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1 ESTADO E MERCADO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

A ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA E O DIREITO CONCORRENCIAL

1 ESTADO E MERCADO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

A livre concorrência, como toda liberdade, não é irrestrita. Seu exercício encontra limites nos preceitos legais e, ultrapassados esses limites, surge a concorrência desleal.

A nossa atual Constituição Federal determina, no artigo 173, parágrafo 4º, que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação de mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros”, dando respaldo à atuação preventiva e repressiva do Estado contra tais práticas.

Além da punição criminal, a legislação antitruste brasileira também definiu o que se entende por infração à ordem econômica e sua punibilidade. Segundo a Lei Antitruste, constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto produzir os seguintes efeitos, ainda que não alcançados: limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.

1.1 Papel do Estado na Preservação da Ordem Econômica

Alguns autores sustentam que globalização existe desde que o capitalismo passou a ser o modo de produção dominante na economia ocidental. A vocação dele é conquistar mercados. Outros dizem que as políticas colonialistas a partir do séc. XV são formas evidentes de globalização, em que os países centrais lutavam por novos mercados e centros de produção deslocados da metrópole. Portanto, é de remotas eras a determinação do mercado a ser explorada pelos produtores de bens e serviços extrapola os limites nacionais. As

diferenças estão na forma de ocupação dos mercados, exigindo rearranjo de forças, e na intensidade da circulação de riquezas mundo à fora e na amplidão dos novos espaços a serem explorados pelas empresas (AGUILLAR, 2006, p. 54).

A globalização é um dos frutos da liberalização dos mercados nacionais, mediante a flexibilização de barreiras alfandegárias. Cumpre lembrar que as idéias liberais ficaram enfraquecidas por volta da década de 30 (séc. XX) e o que se seguiu foram décadas de intervencionismo estatal, com políticas de seguridade social, proteção contra o desemprego, subsídios a empresas, o chamado Welfare State. Mas, já na década de 80, esse modelo dava mostras de exaustão. O período foi marcado pelas forças políticas de privatização da era Thatcher e pela reaganomics norte-americana. Nesse contexto, ressurgiram as teorias liberais na economia – o neoliberalismo -, defendendo que o Estado deixasse de ser empresário (AGUILLAR, 2006, p. 55-56).

O GATT teve como missão reduzir ou eliminar as restrições ao comércio internacional. A idéia só ganhou impulso com as políticas liberais e o órgão encarregado de operacionalizar esse processo foi a Organização Mundial de Comércio (OMC), a partir de 1995. Por sua vez, a liberalização do comércio entre os países significou uma maior pressão para a internacionalização das empresas, que tiveram que adaptar estratégias de produção e distribuição, tornarem-se competitivas e passarem a vender para o mundo e não apenas para uma região. Como conseqüência, grandes fusões realizaram-se pela disputa de mercados em escala global. Antigos concorrentes tornaram-se aliados em poderosos conglomerados. As empresas deixaram de ser multinacionais para adquirirem a condição de transnacionais (AGUILLAR, 2006, p.56).

A liberalização é uma exigência do capitalismo internacional contemporâneo. Os controles tradicionais que o Estado exercia sobre a economia foram substituídos por controles via concorrencial. Com a privatização de empresas públicas e o fortalecimento da iniciativa privada na geração e distribuição de riqueza, os empresários adquirem importância política e, em se tratando de empreendimentos transnacionais, a tarefas Estatal de exercer qualquer espécie de fiscalização torna-se difícil (AGUILLAR, 2006, p. 61).

Entretanto, cabe ao Estado fiscalizar se a iniciativa privada atende regularmente os princípios de funcionamento da ordem econômica. No desempenho dessa competência, deverá editar normas coibindo abusos contra o consumidor, prevenindo danos à natureza ou sancionando condutas anticoncorrenciais, pautando-se no quadro da Constituição (BARROSO, 2002). Ferraz Jr.274, em estudo sobre o tema, assim sintetizou o papel do Estado na preservação e promoção dos princípios de funcionamento da ordem econômica:

Em conseqüência, deve-se dizer, portanto, que o sentido do papel do Estado como agente normativo e regulador está delimitado, negativamente, pela livre iniciativa, que não pode ser suprimida. O Estado, ao agir, tem o dever de omitir a sua supressão. Positivamente, os limites das funções de fiscalização, estímulo e planejamento estão nos princípios da ordem, que são a sua condição de possibilidade. O primeiro deles é a soberania nacional. Nada fora do pacto constituinte. Nenhuma vontade pode se impor de fora do pacto constitucional, nem mesmo em nome de alguma racionalidade da eficiência, externa e tirânica. O segundo é a propriedade privada, condição inerente à livre iniciativa. O terceiro é a função social da propriedade, que tem a ver com a valorização do trabalho humano e confere o conteúdo positivo da liberdade de iniciativa. O quarto é a livre concorrência: a livre iniciativa é para todos, sem exclusões e discriminações. O quinto é a defesa do consumidor, devendo-se velar para que a produção esteja a serviço do consumo, e não este a serviço daquela.

Não deve o Estado permitir a deterioração da livre iniciativa nem que se desvalorize o trabalho humano. Fiscalizar, estimular, planejar, são funções a serviço dos fundamentos da ordem, conforme seus princípios. Ao mesmo tempo, é dever do Estado, como agente da ordem econômica, criar mecanismos de incentivo que estimulem a iniciativa privada a auxiliar na consecução desses mesmos fins. Nessa linha de raciocínio, é próprio do papel do Estado procurar influir legitimamente nas condutas dos agentes econômicos, através de mecanismos de fomento275 - incentivos fiscais, financiamentos públicos, redução da alíquota de impostos -, sem que possa, todavia, obrigar a iniciativa privada à adesão.

1.2 Papel da Iniciativa Privada

De acordo com o sistema constitucional os particulares são os principais atores da ordem econômica brasileira. Eles têm direito subjetivo à livre concorrência e à busca do lucro, e o dever jurídico de observarem os princípios de funcionamento da atividade econômica

274FERRAZ Jr., Tércio Sampaio.Congelamento de preços - tabelamentos oficiais (parecer), in Revista de Direito Público n.

91, 1989, p. 77/78.

(BARROSO, 2002). O significado dessa preeminência da livre iniciativa foi captado e enfatizado por Ferraz Jr. (1989, p. 77), nos seguintes termos:

Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do homem na conformação da atividade econômica, aceitando sua intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem aberta ao fracasso a uma 'estabilidade' supostamente certa e eficiente. Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem está centrada na atividade das pessoas e dos grupos e não na atividade do Estado. Isto não significa, porém, uma ordem do Laissez faire, posto que a livre iniciativa se conjuga com a valorização do trabalho humano.

Entende Luís Roberto Barroso (2002) que a empresa há de ter compromisso social com os parceiros com os quais interage e com a sociedade como um todo, como empregados, fornecedores e consumidores276. Ademais, há a responsabilidade social mais geral, consistente na contribuição tributária regular - cujos recursos sustentam a própria existência do Estado e permitem a prestação dos serviços públicos, a entrega de utilidades sociais e as políticas públicas voltadas à realização dos fins estatais.