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As Condutas e o Controle das Concentrações

A ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA E O DIREITO CONCORRENCIAL

3 DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA

3.1 As Condutas e o Controle das Concentrações

Em 1890, o Congresso americano editou a Lei Sherman, a primeira legislação antitruste dos Estados Unidos. Com ela, estabeleceu-se uma distinção entre os atos tendentes a impedir ou falsear o comércio e a monopolização. Entretanto, as previsões de atos anticoncorrenciais eram vagas, causavam insegurança aos agentes econômicos e não dispunham de regras disciplinando o processo de concentração empresarial. A correção desses pontos só ocorreu com a promulgação do Clayton Act 304, em 1914, que veio a ocupar-se com a definição de práticas comerciais consideradas desleais ou prejudiciais ao mercado; bem como com a criação da Federal Trade Comission, órgão encarregado de controlar e aprovar as concentrações de empresas, visando à preservação da concorrência (FORGIONI, 1998, p.67- 75). Com isso, definem-se as duas grandes vertentes da legislação, pioneiramente, nos Estados Unidos: as condutas e as concentrações. (NUSDEO, 2002, p. 346).

302CONSIDERA, Cláudio Monteiro. A Defesa da Concorrência no Brasil. Revista FAEBUSINESS, n.4, dez. 2002.

Disponível em: www.fae.edu/.../pdf/revista_fae_business/

n4_dezembro_2002/economia2_a_defesa_da_concorrencia_no_brasil.pdf > Acesso em: 3 set. 2007.

303 Ibidem.

304O Clayton Act exemplifica e condena algumas práticas restritivas da concorrência, mas afirmando somente serem

consideradas ilícitas se restringirem a concorrência de forma não razoável - ilícito per se - ou se tenderem para a criação de monopólio (lessened competition or tended to create a monopoly).

Só em 1976 é que se estabelecerá um sistema próprio para o controle dos Atos de Concentração com a promulgação do Hart-Scott-Rodino Act, oqual emendava o Clayton Act , com vistas a proibir compras e vendas de pacotes acionários entre empresas, bem como a aquisição de outros ativos, quando as operações acarretassem uma diminuição da concorrência ou levassem a um processo de monopolização. Por esse Act, tais operações deveriam ser submetidas ao escrutínio da FTC. Contudo, no sistema americano esse órgão não tem poder de veto ou proibição, cabendo-lhe, se contrário a elas, impugná-las perante o Judiciário (NUSDEO, 2002, p. 346).

Com adaptações e temperamentos próprios a cada sistema, o controle dos atos de concentração passou a se incorporar aos diversos arsenais de medidas antitruste em vários países. Assim, no Direito comunitário europeu, a decisão da Corte de Justiça da Comunidade, no caso Continental Can, fixou o entendimento de ser cabível o exame das concentrações empresariais com base no art.86 do Tratado de Roma. O célebre Regulamento n° 4.064/89, expedido pelo Conselho da Comunidade Econômica Européia, formalizou oficialmente o processo de controle desses atos de concentração (NUSDEO, 2002, p. 346).

Fábio Nusdeo (2002, p.346) registra que movimentos semelhantes ocorreram na Alemanha, na Inglaterra. No Japão, a política antitruste é atribuição do Ministério da Indústria e do Comércio Internacional, mas, existe uma Comissão de Livre Comércio encarregada de examinar os casos de concentração o que, porém, não exclui uma revisão judicial, raramente invocada. A partir de dois casos que marcaram época, em 1968, o caso Yamata Fuji - sobre a fusão de duas siderúrgicas - e o caso Oji, Honshu e Jujo , referente à fusão de três fabricantes de papel, o controle antitruste japonês passou a ser criticado e, alguns anos mais tarde a Comissão teve os poderes ampliados, levando-a a se manifestar nas concentrações.

Em cada país, além de os diferentes órgãos de controle antitruste passarem a desempenhar, com crescente empenho, as funções de análise e autorização de atos de concentração, isso também passou a ocorrer por via legislativa ou jurisprudêncial. Noutras palavras, o controle de concentrações generalizou-se e, ao mesmo tempo, ganhou caráter de mais tecnicismo e acuracidade (NUSDEO, 2002, p. 347). No Brasil, o primeiro texto normativo que tratou da questão concorrencial sistematicamente foi a Lei Malaia, mediante o Decreto-Lei n. 7.666, de 22 de junho de 1945 (AGUILLAR, 2006, p. 231).

3.1.1 Organizações Internacionais Afins com a Defesa da Concorrência

As principais organizações internacionais que tratam da defesa da concorrência são a União Européia (UE), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). A UE aparece sempre como referência, configurando-se, sem dúvida, como o espaço público transnacional mais intenso. Brasil e Argentina têm participado de fóruns de defesa da concorrência da OCDE. Entretanto, para os países em desenvolvimento, em geral, e para os do Cone-Sul do continente americano, em particular, as primeiras referências sobre concorrência ligam-se à ONU305.

No que se refere à política de concorrência, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) tem inserido essa temática na sua discussão sobre desenvolvimento econômico. Inclusive, ela possui o Grupo Intergovernamental de Peritos em defesa da concorrência, do qual o Brasil faz parte. Entretanto, parece preocupada com a defesa da concorrência, mas em sua relação com o desenvolvimento econômico, não necessariamente com a promoção da cooperação entre autoridades antitruste306.

Na implementação da cooperação internacional, a iniciativa intergovernamental mais efetiva é da OCDE, que congrega ambiciosos esforços de cooperação e atuação multilateral na defesa da concorrência e na proteção do consumidor. O Brasil participa do Comitê de Concorrência, como membro observador, e da Rede Internacional de Concorrência. A Organização pode ser considerada como a mais promissora organização internacional para sistematizar a cooperação voluntária e efetiva entre as autoridades reguladoras nacionais de defesa da concorrência e do consumidor dos países membros ou observadores e induzir a convergência de seus sistemas nacionais307.

305PEREIRA, Alexandre Carneiro. A relação entre livre comércio, defesa concorrência e proteção dos consumidores na

economia política do Mercosul. Dissertação Mestrado Relações Internacionais –UnB, 2006. Disponível em:

http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/processaPesquisa.php?listaDetalhes%5B%5D=422&processar=Processar > Acesso em: 21 set. 2007.

306Ibidem. 307Ibidem.

3.1.2 A Defesa e Regulação da Concorrência no MERCOSUL

João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos (2004, p. 511), ao tratarem da intensificação da concorrência na União Européia e de suas vantagens para os consumidores, afirmam:

A participação, num amplo mercado aberto, de empresas que actuam em franca competição com os produtores de outros Estados, produz o mesmo efeito positivo a que a integração dá lugar ao nível das próprias economias nacionais: as empresas são forçadas a redimensionar-se, a reestruturar-se internamente, a aperfeiçoar seus métodos de gestão, a aumentar a produtividade, a reduzir os custos, a melhorar a qualidade dos produtos, a baixar os preços, a incentivar a expansão do consumo e a conseqüente melhoria do nível de vida. [...] Os consumidores, dispondo de livre acesso aos produtos oferecidos num amplo mercado transnacional disciplinado por adequadas regras de concorrência, terão possibilidade de adquirir produtos de melhor qualidade decorrente do progresso tecnológico e de preços mais baixos resultantes da redução dos custos de produção.

De acordo com o artigo 1° do Tratado de Assunção, de 1991, o Mercado Comum implica, entre outros: "A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais [...] a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados partes"308. O MERCOSUL aborda, de forma genérica, a questão da concorrência. Nesse sentido, Campello (2001, P. 312) alerta que o Tratado de Assunção não previu normas específicas de defesa da concorrência nos moldes do Tratado de Roma. Este, ao instituir a Comunidade Econômica Européia em 1957, já consagrava o princípio da livre concorrência.

No processo de evolução do tratamento da defesa da concorrência no Cone-Sul tem destaque especial o Protocolo de Defesa da Concorrência309, também conhecido como Protocolo de Fortaleza por ter sido firmado naquela cidade, em 1996, durante a XI Reunião do Conselho do Mercado Comum, e tem por fim garantir condições eqüitativas de concorrência e o livre acesso ao mercado no âmbito do bloco.

308Ver MERCOSUL. Tratado de Assunção.

309 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul. Disponível em:

Deve-se esclarecer que o Paraguai e o Uruguai não possuem instituições normas ou órgãos de defesa da concorrência em funcionamento efetivo. Trata-se de realidade que restringe qualquer possibilidade de avanço de seu tratamento no âmbito do Mercosul. Por outro lado, Brasil e Argentina buscam aprofundar a cooperação bilateral na matéria.

Na Argentina, a defesa da concorrência encontra-se em estágio semelhante ao do Brasil, exceto no que se refere à menor autonomia decisória do órgão antitruste. Tavares de Araújo Jr. (2001, p. 145-160) aponta como as principais limitações da política de concorrência, a ausência de enquadramento legal para os atos de concentração e a falta de autonomia decisória do órgão antitruste. Com a Lei argentina nº 25.156, de 1999, passou-se a regular os atos de concentração, inseriu-se a extraterritorialidade no âmbito de aplicação da lei e estabeleceu-se o Tribunal de Defesa da Concorrência. Todavia, esse Tribunal independente, ainda não entrou em funcionamento.

3.1.3 O Controle da Concorrência no Brasil

Em relação ao Brasil, Marcelo de Lima e Souza310 sumariza a evolução histórica da intervenção do Estado brasileiro na defesa da concorrência, como segue:

No Brasil, a defesa da concorrência teve, tradicionalmente, um sentido oposto ao norte-americano. Enquanto na América do Norte sua existência esteve sempre ligada à liberdade empresarial, em território nacional associa-se seu conceito à defesa da economia popular e, muitas vezes, de forma antagônica à livre iniciativa. Se, por um lado, a tônica sempre foi a defesa do consumidor, por outro lado, via de regra, sempre se acreditou que essa defesa deveria ser feita por meio da intervenção estatal ativa, métodos opostos aos defendidos pelo escola de Chicago, para alcançar, argumenta-se, o mesmo fim. Somente a partir da Lei n. 8.884/94 é que se pode verificar uma mudança no direcionamento da defesa da concorrência no Brasil, razão pela qual alguns autores identificam essa lei como o início do moderno direito antitruste no Brasil.

Forgioni (2005, p. 282) explica que o antitruste brasileiro orienta-se pela repressão ao abuso do poder econômico; nos Estados Unidos, é pela tutela da livre concorrência. Marcelo Souza (2003, p. 44, 48, e 49) conclui que o modelo norte-americano é a principal inspiração para o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

310 SOUZA, Marcelo de Lima e. Aspectos institucionais da política de defesa da concorrência no Brasil e no

Num recorte no raciocínio, Fábio Nusdeo (2002, p. 347), chama a atenção para fatores ou situações que isentam de análise os atos de concentração. Nesse caso acham-se negócios fomentados pelo Estado com vistas a enquadrá-los em dada política industrial, como iniciativas de agregação ou cooperação empresarial no campo da pesquisa e do desenvolvimento; do estímulo a pequenas empresas, e recentemente, do estímulo a maior competitividade nos mercados internacionais, da expansão ou manutenção do nível de emprego. Tudo isso, no Direito brasileiro, encontra-se de alguma forma coberto nos parágrafos do art. 54 da Lei Antitruste (NUSDEO, 2002, p. 347).

A Lei Antitruste trata as questões concorrenciais em dois planos fundamentais: o do controle da concentração empresarial, que é estrutural, e o do controle das condutas anticoncorrenciais. Os órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e zelam pela competitividade do mercado e desenvolveram uma terceira atividade, denominada Advocacia da Concorrência, procurando difundir a cultura da competição (AGUILLAR, 2006, p.231).

A defesa da concorrência no Brasil possui alto nível de internacionalização, mantendo- se constantemente atualizada sobre as transformações pelas quais o tema tem passado na agenda internacional. A legislação de defesa da concorrência permite a adequada promoção da concorrência - com limitada intervenção no mercado -, pois não adota a regra da infração per se, mas sim a Regra da Razão. Destaca-se o Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC), como uma das únicas entidades privadas voltadas para as relações de concorrência no Brasil311.