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A sofisticação dos cartéis internacionais e a dificuldade na obtenção de prova de sua

2 DA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ANTICOMPETITIVAS: OS

2.2 OS CARTÉIS INTERNACIONAIS

2.2.5 A sofisticação dos cartéis internacionais e a dificuldade na obtenção de prova de sua

Como visto acima, os cartéis, para poderem ter sua existência consolidada, precisam instituir eficientes mecanismos para superar a instabilidade inerente ao conluio. Além disso, diante da crescente atividade de enforcement antitruste em todo o mundo (tema que será examinado na próxima seção), faz-se necessário que os cartéis aperfeiçoem sua estrutura e modo de operação para não serem descobertos.

Nesse contexto, fica cada vez mais difícil encontrar uma prova concludente (uma smoking gun). Salvo casos patológicos, tem ficado para trás o tempo em que os agentes envolvidos no cartel produziam documentos hábeis a comprovar o conluio, como atas das

112 LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. What Determines Cartel Success? p. 44/75; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. International Cartels. p. 1117/1126. Vide os referidos textos para uma análise mais detalhada de cada um desses desafios e dos mecanismos encontrados pelos agentes para superá-los, de sorte a constituir cartéis internacionais que sobrevivam.

113 GRIFFIN, James. An Inside Look at a Cartel at Work: Common Characteristics of International Cartels. U.S. Department of Justice, Remarks before the American Bar Association Section of Antitrust Law 48th Annual Spring Meeting. Washington, D.C., April 6, 2000. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/spech/inside-look-cartel- work-common-characteristics-international-cartels>. Acesso em: 31/07/2016; SANTOS, Karla Margarida Martins. Cartéis Internacionais: uma Abordagem dos Mecanismos Extraterritoriais de Persecução. p. 73/78.

reuniões onde há a fixação do preço e a repartição do mercado, minutas do acordo e tabelas das quotas114.

Diante disso, constata-se, nos últimos anos, uma verdadeira sofisticação nas atividades dos cartéis, nomeadamente os internacionais, o que torna a luta contra tais acordos ainda mais complexa. Essa sofisticação é refletida, por exemplo, no nível de detalhes dos acordos pelos quais os cartéis são instituídos, nos mecanismos empregados para monitorar e controlar a adesão dos membros ao conluio e na habilidade dos participantes de fazerem uso das fronteiras geográficas para evitar reuniões em jurisdições nas quais é alto o risco de serem detectados e processados115.

É evidente que os membros do cartel continuam-se encontrando e trocando informações hábeis a revelar a existência do acordo. Afinal, como acima afirmado, é fundamental que haja a coordenação da atuação dos agentes econômicos para que o cartel possa prosperar, o que os obriga a instituir um mecanismo de controle relativamente detalhado116. A comunicação continua ocorrendo, sobretudo, no nível mais alto da empresa, envolvendo altos executivos, responsáveis pela determinação do quadro geral do cartel. Tais reuniões costumam ser realizadas duas (e em alguns casos até mesmo quatro) vezes ao ano. Em paralelo, há um nível abaixo, formado por executivos hierarquicamente inferiores, responsáveis pelo funcionamento do dia a dia do cartel em conformidade com os termos acordados de antemão, encontrando-se com mais frequência117.

Entretanto, a forma pela qual se dão esses mecanismos de comunicação e troca de informações tem-se alterado profundamente. Ao invés de documentos de papel, há, hoje, uma grande quantidade de troca de informações eletrônicas, através de e-mails, videoconferências, smartphones, tablets e redes sociais. O fluxo de dados transfronteiras118 toma novas formas, e

114 FORGIONI, Paula. op. cit. p. 352; HOLZHÄUSER, Michael. Fishing for the Smoking Gun – The Shift from Dawn Raids to E-Raids and the Use of Forensic IT Tools in Cartel Investigations. Business Law Magazine, No. 1, June 26, 2014. Disponível em: <http://www.businesslaw-magazine.com/2015/03/30/fishing-for-the-smoking- gun>. Acesso em: 01/08/2016. p. 25; ITALIANER, Alexandre. Zero Tolerance for International Cartels. Discurso proferido pelo Diretor Geral da DG Concorrência/Comissão Europeia, no ICN Cartel Workshop, realizado em Bruges, Bélgica, entre os dias 10 e 13 de outubro de 2011. Disponível em: <http://ec.europa.eu/competition/speech es/text/sp2011_11_en.pdf>. Acesso em: 01/08/2016.

115 INTERNATIONAL COMPETITION POLICY ADVISORY COMMITTEE (ICPAC). Final Report to the Attorney General and Assistant Attorney General for Antitrust. U.S. Department of Justice, February 28, 2000. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/final-report>. Acesso em: 01/08/2016. p. 171.

116 OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. op. cit. p. 66.

117 LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. International Cartels. p. 1118/1119, 1122.

118 A OCDE tem interessante estudo sobre o fluxo de dados transfronteiras, o qual, embora realizado sob o prisma da proteção à privacidade, possui uma série de elementos que auxiliam a melhor compreender as transformações por que passam a transferência de informações na sociedade contemporânea: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Report on the Cross-Border Enforcement of Privacy Laws. Paris: OECD, 2006. Disponível em: <http://www.oecd.org/sti/ieconomy/37558845.pdf>. Acesso em: 01/08/2016.

estes passam a ser armazenados em nuvens virtuais. Além disso, codinomes, e-mails anônimos e técnicas de criptografia são empregados na tentativa de esconder a identidade e as atividades ilícitas das empresas e dos indivíduos. Há, também, novos métodos para a destruição das evidências119.

Nesse cenário, o uso de algoritmos computacionais e de máquinas eleva o espectro possível das infrações, permitindo a consecução de acordos anticompetitivos progressivamente mais complexos. Por exemplo, algoritmos podem ser usados para automatizar as reações dos conspiradores frente às evoluções do mercado, diminuindo a necessidade de uma coordenação permanente entre os participantes do cartel120. Dessa forma, fica cada vez mais clara a superação do modelo tradicional de colusão, baseado em uma convergência de vontades entre os agentes econômicos, por meio de seus empregados, diretores ou acionistas, já se discutindo, inclusive, a operacionalização de cartéis através de inteligência artificial121.

O caso dos cartéis internacionais é ainda mais complexo, por envolver atividades dispersas por inúmeras jurisdições. Desse modo, não só os eventuais indícios são poucos e difíceis de serem encontrados, como também estão espalhados por vários países, dificultando ainda mais o trabalho de investigação das autoridades antitruste122.

Contudo, a atuação do cartel vai sempre deixar algum rastro, por mais que os participantes ajam para destruir as evidências incriminadoras123. Portanto, em paralelo à sofisticação das estratégias dos agentes econômicos para evitar serem descobertos, é preciso que haja, igualmente, uma modernização das técnicas investigativas das autoridades da concorrência124.

119 HOLZHÄUSER, Michael. op. cit. p. 25.

120 Em 2015, por exemplo, o Department of Justice (DOJ) norte-americano acusou um esquema envolvendo vendedores de pôsteres no Amazon que haviam acordado em alinhar seus algoritmos com o fito de aumentar os preços dos produtos vendidos (United States v. David Topkins, No. 15-CR-201, N.D. Cal. (Apr. 6, 2015). 121 MCSWEENY, Terrell. Competition Law: Keeping Pace in a Digital Age. Discurso de abertura do Comissário da Federal Trade Commission, no 16th Annual Loyola Antitrust Colloquium. Chicago, 15 de abril de 2016. Disponível em: <https://www.ftc.gov/public-statements/2016/04/competition-law-keeping-pace-digital- age>. Acesso em: 17/09/2016; EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice. Artificial Intelligence & Collusion: When Computers Inhibit Competition. University of Tennessee Legal Studies Research Paper No. 267, May 2015. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2591874>. Acesso em: 17/09/2016. p. 2/3, 7/9. Neste último artigo, os autores fazem uma interessante análise sobre a aplicação do Direito Antitruste em um ambiente comercial computadorizado evoluído. Eles apresentam quatro tipos de colusão, consoante os níveis de desenvolvimento tecnológico e algoritmos utilizados (Messenger, Hub and Spoke, Predictable Agent e Autonomous Machine), e os desafios que eles apresentam para as autoridades antitruste, relacionados, v. g., à definição de acordo, aos limites entre a legalidade e a colusão, à responsabilidade dos criadores de algoritmos, ao relacionamento entre humanos e máquinas e à criação de máquinas éticas e cumpridoras das leis.

122 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Prosecuting Cartels without Direct Evidence of Agreement. p. 180.

123 HARDING, Christopher; JOSHUA, Julian. Regulating Cartels in Europe. New York: Oxford University Press, 2010. p. 178.

Nesse sentido, torna-se fundamental o uso da coleta de provas digitais pelas agências antitruste como ferramenta para se lutar contra os cartéis. Os arquivos e programas digitais contêm metadados, os quais podem fornecer informações sobre a origem, o tamanho e formato do dado digital, incluindo o autor de um arquivo e a data em que ele foi criado, alterado pela última vez, acessado ou apagado. É possível, também, obter dados relativos à troca de informações, à identidade do remetente e do destinatário e às ações que os agentes efetuaram com tais informações. Essas técnicas permitem, pois, o acesso a um novo mundo de informações antes inimagináveis125.

Inúmeras autoridades antitruste têm-se aperfeiçoado e passam a contar com softwares de ferramenta de buscas e são auxiliados pela computação forense para realizar investigações. Nesse sentido, muitas jurisdições já operam buscas e apreensões digitais, com o fito de obter dados eletrônicos. Para o sucesso de tais atividades, contudo, é preciso que os funcionários sejam demasiado capacitados e atualizados periodicamente dos últimos desenvolvimentos tecnológicos. Além disso, também se faz necessário investir com regularidade nas técnicas forenses utilizadas para a coleta de provas digitais, já que, como visto, os agentes econômicos vão-se aperfeiçoando e descobrindo novas formas para escapar do controle126. Todavia, cabe ressaltar que a modernização da atuação das agências antitruste deve ser efetivada sempre com respeito ao devido processo legal e a todos os demais direitos individuais incidentes.

Por outro lado, em que pese a importância do desenvolvimento de novas técnicas e o uso da computação forense, a sofisticação jurídica da atividade das autoridades antitruste para a obtenção de provas de cartéis internacionais só será realmente eficiente se for estabelecida ou aperfeiçoada a cooperação internacional entre as agências nacionais (tema que será abordado com mais profundidade na terceira parte deste trabalho). Como visto, as provas de tais conluios estão dispersas por várias jurisdições, sendo preciso uma eficaz cooperação entre as respectivas autoridades para que as investigações possam produzir resultados. E isso se dá inclusive nos casos de provas a serem colhidas por meio digital, visto que aí também se faz indispensável a assistência da autoridade em cuja jurisdição as informações estão armazenadas127.

125 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Cartel Working Group, Subgroup 2 – Enforcement Techniques. Anti-Cartel Enforcement Manual. Chapter on Digital Evidence Gathering. Versão atualizada em 2014. Disponível em: <http://www.internationalcompetitionnetwork.org/uploads/library/doc1006. pdf>. Acesso em: 02/08/2016. p. 4, 7/8.

126 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Cartel Working Group, Subgroup 2 – Enforcement Techniques. Anti-Cartel Enforcement Manual. Chapter on Digital Evidence Gathering. p. 7/12. Vide esse documento para uma visão das abordagens atuais dos membros da ICN sobre a coleta de provas digitais. Especificamente em relação a tal prática na União Europeia, vide HOLZHÄUSER, Michael. op. cit. p. 25/29 e ITALIANER, Alexandre. op. cit.

127 Muitas vezes, porém, a determinação da localização geográfica de dados armazenados eletronicamente em servidores ou em nuvens digitais é bastante difícil, o que pode atrapalhar as investigações (ORGANISATION

Entretanto, em que pese todos esses avanços, a maior parte das provas obtidas que permite a condenação dos cartéis internacionais advém de programas de leniência, os quais serão objeto de estudo na segunda parte deste trabalho.

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