defesa ou promoção do grau de fracionamento do mercado, o chamado small business262. Essas posições foram reforçadas desde 1914, quando da edição do

Clayton Act e do Federal Trade Commission Act. O foco de ambas as leis eram evitar as práticas desleais ou destrutivas de mercado, que criavam dificuldades para certas empresas, impedindo-as de concorrer com as mais bem aparelhadas. Além disso, tais práticas podiam representar barreiras ao acesso de novos competidores, impedindo aquele mínimo de atomização do mercado como nutriente da livre competição263.

A despeito disso, Fábio Nusdeo (2002, p. 343) chama a atenção para o Caso Brown Shoe X United States, em que a Suprema Corte americana aprovou a fragmentação de unidades produtoras, mesmo com elevação de custos e a preços mais altos, e que se revelou paradigmática dessa linha de defesa dos small, locally owned business, entendendo que o Congresso ao aprovar o Ceiler Kefawver Act, de 1950, optou por favorecer a descentralização econômica: o Act alterou o Clayton Act, Seção VII, a fim de submeter ao escrutínio e à autorização pelas autoridades antitruste as fusões, incorporações ou aquisições de empresas.

A partir de meados da década de sessenta, surge uma reação contra a linha Harvard, a que se chamou de Escola de Chicago. Essa resistência apresentava como plataforma um outro paradigma analítico para o enfoque e a aplicação das leis de tutela concorrencial: a eficiência. Em síntese, sustentava dever a eficiência econômica — sobretudo produtiva — ombrear-se ou mesmo prevalecer sobre a concorrência como alvo da tutela legal. Assim, contrariamente ao decidido no caso Brown Shoe x United States, seria preferível haver uma queda na atomização do mercado, vale dizer, algum tipo de concentração (NUSDEO, 2002, p. 343).

Ao se associar a concorrência à eficiência, estava aberto o caminho para se rechear de conteúdo este último vocábulo. Isto parece evidente, pois enquanto o primeiro deles — a concorrência — apresenta um sentido unívoco, transmitindo diretamente o seu significado, podendo comportar apenas variações de grau: maior ou menor competição, em si a palavra eficiência pouco significa, carecendo de uma especificação de caráter finalista264.

262 NUSDEO, Fábio. Op. Cit., p. 342. 263 Ibidem, p. 343

No campo concorrencial essa área conflituosa fica nítida. Para a Escola de Chicago, a concorrência a ser objeto de tutela seria a concorrência eficiente, o que, por óbvio, trai um objetivo de política econômica. Como também assinalado, para países como Japão, Alemanha, Itália os chamados tigres asiáticos e outros, a eficiência manifesta-se pela conquista de mercados externos.

No Brasil, a preocupação com os aspectos da garantia da liberdade e da lealdade da concorrência sempre se fez presente265. Ainda na fase dos governos militares é editada a Lei n° 4.137/62 – a primeira Lei Antitruste nacional, influenciada pela experiência americana266.

O processo de concentração chegou a merecer estímulos governamentais, consubstanciados no Decreto-Lei n° 1.182/71, que criou a Comissão de Fusões e Incorporações de Empresas (COFIE) para coordenar o processo (NUSDEO, 2002, p.344).

De tal maneira difundiu-se o conceito de que a concorrência deve ser cotejada com algum tipo de eficiência, que a legislação antitruste brasileira - Lei n° 8.884, de 1994 - acolheu a expressão. Tanto que, no art. 54, ao tratar do exame de atos de concentração, admite a aprovação, desde que destinados a produzir a eficiência e o desenvolvimento econômico ou tecnológico (§ 1º, I,”c”). A rigor, todas as alíneas do referido inciso configuram casos de eficiência.

Fábio Nusdeo (2002, p. 345) salienta que as transformações e as vicissitudes vividas pelo pensamento antitruste nos Estados Unidos, sem dúvida, acabaram por repercutir em outros centros em que se tem cultivado aquele mesmo pensamento e, particularmente, nos órgãos aplicadores das respectivas legislações. Na aplicação do Direito da concorrência, considerações políticas e econômicas, além da visão jurídica, irão combinar-se em proporções variáveis no exame de cada caso, mesmo porque dificilmente haverá casos iguais.

Em trabalho onde focaliza as diferentes índoles da legislação e da jurisprudência antitruste em diversos contextos históricos, políticos e econômicos, Ana Maria de Oliveira Nusdeo267 define como sentido básico do Direito americano, o do pioneirismo e da

265 SALOMÃO FILHO, Op. Cit., p. 71.

266 Agamenon Magalhães, autor do projeto da Lei nº 4.137/62, referiu-se assim: “O projeto nº 122, que apresentamos em 15

de abril de 1948 na Câmara dos Deputados, adota as diretrizes da legislação dos Estados Unidos com as modificações impostas pelas nossas condições econômicas e políticas.”, in C. Salomão Filho, Direito concorrencial, 2002, p. 72.

sofisticação em todos os sentidos; do Direito comunitário europeu, o da instrumentalização da concorrência para fins da plena integração econômica; do Direito japonês, o da sua subordinação ao fim último do desenvolvimento econômico e empresarial; do Direito sul- coreano, o da concorrência como veículo para promoção da desconcentração empresarial, familiar e grupal (NUSDEO, 2002, p. 345).