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Considerações gerais sobre as sanções aplicáveis aos cartéis

2 DA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ANTICOMPETITIVAS: OS

3.4 A DETERMINAÇÃO DAS SANÇÕES EM CASOS DE CARTÉIS INTERNACIONAIS

3.4.1 Considerações gerais sobre as sanções aplicáveis aos cartéis

Uma das questões mais problemáticas, no que tange aos cartéis, é aquela concernente às sanções. Embora, como visto, tais conluios sejam considerados ilícitos em praticamente todos os sistemas jurídicos do mundo, não há um consenso no que diz respeito às formas de sancioná-los.

De um modo geral, o objetivo, ao sancionar os cartéis, pode ser fundado em uma das duas principais teorias sobre as penas. De acordo com a teoria retributiva, o fim da sanção é o pagamento da ofensa, tendo como critério básico de determinação daquela a culpabilidade e o dano. Já a teoria utilitarista foca tanto na dissuasão especial (prevenir a reincidência dos

<http://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?cote=DAF/COMP/WP3/M(2014)3/ANN2/ FINAL&doclanguage=en>. Acesso em: 05/10/2016. p. 12/13.

349 O sistema jurídico de proteção da concorrência na União Europeia é exercido não apenas pela Comissão Europeia, mas também pelas autoridades antitruste nacionais, compondo a chamada Rede Europeia da Concorrência (European Competition Network – ECN). Coexistem as legislações nacionais e a legislação da União, de sorte que a Comissão e a as autoridades nacionais possuem competências paralelas para a aplicação do Direito da Concorrência. Nesse sentido, cada agência é responsável por suas próprias investigações e opera seus próprios programas de leniência. Já que cada autoridade apenas pode conceder a leniência referente às sanções que é competente para aplicar, é preciso que o interessado faça uma solicitação perante todos os Estados-Membros concernentes e na Comissão. Dessa forma, encontram-se, no âmbito da UE, os mesmos problemas que se constatam internacionalmente quanto aos acordos de leniência multijurisdicionais. Para tentar superar essas dificuldades, em 2006, foi implementado o programa de leniência modelo da ECN (ECN Model Leniency Programme – MLP), com o objetivo de harmonizar os vários programas existentes na UE. Ademais, o MLP também introduziu um novo procedimento para uma demanda sumária uniforme (aperfeiçoado em 2012), a ser submetida a cada Estado, em caso de um agente objetivar pleitear a leniência em três Estados-Membros ou mais. Nesse caso, o pedido completo feito perante a Comissão pode levar as autoridades nacionais a protegerem, em caráter temporário, a posição do demandante com base em um conjunto limitado de informações, de modo que, caso aquelas desejem posteriormente iniciar uma investigação, será concedido ao requerente um prazo adicional para completar seu pedido, garantindo-lhe o primeiro lugar na fila da leniência. Isso não representa, todavia, um guichê único para markers (GORJÃO-HENRIQUES, Miguel. op. cit. p. 643/654; GAUER, Céline; JASPERS, Maria. Designing a European Solution for a “One-stop Leniency Shop”. European Competition Law Review, No. 27, Iss. 12, 2006. p. 685/692; CARMELIET, Tine. How Lenient is the European Leniency System? An Overview of Current (Dis)Incentives to Blow the Whistle. Jura Falconis, Vol. 48, No. 3, 2011-2012. p. 471/474; MARCHAL, Florian. op. cit. p. 106/107; OBERSTEINER, Thomas. op. cit. p. 29/30).

conspiradores) como na geral (servir de exemplo para potenciais ofensores). Tendo em vista presumir-se que os potenciais ofensores realizam uma análise de custo e benefício da prática, a sanção deve ser determinada levando em conta os ganhos financeiros frutos do conluio e os custos da probabilidade de detecção350.

Contemporaneamente, a principal finalidade ao sancionar cartéis, na maioria dos sistemas nacionais, é a dissuasão, muito embora também possa haver outros fins secundários, como punição, restituição, compensação e incentivo à celebração de acordos de leniência351. Nesse sentido, o papel econômico das sanções deve ser o de tornar o comportamento ilícito não rentável ou desinteressante para os potenciais ofensores, as perdas esperadas devendo superar os ganhos potenciais decorrentes do conluio. Uma sanção efetiva, portanto, deve levar em conta não apenas os benefícios obtidos pela prática, mas também a probabilidade de ela ser detectada e punida. Uma multa ótima, assim, deve ser igual ao prejuízo líquido causado para as outras pessoas que não o ofensor (o custo social), dividido pela probabilidade de detecção e punição e de obtenção de prova da violação352. Cabe ressaltar, todavia, que os cálculos da probabilidade de detecção e de condenação, bem como do montante do prejuízo (os custos sociais), não são simples353.

350 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Working Group on Cartels. Defining Hard Core Cartel Conduct: Effective Institutions, Effective Penalties. Report to the ICN 4th Annual Conference, Bonn, Germany, 6-8 June 2005. Disponível em: <http://www.internationalcompetitionnetwork.org/uploads/library/doc 346.pdf>. Acesso em: 23/10/2016. p. 51/52. As teorias dos fins da pena são objeto de estudo, sobretudo, do Direito Penal. Nesse sentido, vide, por exemplo, PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, arts. 1º a 120. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 501/513.

351 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Working Group on Cartels. Defining Hard Core Cartel Conduct: Effective Institutions, Effective Penalties. p. 52; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Fighting Hard-Core Cartels: Harm, Effective Sanctions and Leniency Programmes. p. 72; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Recommendation of the Council concerning effective action against hard core cartels. p. 3; INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Cartel Working Group, Subgroup 1 – General Framework. Setting of Fines for Cartels in ICN Jurisdictions. Report to the 7th ICN Annual Conference, Kyoto, April 2008. Disponível em: <http://www.internationalcompetitionnetwork.org/uploads/librar

y/doc351.pdf>. Acesso em: 23/10/2016. p. 7/8; EVENETT, Simon; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. op. cit. p. 1234; BLAIR, Rober; DURRANCE, Christine Piette. Antitrust Sanctions: Detterence and (Possibly) Overdeterrence. The Antitrust Bulletin, Vol. 53, No. 3, Fall 2008. p. 646; CONNOR, John. International Price Fixing: Ressurgence and Deterrence. Paper apresentado no American Agricultural Law Association Annual Meeting, realizado em Indianápolis, em 26 de outubro de 2002, e no Pardue University Seminar, realizado em 18 de setembro de 2002. Disponível em: <https://www.aae.wisc.edu/fsrg/publications/con

ference/conner.pdf>. Acesso em: 24/10/2016. p. 29/30.

352 LANDES, William. Optimal Sanctions for Antitrust Violations. University of Chicago Law Review, Vol 50, Iss. 2, 1983. p. 656; COMBE, Emmanuel. Quelles Sanctions contre les Cartels? Une Perspective Économique. Revue Internationale de Droit Économique, t. XX, 1, 2006. p. 13/15; CONNOR, John; LANDE, Robert. Cartels as Rational Business Strategy: Crime Pays. Cardozo Law Review, Vol. 34, No. 2, 2012. p. 431/435; GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. Antitrust Sanctions. Competition Policy International Journal, Vol. 6, No. 2, Autumn 2010. p. 7.

353 Não há como se ter certeza da probabilidade de um cartel ser detectado, já que há conluios que jamais são descobertos. Apesar disso, há estudos que tentam chegar a um número, embora não haja um consenso entre eles, aduzindo-se desde 10 % a 60 % (vide, nesse sentido, GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. op. cit. p. 7/8;

Dada a grande dificuldade em se determinar os custos sociais do cartel, as autoridades antitruste tendem a focar apenas no ganho ilícito dos conspiradores, o qual seria mais fácil de calcular. A forma mais simples utilizada para determinar o benefício auferido com o cartel é através da multiplicação do aumento do preço resultante do acordo (o sobrepreço) pela quantidade de volume de negócios (em unidades) sujeita ao conluio. Entretanto, a fixação do preço competitivo hipotético (o preço de referência) usado para determinar a margem ilícita também é bastante complexa354-355. Logo, o cálculo do dano gerado pelo cartel será sempre realizado com base em aproximações e suposições356.

Nesse contexto, a maior parte das jurisdições utiliza, como base de cálculo para as multas, o volume de negócios ou de comércio afetado dos agentes econômicos, por considerarem uma boa aproximação do ganho ilícito proveniente da prática anticoncorrencial. Entretanto, as autoridades nem sempre fazem uso do mesmo montante ou conceito de volume de negócios. Desse modo, algumas jurisdições se referem ao valor das vendas dos produtos ou serviços objeto do acordo ou ao volume do comércio no mercado relevante, enquanto outras consideram o volume de negócios nacional ou global do agente econômico naquele mercado357.

CONNOR, John; LANDE, Robert. Cartels as Rational Business Strategy: Crime Pays. p. 462/465). Também não há uniformidade em relação à probabilidade de um cartel detectado ser efetivamente condenado, Connor e Lande, por exemplo, indicando um número entre 72 e 80 % (CONNOR, John; LANDE, Robert. Cartels as Rational Business Strategy: Crime Pays. p. 466-468). Por fim, também não há acordo sobre como calcular os prejuízos que os cartéis causam. Costuma-se afirmar, todavia, que o prejuízo líquido gerado (o dano causado pelo cartel) deve incluir não apenas o sobrepreço resultante do conluio, mas também outros fatores, como a ineficiência alocativa (o peso morto), os efeitos guarda-chuva e custos de advogado e de enforcement. Tal cálculo, portanto, é bastante complexo (CONNOR, John; LANDE, Robert. Cartels as Rational Business Strategy: Crime Pays. p. 432/433; CONNOR, John; LANDE, Robert. How High Do Cartels Raise Prices? Implications for Optimal Cartel Fines. Tulane Law Review, Vol. 80, 2005. p. 529/532).

354 Suslow e Levenstein aduzem que três são os métodos geralmente utilizados para estabelecer o preço de referência: a comparação entre bons tempos e períodos de guerra de preços, a comparação entre o preço do cartel e um contrafactual, e o preço que teria prevalecido uma vez absente a colusão, um but for price (LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. International Cartels. p. 1109/1110). Sobre o assunto, ver também OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. op. cit. p. 71/72.

355 Como já afirmado, não há um consenso sobre a determinação do sobrepreço acarretado pelo cartel. Connor e Lande apresentam uma comparação entre os diversos resultados que os principais estudos sobre a questão chegaram, os quais vão desde 7,7 % até 46%. Por sua vez, os dois autores, em sua análise, chegam, como resultado, a uma média de 25 % de sobrepreço, em relação a todos os tipos de cartéis e em todos os períodos (CONNOR, John; LANDE, Robert. How High Do Cartels Raise Prices? Implications for Optimal Cartel Fines.).

356 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Fighting Hard- Core Cartels: Harm, Effective Sanctions and Leniency Programmes. p. 76/77.

357 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Cartel Working Group, Subgroup 1 – General Framework. Setting of Fines for Cartels in ICN Jurisdictions. p. 15/20; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Sanctions in Antitrust Cases. Background Paper elaborado pelo Secretariado para o 15th Global Forum on Competition – Section IV, realizado em Paris, entre 1 e 2 de dezembro de 2016. DAF/COMP/GF(2016)6, 14 de outubro de 2016. Disponível em: <http://www.oecd.org/officialdocument s/publicdisplaydocumentpdf/?cote=daf/comp/gf(2016)6&doclanguage=en>. Acesso em: 25/10/2016. p. 11/12.

Por outro lado, além de multas dirigidas às empresas participantes do cartel, os países costumam prever outras formas de sanções complementares358. Nesse sentido estão, por exemplo, a imposição de multas, a cominação de penas privativas de liberdade e a suspensão ou inabilitação temporária para o exercício de cargos executivos aos indivíduos autores do ilícito, bem como a publicação da condenação em jornal de grande circulação, a proibição de participação em licitações e o pagamento de indenização às vítimas359.

Sob esse prisma, consoante já aduzido, não há consenso quanto às sanções que devem ser impostas aos cartéis, havendo divergências tanto do ponto de vista doutrinário, quanto dos vários direitos nacionais. Há uma grande tendência, entretanto, em considerar que as multas às empresas não devem ser as únicas sanções, devendo-se combiná-las com outras formas de penalidades, como as acima mencionadas360.

Finalmente, também não há uniformidade em relação à autoridade competente para aplicar as multas (e as demais sanções) Nesse tema, as jurisdições podem ser classificadas em três grupos. No primeiro, são as próprias autoridades antitruste que fixam a multa, como é o caso da União Europeia. O segundo grupo envolve aqueles sistemas em que um tribunal não- especializado é quem decide sobre a questão. Em geral, os países em que os cartéis são criminalizados, como os Estados Unidos e o Canadá, integram essa categoria. Por fim, há as jurisdições intermediárias, nas quais o cartel pode ser condenado tanto criminalmente como administrativa ou civilmente, de modo que o tipo da sanção determina o procedimento e a autoridade competente para sua aplicação. É neste último grupo que está o Brasil, onde o CADE

358 Cabe ressaltar, como já mencionado, que as multas (mas também as outras sanções) podem ter natureza civil, administrativa ou criminal, de acordo com a jurisdição.

359 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Sanctions in Antitrust Cases. p. 31/36; INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Working Group on Cartels. Defining Hard Core Cartel Conduct: Effective Institutions, Effective Penalties. p. 58/67.

360 Todavia, também não há unanimidade sobre qual seria a combinação de sanções tida como ótima. Ginsburg e Wright, por exemplo, afirmam que o aumento de multas contra os agentes econômicos não é a solução ideal, propondo sancionar criminalmente as pessoas diretamente envolvidas no cartel ou cúmplices dele, além da inabilitação para que elas não possam, no futuro, ocupar um cargo nos quais possam de novo violar ou permitir negligentemente que seus subordinados violem as regras antitruste (GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. op. cit. p. 3/39). A seu turno, Martinez propõe um modelo “composto por um sistema administrativo com imputação de responsabilidade ao agente econômico [...] e um sistema criminal, com imputação de responsabilidade apenas a pessoas físicas – sejam administradores, funcionários da empresa ou qualquer outro indivíduo envolvido com a prática” (MARTINEZ, Ana Paula. Repressão a Cartéis: Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal. p. 91). Já Hylton assevera que, se uma empresa tem um incentivo para descumprir as regras antitruste, ela poderá quase sempre induzir o agente a violá-las. Dessa forma, defende ser preferível conferir prioridade à dissuasão no nível das empresas, e não no nível dos agentes (HYLTON, Keith. Deterrence and Antitrust Punishment: Firms Versus Agents. Iowa Law Review, Vol 100, Iss. 5, May 2015. p. 2069/2083). Por sua vez, Lande e Davis destacam a grande relevância do enforcement privado, sendo este um importante complemento ao enforcement público (LANDE, Robert; DAVIS, Joshua. Comparative Deterrence from Private Enforcement and Criminal Enforcement of the U.S. Antitrust Laws. Brigham Young University Law Review, Vol. 2011, Iss. 2, 2011. p. 315/389). Entretanto, foge ao objetivo deste trabalho adentrar na referida discussão, aqui apenas sendo feita referência à complexidade e às divergências concernentes à definição das sanções a serem impostas aos cartéis.

determina as sanções administrativas, e os tribunais, as sanções criminais e eventuais indenizações de natureza civil361.

3.4.2 Análise comparativa dos principais regimes362

Como já aduzido, a prática de cartel, nos Estados Unidos, configura um crime, em conformidade com a Section 1 do Sherman Act. A Divisão Antitruste do DOJ é a responsável por promover o enforcement público das regras daquele diploma legal. Entretanto, para a imposição de sanções, é necessária a proposição de uma ação perante uma corte federal, visto que é esta, como acima visto, quem tem a competência para fixar as penas. Originariamente, o Sherman Act previu, como sanção para a prática de cartel, pena de prisão de no máximo três anos ou multa que não excedesse 10 milhões de dólares, em caso de corporação, e 350 mil dólares, em se tratando de pessoa física, ou, ainda, ambas as sanções, de acordo com a discricionariedade do tribunal. Entretanto, ao longo dos anos, houve uma progressiva elevação desses valores. Hoje, de acordo com o Antitrust Criminal Penalty Enhancement and Reform Act (ACPERA), de 2004, a multa máxima para empresas é de 100 milhões de dólares e para pessoas físicas é de 1 milhão de dólares, enquanto a pena máxima de prisão é de dez anos. Por outro lado, o chamado Alternative Fine Statute (18 U.S.C. § 3571) permite superar tais valores, admitindo a aplicação de multas até o dobro do ganho bruto (obtido por todos os conspiradores) ou da perda (sofrida por todas as vítimas) resultante do cartel. Os critérios para a definição das multas, por sua vez, são previstos na Section 2R1.1 do U.S. Sentencing Commission Guidelines Manual, elas devendo ser calculadas, no caso de pessoas físicas, entre 1 e 5 % do volume de comércio realizado pela pessoa ou seu comitente quanto aos bens ou serviços afetados pela violação, mas não inferior a 20 mil dólares. Já as multas para as empresas devem ser determinadas com base em 20 % do volume do comércio afetado. Sobre esse valor de base, ainda são aplicados os fatores agravantes ou atenuantes363. Ademais, paralelamente à aplicação de sanções criminais, há, consoante já mencionado, o enforcement privado, através das ações privadas de indenização, sendo esta equivalente ao triplo dos danos sofridos (treble damages). Vale destacar, por fim, que tem havido uma grande intensificação das sanções impostas aos

361 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Cartel Working Group, Subgroup 1 – General Framework. Setting of Fines for Cartels in ICN Jurisdictions. p. 8/9.

362 Serão aqui apenas referenciados os sistemas de sanções dos Estados Unidos, da União Europeia e do Brasil. Para um panorama das sanções em outras jurisdições, vide ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Sanctions in Antitrust Cases. p. 5/37.

363 Cabe destacar, contudo, que a Suprema Corte norte-americana, no caso Booker, determinou que o Sentencing Commission Guidelines Manual não era obrigatório aos tribunais, tendo apenas um caráter consultivo (Caso United States v. Booker, 543 U.S. 220 (2005).

cartéis nos Estados Unidos a partir dos anos 1990, tanto no que se refere às multas (às empresas, mas também às pessoas físicas), como às prisões364.

Já no âmbito do Direito da Concorrência da União Europeia, o cartel (e, mais genericamente, todas as demais práticas anticompetitivas) consubstancia um ilícito administrativo, mas as pessoas físicas participantes do conluio não são responsabilizadas. O poder da Comissão Europeia em impor sanções às infrações antitruste cresceu bastante ao longo dos anos, sendo, hoje, regido pelo Regulamento (CE) n.º 1/2003 e pelas Fining Guidelines 2006. De acordo com o art. 23, 2 do aludido Regulamento, a multa a ser aplicada pela Comissão às empresas e associações de empresas que formem um cartel não deve exceder 10 % do respectivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente. Por sua vez, as Fining Guidelines 2006 estabelecem os critérios para a fixação das multas. Em primeiro lugar, deve ser calculado o montante de base, o qual é determinado em função de uma percentagem do valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Econômico Europeu (EEE), no último ano completo da sua participação na infração. A proporção do valor das vendas é definido em função do grau de gravidade da infração e pode ir, em geral, até 30%, embora seja ainda possível adicionar uma soma compreendida entre 15 % e 25 % do valor de vendas365. Em seguida, o valor será multiplicado pelo número de anos da infração. Num segundo momento, o montante de base é ajustado tendo em conta as circunstâncias atenuantes e agravantes. Dentre estas últimas, merece destaque a reincidência, hipótese em que o montante de base será aumentado em até 100 % da infração verificada. É possível, outrossim, para assegurar um efeito assaz dissuasivo, aumentar a multa em se tratando de empresas com um volume de negócios, para além do mercado relevante material, particularmente elevado. Da mesma forma, a multa poderá ser aumentada para exceder o montante dos lucros ilícitos realizados em decorrência da infração, quando for possível calcular tal valor. Na UE, tal qual nos Estados Unidos, também tem havido uma intensificação da persecução a cartéis a partir dos anos 1990, com a imposição de penas que ultrapassam, muitas vezes, as multas criminais cominadas do outro lado do Atlântico. Finalmente, cabe destacar que, no exercício da

364 LIANOS, Ioannis; JENNY, Frederic; WAGNER VON PAPP, Florian; MOTCHENKOVA, Evgenia et al. An Optimal and Just Financial Penalties System for Infringements of Competition Law: a Comparative Analysis. CLES Research Paper Series 3/2014, UCL Faculty of Laws, London, May 2014. p. 131/137; COMBE, Emmanuel. op. cit. p. 36/37; BRODER, Douglas. op. cit. p. 177/184; GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. op. cit. p. 10/13; SOUTY, François. Sanctions et Réparations en Droit Antitrust des États-Unis. Revue Lamy de la Concurrence, No. 43, Avril-Juin 2015. p. 155/160.

365 De acordo com o n.º 23 das Fining Guidelines, tendo em vista que os cartéis hard core são considerados as restrições de concorrência mais graves e devendo por isso ser sancionados de forma severa, a proporção das vendas levada em conta para eles situa-se geralmente num nível superior da escala.

competência paralela pelos Estados-Membros, é possível haver, ainda, o enforcement privado (embora este não seja comum), através de ações privadas de indenização, bem como a aplicação de sanções contra as pessoas físicas participantes do conluio (inclusive criminais, tais quais multas, inibição do exercício de atividades executivas e prisões), se tal for previsto pelo respectivo direito nacional (o que efetivamente ocorre em alguns Estados)366.

Por sua vez, no Brasil, consoante também já comentado, a prática de cartel constitui tanto um crime, como uma infração administrativa. A responsabilização penal desse conluio está prevista no art. 4º da Lei n.º 8.137/1990, que prevê pena de reclusão, de 2 a 5 anos, e multa.

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