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2 DA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ANTICOMPETITIVAS: OS

2.2 OS CARTÉIS INTERNACIONAIS

2.2.4 Características dos cartéis internacionais

Embora o estudo sobre o funcionamento dos cartéis, e especificamente os

internacionais, não integre o objeto deste trabalho104, faz-se necessário apresentar algumas noções gerais sobre a matéria para que se possa melhor compreender as questões que serão em seguida analisadas.

De início, contudo, é preciso ressaltar que as informações sobre as características dos cartéis são fundadas, essencialmente, em estudos empíricos105, que usam como amostras

102 Cabe ressaltar que os cartéis hard core podem ter alcance doméstico ou internacional, embora apenas estes últimos integrem o objeto deste trabalho. Para uma classificação dos cartéis domésticos, vide LANDE, Robert; MARVEL, Howard. The Three Types of Collusion: Fixing Prices, Rivals, and Rules. Wisconsin Law Review, Vol. 2000, Iss. 5, 2000. p. 941/999.

103 WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO). Working Group on the Interaction Between Trade and Competition Policy. op. cit. p. 2; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Hard Core Cartels. Paris: OECD, 2000. Disponível em: <http://www.oecd.org/competition/crtels/2752129.pdf>. Acesso em: 28/07/2016. p. 6; SANTOS, Karla Margarida Martins. Cartéis Internacionais: uma Abordagem dos Mecanismos Extraterritoriais de Persecução. p. 67/69; YU, Yinne. op. cit. p. 5; EVENETT, Simon; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. op. cit. p. 1222; CONNOR, John. The Private International Cartels (PIC) Data Set: Guide and Summary Statistics, 1990-2013. p. 2.

104 Tal matéria é estudada, principalmente, pelos economistas. Análises mais profundas podem ser encontradas, por exemplo, em LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. International Cartels; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. What Determines Cartel Success? Journal of Economic Literature, Vol. 44, No. 1, March 2006. p. 43/95; MARQUEZ, Jaime. Life Expectancy of International Cartels: an Empirical Analysis. Review of Industrial Organization, Vol. 9, No. 3, June 1994. p. 331/341; CHEN, Zhijun. Cartel Organization and Antitrust Enforcement. Working Paper No. 08-21, Centre for Competition Policy, University of East Anglia, 2008. Disponível em: <http://competitionpolicy.ac.uk/documents/8158338/8256111/CCP+Working+Paper+08- 21.pdf>. Acesso em: 31/07/2016. p. 1/13.

105 John Connor, por exemplo, elaborou um dos mais extensos estudos na matéria, através da coleta de dados sobre todos os cartéis internacionais privados descobertos em todas as partes mundo, entre 1990 e 2005 (CONNOR, John; HELMERS, Gustav. Statistics on Modern Private International Cartels, 1990–2005. The American Antitrust Institute Working Paper No. 07-01, 2007. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abst

aqueles conluios que já foram descobertos. A literatura especializada costuma sugerir que apenas entre 10 e 30 % dos casos de cartéis são desvendados e punidos, de sorte que é muito possível que os casos não descobertos apresentem características econômicas distintas106. Ademais, as dificuldades no acesso a dados existem mesmo em relação aos casos já desvendados, visto que as informações sobre a organização dos conluios raras vezes são reveladas, devido à política de confidencialidade a eles inerente107. Entretanto, ainda assim, tais trabalhos são bastante relevantes, fornecendo fortes indícios de como funciona a generalidade dos cartéis.

Os cartéis internacionais se assemelham bastante aos domésticos, ambos enfrentando muitos dos mesmos desafios econômicos e legais e fazendo uso de modelos organizacionais similares. Ora, a coordenação das atividades econômicas para se evitar a concorrência e aumentar os lucros se dá em função do interesse coletivo de empresas atuantes em mercados oligopolizados, sejam eles locais, regionais, nacionais ou internacionais. Há, entretanto, diferenças nos instrumentos utilizados por cartéis domésticos e internacionais. Por exemplo, é muito mais frequente o uso de regras para divisão de mercados por cartéis internacionais, ao passo que os nacionais costumam adotar simples quotas de produção. Ademais, cartéis internacionais também enfrentam desafios específicos referentes a sua estabilidade, impostos por diferenças culturais, flutuações nas taxas de câmbio e preferências comerciais concedidas por determinados países, o que pode gerar tensões entre os membros do conluio, com a consequente vulnerabilidade deste108.

A maioria dos cartéis internacionais descobertos nas últimas duas décadas é formada por grandes empresas transnacionais, sediadas em países industrializados. Tais colusões têm ocorrido numa grande variedade de indústrias, indo desde commodities, como cimento e ácido cítrico, a serviços especializados, como leilões de arte e construções de estações de tratamento de águas residuais. Entretanto, a grande maioria dos cartéis internacionais têm-se concentrado no setor manufatureiro, sobretudo na produção de insumos industriais (materiais

ract_id=944039>. Acesso em: 29/07/2016), atualizando sua pesquisa em 2014 (CONNOR, John. The Private International Cartels (PIC) Data Set: Guide and Summary Statistics, 1990-2013). O relatório, chamado de Private International Cartels Data Set, apresenta estatísticas descritivas do período analisado, o que permite inferir as principais características econômicas e jurídicas dos cartéis internacionais revelados nas últimas duas décadas. Para outros conjuntos de dados, vide LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. What Determines Cartel Success? p. 86/89.

106 CONNOR, John. Global Antitrust Prosecutions of Modern International Cartels. p. 250; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. What Determines Cartel Success? p. 44.

107 CHEN, Zhijun. op. cit. p. 1.

intermediários, componentes ou bens de capital), sendo o setor de químicos o mais atingido, seguido do setor de transporte e de aço109.

Em relação à duração dos cartéis internacionais, embora ela seja, em geral, em anos, e não em décadas, os estudos indicam uma variação de mais de vinte anos. Dessa forma, enquanto há cartéis que ruinam em menos de um ano, há outros que duram décadas. Todavia, a sua duração média é de sete anos110.

O fim dos cartéis internacionais decorre, em primeiro lugar, do enforcement antitruste, que tem-se intensificado sobremaneira a partir dos anos 1990, conforme será tratado adiante. Outra forma de desmantelamento dos cartéis resulta da instabilidade a eles inerente (a chamada morte natural), ocorrendo seja pela deserção de algum de seus membros, por discordâncias internas irreconciliáveis ou pela entrada de novos players no mercado111.

Ora, a manutenção de um cartel é demasiado complexa, sendo necessário que os conspiradores sejam capazes de enfrentar uma série de desafios para consolidar sua existência. De um modo geral, tais desafios podem ser reunidos em três grupos, a seguir explicitados. O primeiro se refere à coordenação da ação dos membros do cartel, em que pese a comunicação frequentemente limitada. Como visto, os agentes formam um cartel para aumentar os lucros, através da restrição da oferta e da elevação dos preços (em princípio, aos preços fixados pela empresa em situação de monopólio). É preciso, portanto, concertar o comportamento dos participantes, determinando uma estratégia mutuamente consistente, em especial para a fixação do preço e do volume de vendas. O segundo desafio envolve o necessário monitoramento do comportamento dos integrantes do conluio para detectar e prevenir deserções. É que, apesar de

109 LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. Contemporary International Cartels and Developing Countries: Economic Effects and Implications for Competition Policy. Antitrust Law Journal, Vol. 71, Iss. 3, 2004. p. 802/803, 806; CONNOR, John. Global Antitrust Prosecutions of Modern International Cartels. p. 250/251.

110 ZIMMERMAN, Jeffrey; CONNOR, John. Determinants of Cartel Duration: a Cross-Sectional Study of Modern Private International Cartels. Department of Agricultural Economics, Purdue University, Working Paper, August 2, 2005. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1158577>. Acesso em: 30/07/2016; COMBE, Emmanuel; MONNIER, Constance. Cartels in Europe: Main Features. Concurrences – Revue des Droits de la Concurrence, nº 2, May 2010. p. 24/25; EVENETT, Simon; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. op. cit. p. 1226/1227; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. What Determines Cartel Success? p. 44/45, 49/57; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. Breaking Up Is Hard to Do: Determinants of Cartel Duration. The Journal of Law and Economics, Vol. 54, No. 2, May 2011. p. 455/464. Nos dois últimos artigos, as autoras analisam os principais estudos sobre a duração de cartéis, comparando-os com os resultados a que chegaram em sua análise de caso, e concluem que as variações existentes decorrem não apenas de questões de medição, mas também de diferenças econômicas reais entre as amostras.

111 LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. Breaking Up Is Hard to Do: Determinants of Cartel Duration. p. 455/485; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. What Determines Cartel Success? p. 49/86; COMBE, Emmanuel; MONNIER, Constance. op. cit. p. 29/30. Vale destacar, contudo, que, segundo aduzem Combe e Monnier no último artigo referenciado, a determinação da causa do término do cartel pode não ser simples, havendo casos frequentes em que múltiplos fatores contribuem para o desmantelamento da prática (como, por exemplo, a celebração de acordo de leniência em decorrência da trapaça de algum membro e a morte natural diante da ameaça de investigação do conluio).

os interesses coletivos dos agentes serem alcançados com a restrição da produção e o aumento dos preços, cada empresa tem um incentivo para ir além do limite estabelecido. Há, assim, uma constante tensão entre os interesses individuais de cada membro e os interesses coletivos do cartel, tal qual existente no dilema do prisioneiro. Desse modo, é fundamental o desenvolvimento de uma estrutura de incentivos (combinando monitoramento, compensações e penalidades), de sorte a prevenir que os membros trapaceiem, colocando a existência do conluio em cheque. Por fim, o terceiro desafio concerne ao fato de os cartéis precisarem agir ativamente para criar barreiras de entrada (se elas não forem naturais ao setor da atividade), a fim de prevenir o ingresso no mercado de novos players ou a expansão de empresas que não integram o cartel112.

Outras características dos cartéis internacionais são o desprezo e total desrespeito pela legislação antitruste, o envolvimento direto dos altos executivos das empresas, o uso frequente de associações de classe para encobrir as atividades colusivas e o temor de serem descobertos sobretudo pelas autoridades antitruste norte-americanas, o que os levam a reduzirem ao máximo seus contatos nos Estados Unidos e a conduzirem suas reuniões no exterior desse país113.

2.2.5 A sofisticação dos cartéis internacionais e a dificuldade na obtenção de prova de sua

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