• Nenhum resultado encontrado

4 DAS PERSPECTIVAS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO DA

4.1 A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL COMO INSTRUMENTO PARA A

4.1.4 A cooperação bilateral em matéria antitruste

4.1.4.2 Objetivos e evolução da cooperação bilateral

A realização da cooperação bilateral (e, igualmente, a celebração de acordos bilaterais, como instrumentos daquela) objetiva, sob o âmbito material, evitar ou minimizar os conflitos de jurisdições e os riscos de decisões divergentes, gerar uma proteção mútua dos legítimos interesses dos Estados envolvidos, bem como promover a convergência, a qual representa uma importante estratégia para a internacionalização do Direito da Concorrência. De fato, os benefícios da cooperação entre autoridades vão além dos casos individuais, proporcionando o desenvolvimento de um entendimento comum em relação ao antitruste, o que consubstancia uma alternativa, ainda que complementar, à harmonização das legislações nacionais. Já do ponto de vista procedimental, visa-se a aumentar a eficiência das investigações e a efetividade das atividades de enforcement das partes. Em realidade, a cooperação se faz aí indispensável, visto que várias diligências e medidas necessárias ao exame dos casos transfronteiriços

518 WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 169/170; PAPADOPOULOS, Anestis. op. cit. p. 59, 62. Destaque-se que, ainda quando fundada em acordos entre os Estados, a cooperação será, geralmente, dotada de informalidade, consubstanciando-se através de e-mails, telefonemas e conferências on-line.

519 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Report on the OECD/ICN Survey on International Enforcement Co-operation. p. 52; INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). ICN Cartel Working Group, Subgroup 2 – Enforcement Techniques. Anti-Cartel Enforcement Manual. Chapter on International Cooperation and Information Sharing. p. 10/11; PAPADOPOULOS, Anestis. op. cit. p. 60.

dependem de atos a serem realizados no exterior, como a obtenção de documentos e depoimentos de pessoas localizados no estrangeiro. Dessa forma, ausente a cooperação, o Estado não teria como ter acesso a tais informações, devido às restrições impostas pelos princípios de Direito Internacional. Nesse mesmo sentido, a execução das decisões em território estrangeiro também exige a cooperação com o Estado respectivo. Por fim, a cooperação na definição das sanções a serem impostas pode igualmente aumentar a dissuasão das condutas transnacionais, consoante já comentado520.

Sob esse prisma, foram os Estados Unidos que tomaram a dianteira no processo de assinatura de acordos bilaterais de cooperação, como uma resposta à crescente demanda dos outros países em estabelecer um tratamento multilateral para as questões da concorrência. Para aquele país, a via bilateral se mostrava muito mais condizente com seus interesses, tendo em vista que não lhe seria retirado o controle sobre as causas por ele julgadas, ao mesmo tempo em que lhe garantiria maior poder de barganha, por ser mais fácil impor seu ponto de vista em se negociando isoladamente com cada Estado. Nesse sentido, já na década de 1960, os Estados Unidos influenciaram a discussão do tema na OCDE, tendo resultado, em 1967, na primeira recomendação incentivando a celebração de acordos de cooperação em matéria antitruste, com o fito de se evitar conflitos de políticas concorrenciais e comerciais nacionais521-522. Entretanto, cabe ressaltar que a opção pela assinatura de tais acordos não resulta unicamente de uma imposição norte-americana, refletindo, também, o desejo de várias outras jurisdições, que veem em tal abordagem uma via efetiva para a redução dos problemas decorrentes da aplicação extraterritorial do Direito da Concorrência, hoje permitida pela maior parte dos países523.

O primeiro acordo de cooperação bilateral em matéria antitruste foi celebrado em 1976, entre os Estados Unidos e a Alemanha524, ao que seguiram outros acordos, na década de 1980,

520 WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 142; DABBAH, Maher. Future Directions in Bilateral Cooperation: A Policy Perspective. p. 289; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 244; GERBER, David. op. cit. p. 108/109; JENNY, Frederic. op. cit. p. 982/983; CAPOBIANCO, Antonio; DAVIES, John; ENNIS, Sean. Implications of Globalisation for Competition Policy: The Need for International Cooperation in Merger and Cartel Enforcement. E15Initiative. Geneva: International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD) and World Economic Forum, 2015. Disponível em: <http://e15initiative.org/publications/implications-of-globalisation-for- competition-policy-the-need-for-international-cooperation-in-merger-and-cartel-enforcement/>. Acesso em: 04/12/2016. p. 2.

521 Tal recomendação foi revisada inúmeras vezes, a versão mais recente, datada de 2014, tendo sido acima comentada, na seção referente à OCDE.

522 OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. op. cit. p. 345; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 432/433.

523 JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 246.

524 Apesar de tal acordo ter sido o primeiro do gênero, a doutrina lembra que o primeiro esforço de dois governos no sentido de construir canais de comunicação referentes a questões antitruste, através de consultas e notificações, tratou-se do Fulton-Rogers Understanding, de 1959, entre os Estados Unidos e o Canadá. Tal iniciativa decorreu do conflito que emergiu no início dos anos 1950 entre os dois países, na sequência do qual eles concordaram em

entre os Estados Unidos e o Canadá e os Estados Unidos e a Austrália. Tais instrumentos estabeleceram uma abordagem comum de trabalho em matérias de interesse mútuo, de sorte a evitar atritos que poderiam decorrer das atividades de enforcement das partes, introduzindo a ideia da cortesia negativa, a seguir analisada525. É, todavia, na década de 1990, que há um grande aumento de tais acordos, tanto em número, como em escopo, em decorrência da proliferação de legislações de defesa da concorrência pelo mundo, bem como da multiplicação das condutas anticompetitivas transfronteiriças526.

O grande marco desse processo é o acordo concluído pelos Estados Unidos e a União Europeia, em 1991, complementado por outro acordo em 1998, através dos quais os dois grandes polos antitruste mundiais estabeleceram laços de cooperação e coordenação entre suas autoridades de defesa da concorrência para o controle dos atos de concentração e a repressão das práticas anticompetitivas cometidas no âmbito de seus limites geográficos e que produzissem efeitos no território da outra parte. A importância de tais instrumentos decorre do seu caráter inovador, ao desenvolver em mais detalhes determinadas matérias até então tratadas de modo genérico (como a troca de informações), ao aprofundarem a cooperação das autoridades antitruste a um nível até então inexistente e ao introduzirem novos conceitos, como o da cortesia positiva, o qual será melhor examinado abaixo. Nesse sentido, tais acordos têm sido utilizados, até hoje, como modelo para a maioria dos instrumentos do gênero, mesmo aqueles celebrados entre terceiros países. Ressalta-se, ademais, que neles estão implicitamente reconhecidas a teoria dos efeitos e a possibilidade de haver decisões concorrentes, o que só corrobora o papel complementar à extraterritorialidade exercido pela cooperação bilateral. Ao longo dos últimos 25 anos, tais acordos, ao lado de outros instrumentos celebrados pelas duas jurisdições, permitiram uma estreita colaboração entre ambas. Ainda que haja deficiências no

coordenar suas atividades de enforcement para evitar controvérsias similares (PAPADOPOULOS, Anestis. op. cit. p. 52/53).

525 Questiona-se, entretanto, a importância de tais acordos, alguns considerando sua relevância como marginal (TERHECHTE, Jörg Philipp. International Competition Enforcement Law: Between Cooperation and Convergence. Berlin; Heidelberg: Springer, 2011. p. 10).

526 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. op. cit. p. 170/171; WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 143; MELAMED, Douglas. International Cooperation in Competition Law and Policy: What Can Be Achieved at the Bilateral, Regional, and Multilateral Levels. Journal of International Economic Law, Vol. 2, Iss. 3, 1999. p. 426; FOX, Eleanor. Competition Law: Linking the World. In BERMANN, George; HERDEGEN, Matthias; LINDSETH, Peter (ed.). Transatlantic Regulatory Cooperation: Legal Problems and Political Prospects. New York: Oxford University Press, 2000. p. 244.

sistema, poucos foram os casos que efetivamente geraram divergências527, de sorte que a cooperação entre os Estados Unidos e a UE é considerada um grande sucesso528-529.

Todavia, os acordos entre os Estados Unidos e a União Europeia, bem como a grande maioria dos outros instrumentos bilaterais em matéria de defesa da concorrência (os quais, como visto, seguem o modelo daqueles), dizem respeito apenas à troca de informações não confidenciais. Nesse contexto, faz-se relevante aduzir à classificação tradicionalmente efetuada entre os acordos de primeira e de segunda geração, em conformidade com a intensidade de cooperação pretendida. Os acordos ditos de primeira geração, também chamados de convênios suaves, referem-se àqueles que, em princípio, não permitem às agências antitruste o acesso a informações sigilosas, a menos que haja o consentimento prévio da fonte da informação (através dos já mencionados termos de renúncia de confidencialidade). Por essa razão, em tais casos, a cooperação tende a ser mais bem sucedida no controle de concentrações que nas investigações de cartéis. É que as empresas participantes dos processos de concentração possuem um incentivo para conceder a dispensa do sigilo, visto que desejam a aprovação do ato, o que pode ser facilitado através da cooperação. Por outro lado, para os agentes investigados por prática de cartel, não se mostra interessante renunciar à confidencialidade, já que tal fato os exporia a sanções adicionais em outras jurisdições. Entretanto, o mesmo não se pode dizer dos beneficiários de leniência530, os quais, consoante já analisado, costumam dispensar a confidencialidade em relação às autoridades perante as quais também requereram o benefício531.

Já os acordos de segunda geração visam a aprofundar ainda mais a cooperação e aumentar sua efetividade, de modo que possibilitam a disponibilização de informações confidenciais, sem que seja necessário um termo de renúncia por parte da fonte da informação. Os primeiros acordos de segunda geração foram celebrados pelos Estados Unidos e Austrália, em 1999, e pela Dinamarca, Islândia e Noruega, em 2001 (incluindo também, a partir de 2003,

527 Nesse sentido, por exemplo, as concentrações entre Boeing e McDonell Douglas e entre General Electric e Honeywell.

528 Contudo, tal relação não pode ser tida uma regra no domínio do antitruste, representando, em realidade, uma exceção a ser seguida pelas outras jurisdições (DABBAH, Maher. Future Directions in Bilateral Cooperation: A Policy Perspective. p. 293).

529 JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 250; WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 144/145; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 436/438; DABBAH, Maher. Future Directions in Bilateral Cooperation: A Policy Perspective. p. 290/294; PAPADOPOULOS, Anestis. op. cit. p. 61, 64; FOX, Eleanor. Competition Law: Linking the World. p. 245/247; DABBAH, Maher. The Internationalisation of Antitrust Policy. p. 112/116; BRADFORD, Anu. op. cit. p. 323/324.

530 E também para as partes que assinaram outros acordos com as autoridades antitruste, tal qual o TCC.

531 WEBBER, Marianne Mendes. op. cit. p. 147; OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. op. cit. p. 346; SANTOS, Karla Margarida Martins. Os Cartéis Internacionais e a Transnacionalização das Decisões do Direito Concorrencial. p. 80; BRADFORD, Anu. op. cit. p. 323.

a Suécia). Todavia, poucos são os acordos de segunda geração existentes, a grande maioria ainda sendo instrumentos suaves, como é o caso de todos aqueles celebrados pelo Brasil. Isso ocorre não apenas pelo fato de os acordos de segunda geração demandarem alto grau de comprometimento e de confiança mútua entre as autoridades, o que pressupõe elevada maturidade institucional delas, mas igualmente por esbarrarem em princípios protetivos do interesse nacional ou em legislações domésticas que proíbem o compartilhamento de informações sigilosas sem o consentimento prévio de sua fonte. Nesse sentido, como antes aduzido, a OCDE, através da recomendação sobre a cooperação internacional de 2014, incentiva que os Estados adotem, no âmbito nacional, mecanismos de comunicação de informação (information gateways), para que sejam celebrados mais acordos de segunda geração. Vale destacar que os Estados Unidos sancionaram uma lei nesse sentido, já em 1994, o International Antitrust Enforcement Assistance Act (IAEAA), permitindo ao DOJ e à FTC compartilharem informações confidenciais, independentemente de termos de renúncia, o que autorizou a celebração do supramencionado acordo com a Austrália. Porém, poucos são os países que possuem leis nesse sentido, outros exemplos sendo a Holanda, Malta e o Paquistão532-533.

Outline

Documentos relacionados