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2 DA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ANTICOMPETITIVAS: OS

2.2 OS CARTÉIS INTERNACIONAIS

2.2.6 A intensificação na repressão aos cartéis internacionais

Embora os cartéis internacionais já fossem considerados ilegais há décadas em inúmeras jurisdições, é apenas a partir dos anos 1990 que se constata uma efetiva ação contra tais conluios128. Inicia-se aí uma nova era no enforcement antitruste em todo o mundo, constatando- se um aumento exponencial da persecução de cartéis internacionais não apenas nos Estados Unidos e na União Europeia, mas igualmente em vários outros países sem grande tradição antitruste, inclusive na Ásia, na África e na América Latina129.

Assim, ao longo dos últimos vinte anos, vários casos de cartéis internacionais foram descobertos e reprimidos em inúmeras jurisdições130. Entre 1990 e 2013, por exemplo, houve 717 condenações, as multas impostas totalizando 123 bilhões de dólares. Dentre tais casos, estão os cartéis de lisinas, de vitaminas, de ácido cítrico, de eletrodos de grafite, de ácido monocloroacético e de sorbatos131.

Essa transformação na atuação das autoridades antitruste no combate aos cartéis internacionais decorreu do incremento dos recursos e ferramentas a elas disponíveis, o que

FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Improving International Co-Operation in Cartel Investigations. DAF/COMP/GF(2012)16, 30 November 2012. Paris: OECD, 2012. Disponível em: <http://www.oecd.org/daf/competition/ImprovingInternationalCooperationInCartelInvestigations2012.pdf>. Acesso em: 02/08/2016. p. 312).

128 Como antes afirmado, discute-se bastante se a globalização teria acarretado, ou não, uma intensificação da concorrência em todo o mundo. No contexto específico analisado neste trabalho, questiona-se se há, contemporaneamente, um incremento nos casos de cartéis internacionais ou apenas no seu combate. Enquanto alguns afirmam que o número de cartéis internacionais efetivamente diminuiu desde o fim da Segunda Guerra Mundial, outros aduzem que houve um aumento e outros, ainda, que o seu número continuou o mesmo (INTERNATIONAL COMPETITION POLICY ADVISORY COMMITTEE (ICPAC). op. cit. p. 175/176). Independentemente disso, é fato que os cartéis ainda são um problema real e continuam causando danos em todo o mundo.

129 LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. International Cartels. p. 1108/1111; CONNOR, John. Global Antitrust Prosecutions of Modern International Cartels. p. 241/243; KLEIN, Joel. The War against International Cartels: Lessons from the Battlefront. U.S. Department of Justice, Speech presented at the Fordham Corporate Law Institute 26th Annual Conference on International Antitrust Law & Policy. New York, October 14, 1999. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/war-against-international-cartels-lessons-battlefront>. Acesso em: 04/08/2016; CONNOR, John. The Rise of Anti-Cartel Enforcement in Africa, Asia, and Latin America. SSRN Working Paper, January 6, 2016. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=27 11972>. Acesso em: 04/08/2016.

130 Segundo dados da OCDE, entre o período de 1990-1994 e o de 2007-2011, houve um aumento de 527% na implementação das medidas de repressão a cartéis internacionais (ORGANISATION DE COOPERATION ET DE DEVELOPPEMENT ÉCONOMIQUES (OCDE). Coopération Internationale dans la Mise en Œuvre du Droit de la Concurrence. p. 31/32).

131 CONNOR, John. The Private International Cartels (PIC) Data Set: Guide and Summary Statistics, 1990-2013. p. 3. Não sendo possível, neste trabalho, analisar cada um dos casos de cartéis internacionais condenados no referido período, remete-se à base de dados elaborada por John Connor para mais detalhes sobre eles.

aumentou a probabilidade de detecção e a gravidade das penalidades impostas a tais conluios. Dentre tais mudanças, de grande importância foi a revisão e expansão do programa de leniência norte-americano, em 1993, cujo sucesso inspirou a adoção de mecanismos semelhantes por várias outras jurisdições132, como a Comissão Europeia, o Reino Unido, Portugal, a Alemanha, a França, o Japão, a Coreia, a Austrália, a África do Sul, o México, a Argentina e o Brasil133. Vale mencionar, também, que inúmeros países adotaram uma legislação de defesa da concorrência a partir dos anos 1990, enquanto outros que já a possuíam passaram efetivamente a aplicá-la. Desse modo, a repressão a cartéis passou, de fato, a ser a prioridade da grande maioria das políticas antitruste nacionais, tornando-se um objetivo comum em várias jurisdições. Some-se, ainda, o aperfeiçoamento das técnicas de investigação, o aumento expressivo das multas impostas e a criminalização da prática de cartel em diversos Estados134.

Especificamente em relação ao Brasil, apesar de a Lei n.º 8.884/1994 ter inaugurado a fase moderna do Direito da Concorrência nacional, é apenas a partir dos anos 2000 que há a consolidação da repressão a cartéis, quando novas ferramentas de investigação são instituídas (como o acordo de leniência e a possibilidade de realização de operações de busca e apreensão). Dessa forma, a partir de 2003, o combate a cartéis passou a ser considerado como prioridade absoluta. A Lei n.º 12.529/2011, por sua vez, fortaleceu a política brasileira anticartéis, com o aperfeiçoamento do programa de leniência e do termo de compromisso de cessação (TCC), além da reestruturação do SBDC. Nesse sentido, desde 2003, a persecução administrativa e criminal contra as referidas práticas aumentou consideravelmente. Mais de cinquenta acordos de leniência foram assinados, grande parte deles com membros de cartéis internacionais, e mais de 400 mandados de busca e apreensão foram cumpridos, a maioria depois da entrada em vigor da Lei n.º 12.529/2011. Entre 2000 e 2016, mais de 40 investigações relativas a cartéis internacionais foram iniciadas, e mais de 1100 pessoas físicas e jurídicas foram ou estão sendo processadas135. Além disso, o CADE vem aplicando multas recordes, a última, de 3,1 bilhões

132 Em 1993, o Canadá era o único país, ao lado dos Estados Unidos, que dispunha de um programa de leniência. 133 Como afirmado acima, é sobretudo através dessa técnica que as autoridades antitruste têm obtido provas dos cartéis internacionais. Devido a relevância do tema, uma análise mais profunda será realizada na segunda parte deste trabalho.

134 EVENETT, Simon; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. op. cit. p. 1237/1238; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. International Cartels. p. 1111/1112, 1116/1117; CONNOR, John. Global Antitrust Prosecutions of Modern International Cartels. p. 243; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. Breaking Up Is Hard to Do: Determinants of Cartel Duration. p. 455/456, 484/485; ARAÚJO, Mariana Tavares de; CHEDE, Marcio Benvenga. op. cit. p. 225/228, 232/233; ORGANISATION DE COOPERATION ET DE DEVELOPPEMENT ÉCONOMIQUES (OCDE). Coopération Internationale dans la Mise en Œuvre du Droit de la Concurrence. p. 26/28; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 156/157 ; ARRUDA, Vivian Anne Fraga do Nascimento. op. cit. p. 112/120.

135 MARTINS, Amanda Athayde Linhares. Mini Plenary 5: Extra-Territorial Antitrust Enforcement – How and Why? Exposição realizada em 4 de outubro de 2016, no ICN Cartel Workshop, realizado em Madri. Disponível

de reais, em 2014, no caso do cartel do cimento (embora se trate de um cartel doméstico, fica evidente a ação mais agressiva contra tais conluios). Ademais, o CADE tem somado às multas outras sanções, como a publicação da condenação em jornal de grande circulação, a fim de informar o público. Por fim, tem crescido a cooperação entre as autoridades administrativas e criminais. Mais de 350 executivos estão sendo processados criminalmente por alegada participação em cartéis, já tendo havido, inclusive, condenação de integrante de cartel internacional a pena privativa de liberdade136. Nesse contexto, o CADE tem assumido papel de destaque entre as agências antitruste em todo o mundo137.

em: <https://icncw.cnmc.es/file/159/download>. Acesso em : 18/12/2016. p. 7/8; ATHAYDE, Amanda; FERNANDES, Marcela Campos Gomes. A Glimpse into Brazil’s Experience in International Cartel Investigations: Legal Framework, Investigatory powers and Recent Developments in Leniency and Settlements Policy. Concurrences – Revue des Droits de la Concurrence, nº 3, 2016. p. 2. Vide este último texto para um panorama sobre os casos de cartéis internacionais em investigação ou julgados pelo CADE nos últimos anos. 136 CARVALHO, Vinícius Marques de; LIMA, Ticiana Nogueira da Cruz. A Nova Lei de Defesa da Concorrência Brasileira: Comentários sob uma Perspectiva Histórico-Institucional. In Publicações da Escola da AGU – A Nova Lei do CADE, ano IV, n.º 19, julho de 2012. p. 31/33; MENDES, Francisco Schertel. op. cit. p. 6/11; ARAÚJO, Mariana Tavares de; CHEDE, Marcio Benvenga. op. cit. p. 235/237; MARTINEZ, Ana Paula; ARAUJO, Mariana Tavares de. Anti-Cartel Enforcement in Brazil: Status Quo & Trends. In ZARZUR, Cristianne; KATONA, Krisztian; VILLELA, Mariana (ed.). Overview of Competition Law in Brazil. São Paulo: IBRAC/Editora Singular, 2015. p. 261/268; MARTINEZ, Ana Paula. Challenges Ahead of Leniency Programmes: The Brazilian Experience. Journal of European Competition Law & Practice, Vol. 6, No. 4, April 2015. p. 260/262; FORGIONI, Paula. op. cit. p. 122/125.

137 A revista britânica Global Competition Review – GCR é uma das referências internacionais na matéria de concorrência, sendo a única a avaliar, anualmente, o desempenho de todos os países na área. Em 2010, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência foi classificado no ranking elaborado pela publicação com três estrelas e meia das cinco possíveis, o que representou um grande avanço, já que, em 2003, a revista havia conferido ao SBDC apenas uma estrela e meia. Em 2012, a atuação do CADE conquistou quatro estrelas no ranking da GCR, o que colocou a autoridade antitruste brasileira na categoria das agências muito boas do mundo, abaixo apenas de órgãos dos Estados Unidos, da União Europeia, da França, do Reino Unido e do Japão. Ademais, a última avaliação do SBDC pelos pares (peer review) realizada pela OCDE, em 2010, também foi bastante positiva, destacando os avanços no combate aos cartéis, o que colocou o Brasil na liderança desse tema na América Latina (CARVALHO, Vinícius Marques de; RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert (org.). op. cit. p. 171/178).

3 DOS DESAFIOS IMPOSTOS PELOS CARTÉIS INTERNACIONAIS AO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

3.1 A APLICAÇÃO EXTRATERRITORIAL DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

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