• Nenhum resultado encontrado

Limitações ao exercício da jurisdição extraterritorial em matéria de defesa da concorrência

2 DA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ANTICOMPETITIVAS: OS

3.1 A APLICAÇÃO EXTRATERRITORIAL DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

3.1.2 Limitações ao exercício da jurisdição extraterritorial em matéria de defesa da concorrência

extraterritorial do Direito da Concorrência, com base na teoria dos efeitos, encontra inúmeras limitações. Em primeiro lugar, é muito questionada a compatibilidade da referida teoria com o Direito Internacional. Nesse sentido, alega-se que a extensão da jurisdição nacional a fatos globais violaria princípios como o da soberania e o da proibição de interferência em questões internas dos outros Estados, além de ser ilegítima sob o prisma das Relações Internacionais154.

2011. p. 24/29; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 75/76, 247/260; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 63/65, 101/111).

150 Há quem afirme, inclusive, que a teoria da implementação nada mais é do que uma versão europeia da teoria dos efeitos. Ademais, a questão do reconhecimento da teoria dos efeitos pela UE veio à tona novamente, quando do julgamento do caso Gencor, pelo então Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, em 1999. Não sendo o objetivo deste trabalho um estudo mais detido sobre o Direito da Concorrência da União, remete-se, para análise dessas e demais questões envolvendo a extraterritorialidade do antitruste na UE, a SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 183/282; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 86/114; DABBAH, Maher. The Internationalisation of Antitrust Policy. p. 176/186.

151 FARIA, José Ângelo Estrella. op. cit. p. 25/27; CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. op. cit. p. 126/134. 152 FORGIONI, Paula. op. cit. p. 432/433; WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 58/60; OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. op. cit. p. 342/344.

153 Como aduzido, pretende-se aqui apenas traçar as linhas gerais sobre a extraterritorialidade no antitruste brasileiro. Algumas questões, como a definição dos efeitos e alguns problemas decorrentes da aplicação da legislação antitruste concorrentemente com outras jurisdições, serão tratadas na sequência deste trabalho. Para as demais, ver SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 283/375; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 114/133; CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. op. cit. p. 118/141.

154 SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 381/382, 403/431; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 58/62, 142/148.

Se a reivindicação da competência e a prolação de decisões reprimindo práticas anticoncorrenciais transfronteiriças, em si mesmas, não levantem dificuldades reais, os problemas surgem no que se refere à instrução e à execução dos julgados, residindo aí a grande limitação da teoria dos efeitos. Ora, a competência para a execução de uma decisão é estritamente territorial, de modo que o Estado não pode forçar a observância de suas leis no exterior, salvo expresso consentimento do país terceiro. Logo, a implementação extraterritorial do Direito da Concorrência é, na prática, bastante difícil155.

Nesse contexto, os países podem utilizar-se de estratégias para evitar que um terceiro Estado interfira em seus assuntos internos ou que, de alguma maneira, sejam-lhes afetos. Dessa forma, é possível editar medidas legislativas (chamadas leis de bloqueio ou blocking statutes) com o fito de bloquear a produção de efeitos, no território nacional, de ordens proferidas por autoridades estrangeiras, sejam sentenças ou determinações de constituição de provas. Vários países, como o Reino Unido, a França, o Canadá e a Austrália, adotaram leis nesse sentido, sobretudo durante as décadas de 1970 e 1980, em resposta à excessiva ampliação da extraterritorialidade do antitruste nos Estados Unidos. Ademais, os Estados podem adotar outras medidas protetoras, como protestos e reclamações diplomáticas, fundando-se em uma suposta quebra do equilíbrio das relações internacionais e do princípio da cortesia156.

Além disso, como já afirmado, a aplicação extraterritorial do Direito da Concorrência é extremamente unilateral, visto que se considera apenas o mercado nacional, ignorando restrições à concorrência no exterior, ainda quando decorrente de uma conduta realizada no seu território (como é o caso dos já mencionados cartéis de exportação). Dessa forma, é possível que um Estado, ao mesmo tempo em que ataque empresas estrangeiras que produzem efeitos nocivos em seu território, proteja de investidas de outros países agentes nacionais cujas condutas geram efeitos anticompetitivos no exterior. Isto é, embora a extraterritorialidade seja usada oficialmente para a proteção dos mercados domésticos de práticas anticompetitivas

155 HIDOT, Hélène. Critère de l’Application Extraterritoriale en Droit des Ententes. 63 f. Dissertação de Mestrado em Direito Europeu dos Negócios – Université Panthéon-Assas (Paris II), Paris, 2010. p. 25/26. Disponível: <https://docassas.u-paris2.fr/nuxeo/site/esupversions/d470630b-6f53-41e9-8574-014417f075b1>. Acesso em 29/08/2016; ADOLPHSEN, Jens. The Conflict of Laws in Cartel Matters in a Globalised World: Alternatives to the Effects Doctrine. Journal of Private International Law, Vol. 1, No. 1, April 2005. p. 161/162.

156 JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 134/148; CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. op. cit. p. 143/147; FORGIONI, Paula. op. cit. p. 439/444; WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 66/70; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 381/403; MARTINEZ, Ana Paula. Jurisdição Extraterritorial em Direito da Concorrência: Balanço e Perspectivas. p. 1069/1071. Vide tais obras para mais detalhes sobre as leis de bloqueio e outras modalidades de reações internacionais à aplicação extraterritorial do Direito Antitruste.

estrangeiras, ela pode também servir para defender as empresas nacionais no mercado internacional157.

Sob esse prisma, a aplicação extraterritorial do Direito Antitruste de um Estado pode ser utilizada com o objetivo de abrir mercados estrangeiros a suas empresas nacionais. Tal conduta é praticada sobretudo pelos Estados Unidos, os quais chegam ao ponto de recusar-se a aceitar que outros Estados adotem medidas idênticas às suas em caráter de reciprocidade. Dessa forma, alega-se que o antitruste norte-americano se teria transformado em lei de comércio, servindo a fins protecionistas de defesa da concorrência das empresas norte-americanas contra a concorrência estrangeira, prejudicando e impedindo o livre comércio internacional158. Nesse sentido, há quem afirme que a extraterritorialidade do antitruste é, em última instância, uma questão política e não jurídica159.

Outra crítica, ligada à anterior, está na pretensão das jurisdições mais poderosas, sobretudo os Estados Unidos e, mais recentemente, a União Europeia, de impor de modo unilateral as regras internacionais e de forçar governos a alterarem políticas domésticas consideradas prejudiciais a seus interesses. Dessa maneira, tais atores tentam conferir primazia a sua lei antitruste no mundo, através da promoção de uma cultura da concorrência, o que fica muito evidente no âmbito da aplicação extraterritorial do Direito Antitruste160.

Finalmente, ainda em relação ao caráter unilateral da extraterritorialidade, há de se destacar que as regras de Direito da Concorrência são qualificadas como lei de polícia ou de aplicação imediata161. Constituem, pois, o conjunto de regras consideradas por um ordenamento jurídico como fundamentais, integrantes do domínio de regulamentação estatal e devendo por todos ser seguidas para salvaguardar a organização política, social ou econômica do país. Portanto, no âmbito do antitruste, é dispensada a mediação normal da norma de conflitos geral

157 DOMINGUES, Juliana Oliveira. op. cit. p. 144; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 40/41; RIOUX, Michèle. Vers un Droit Mondial de la Concurrence ? Continentalisation, Cahier de recherche 99-8. Groupe de recherche sur l’intégration continentale, Université du Québec à Montréal, décembre 1999. Disponível em: <http://www.ieim.uqam.ca/IMG/pdf/Concurdroit.pdf>. Acesso em: 03/09/2016. p. 18.

158 SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 425/427; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 143; FOX, Eleanor. Can We Solve the Antitrust Problems of Globalization by Extraterritoriality and Cooperation? Sufficiency and Legitimacy. The Antitrust Bulletin, Vol. 48, No. 2, Summer 2008. p. 365/368.

159 DABBAH, Maher. The Internationalisation of Antitrust Policy. p. 167. Nesse mesmo sentido, aduz-se que o regime antitruste nacional se teria tornado um instrumento estratégico através do qual os Estados buscam promover o desenvolvimento de indústrias competitivas num mercado cada vez mais global (RIOUX, Michèle. Globalisation Économique et Concurrence. p. 117/119, 129/132).

160 SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 425/426; FARIA, José Eduardo. op. cit. p. 144; RIOUX, Michèle. Culture de Concurrence: les Limites de l’Antitrust International face à la Concurrence Globalisée. p. 188/189, 192.

161 Não se deve confundir lei de polícia com a exceção de ordem pública. Para tal distinção, remete-se a NORD, Nicolas. Ordre Public et Lois de Police en Droit International Prive. 468 p. Tese de Doutorado em Direito Internacional – Université Robert Schuman (Strasbourg III). 2003. Disponível em: <http://cdpf.unistra.fr/fileadmi n/upload/CDPF/theses_memoires_et_rapports/ordre_public_et_lois_de_police.pdf>. Acesso em: 04/09/2016.

(o método bilateral clássico do conflito de leis ou conflito de jurisdições), visto que as regras possuem um status derrogatório, definindo, elas próprias, seu âmbito de aplicação no espaço162. Nesse contexto, várias jurisdições podem reivindicar a competência para regular uma mesma prática anticoncorrencial transnacional, visto que, de acordo com a teoria dos efeitos, possui jurisdição sobre a conduta o Estado em cujo território os efeitos da prática forem sentidos (nesse caso, portanto, todos os Estados afetados por tal comportamento)163. Ora, essa aplicação fragmentada do antitruste decorrente do concurso de jurisdições, com a sujeição de uma mesma prática a uma pluralidade de direitos nacionais164, acarreta inúmeras dificuldades165, dentre as quais a mais evidente é a possibilidade de decisões divergentes e até mesmo contraditórias166. Cabe ressaltar, por fim, que, apesar de todas as mencionadas limitações e críticas à aplicação extraterritorial do antitruste, e, em que pese essa técnica não ser a solução ideal para a repressão de comportamentos anticompetitivos transfronteiriços, é fato que ela é a alternativa disponível mais eficaz, de modo que a maioria dos ordenamentos jurídicos tem adotado tal perspectiva e a utilizam para combater cartéis internacionais.

Assim, embora seja muito legítima a discussão sobre os fundamentos da extraterritorialidade e a necessidade de um efetivo direito internacional da concorrência, pretende-se, aqui, adotar uma visão mais pragmática da questão. É inegável que o Direito

162 SILVEIRA, Paulo Burnier da. op. cit. p. 53; WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 41; ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 97/98; RACINE, Jean-Baptiste. Droit Économique et Lois de Police. Revue Internationale de Droit Économique, t. XXIV, 1, 2010. p. 65/66 ; NORD, Nicolas. op. cit. p. 410.

163 É possível, todavia, que os países nos quais os efeitos são sentidos não sejam dotados de uma eficaz política antitruste ou que não apliquem sua legislação de defesa da concorrência extraterritorialmente. Tais hipóteses são comuns em países em desenvolvimento, nos quais não se há o poder para aplicar suas leis além das fronteiras ou não se tem a habilidade de processar uma conduta que foi praticada fora do território nacional (GUZMAN, Andrew. Competition Law and Cooperation: Possible Strategies. In GUZMAN, Andrew (ed.). Cooperation, Comity, and Competition Policy. New York: Oxford University Press, 2011. p. 350). Ademais, embora muito mais raro, pode ocorrer que nenhum Estado seja suficientemente impactado pela conduta anticompetitiva, de sorte que nenhum país reivindique a competência e aja para combater tal prática (FOX, Eleanor. op. cit. p. 373).

164 Como já afirmado, há várias diferenças entre as legislações nacionais, visto que elas não existem no vácuo, mas, ao revés, são expressão dos valores e objetivos de uma determinada sociedade, refletindo preocupações distintas (CELLI JÚNIOR, Umberto. op. cit. p. 57/58).

165 Tal situação é problemática não apenas para os Estados, mas também para os agentes econômicos, que passam a ter de estar atentos e a adaptar suas atividades às peculiaridades de cada lugar onde operam. Necessitam, portanto, lidar com normas e procedimentos de diversos países, havendo o risco de suas condutas receberem tratamento diferente em cada jurisdição. É evidente que isso eleva o custo das empresas, retardando o desenvolvimento do comércio internacional e dificultando a realização de operações econômicas internacionais (MARQUES, Frederico do Valle Magalhães. op. cit. p. 204; SWEENEY, Brendan. Combating Foreign Anti-Competitive Conduct: What Role for Extraterritorialism? Melbourne Journal of International Law, Vol. 8, No. 1, 2007. p. 51).

166 WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 66; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 41/42; FOX, Eleanor. op. cit. p. 358; ADOLPHSEN, Jens. op. cit. p. 161; NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Defesa da Concorrência e Globalização Econômica: O Controle da Concentração de Empresas. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 163/165; KOJIMA, Takaaki. International Conflicts over the Extraterritorial Application of Competition Law in a Borderless Economy. Fellowship paper, Weatherhead Center for International Affairs, Harvard University, 2001- 2002. Disponível em: <http://programs.wcfia.harvard.edu/fellows/files/kojima.pdf>. Acesso em: 05/09/2016. p. 23/24.

Antitruste é ainda limitado ao nível nacional, e isso não será alterado num futuro próximo, de sorte que os problemas daí decorrentes vão continuar a ser uma realidade. Em outras palavras, a persecução a cartéis internacionais permanecerá a ser realizada pelas autoridades nacionais, as quais deverão continuar a trabalhar para superar as restrições das legislações antitruste, projetadas para lidar com ilícitos domésticos. É nesse sentido que a sequência deste trabalho se pautará, dedicando-se a analisar três desafios concretos que o Direito da Concorrência precisa enfrentar quando da regulação de cartéis internacionais, relacionados a três fases distintas dos procedimentos: a definição dos efeitos, os programas de leniência e a fixação das sanções.

3.2 A DEFINIÇÃO DE EFEITOS PARA FINS DE APLICAÇÃO EXTRATERRITORIAL

Outline

Documentos relacionados