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2 DA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ANTICOMPETITIVAS: OS

3.2 A DEFINIÇÃO DE EFEITOS PARA FINS DE APLICAÇÃO EXTRATERRITORIAL

3.2.1 A evolução da teoria dos efeitos nos Estados Unidos

3.2.1.3 O Foreign Trade Antitrust Improvements Act (FTAIA)

A segunda medida adotada unilateralmente pelos Estados Unidos para tentar mitigar os problemas decorrentes da aplicação extraterritorial do Direito Antitruste foi a promulgação do Foreign Trade Antitrust Improvements Act, em 1982, que incluiu a Section 6(a) ao Sherman Act. A elaboração do FTAIA foi motivada por duas preocupações. A primeira foi atender as reclamações das empresas norte-americanas de que o enforcement antitruste impedia o aumento da eficiência de suas atividades de exportação, restringindo sua capacidade de competir com agressividade no plano internacional. A segunda foi a correção de possíveis ambiguidades nos padrões legais a serem empregados para se determinar se a jurisdição norte-americana deveria ser exercida, ou seja, esclarecer o âmbito de aplicação da teoria dos efeitos, de modo a estabelecer um standard a ser utilizado uniformemente pelos tribunais187.

Nesse contexto, o FTAIA fixou, como regra geral, a não incidência do Sherman Act sobre práticas comerciais voltadas ao comércio de exportação norte-americano, salvo nos casos em que elas tenham um efeito direto, substancial e razoavelmente previsível sobre o comércio interno, sobre o comércio exterior de importação dos Estados Unidos ou, ainda, sobre o

186 SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 145/161; SWAINE, Edward. op. cit. p. 12/13; DABBAH, Maher. The Internationalisation of Antitrust Policy. p. 171/175; DAM, Kenneth. Extraterritoriality in an Age of Globalization: The Hartford Fire Case. The Supreme Court Review, Vol. 1993, 1993. p. 289/328; POPOFSKY, Mark. op. cit. p. 2424/2426; ALFORD, Roger. op. cit. p. 12/16; JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 77/79. 187 POPOFSKY, Mark. op. cit. p. 2426; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 166; REZZOUK, Med. Cartels Globaux, Riposte Américaine. L'Ère Empagran ?. Revue Internationale de Droit Économique, t. XIX, 1, 2005. p. 59/60.

comércio exterior de exportação, quando haja uma pessoa envolvida nesse comércio nos Estados Unidos. Tais hipóteses excepcionais de aplicação do Sherman Act são chamadas de exceções de dano doméstico (domestic-injury exception)188.

O FTAIA estabeleceu, então, um teste uniforme (FTAIA-Test) para determinar o alcance extraterritorial do Sherman Act em relação às condutas envolvendo comércio (e que não digam respeito a importações) com nações estrangeiras. Em primeiro lugar, é necessário que o comportamento tenha um efeito direto, substancial e razoavelmente previsível no comércio exterior (doméstico, de importação ou de exportação) norte-americano. Em segundo lugar, é preciso que tal efeito dê ensejo a um pedido com fundamento no Sherman Act. Além disso, no caso de condutas envolvendo comércio exterior de exportação, é preciso, ainda, que haja prejuízos para atividades exportadoras localizadas nos Estados Unidos189.

Contudo, mais uma vez, não foram especificados os critérios para a definição desses elementos, o que tem gerado controvérsias até o presente. Por exemplo, enquanto o Ninth Circuit afirmou que o efeito deve ser entendido como direto se consubstanciar uma consequência imediata, sem acontecimentos intermediários, da atuação do agente190, o Seventh e o Second Circuits definem como direto aquele efeito que tem um nexo causal razoavelmente próximo com o comportamento191. Em relação à substancialidade (elemento que já havia sido incorporado ao teste dos efeitos, consoante antes analisado), não há qualquer previsão acerca de critérios quantitativos que permitam aferir, de forma objetiva, o parâmetro da afetação do comércio ou da concorrência, de modo que as decisões têm realizado uma análise subjetiva do caso concreto, variando sobremaneira na sua definição. Por sua vez, também há grande disparidade na interpretação da previsibilidade razoável dos efeitos, presumindo-se, em geral, que um efeito substancial e direto nos Estados Unidos é considerado como razoavelmente previsível192.

188 JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 79; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 165; DRESNICK, Jordan; PIRO, Kimberley; ENCINOSA, Israel. op. cit. p. 469/470; TAFFET, Eric. The Foreign Trade Antitrust Improvements Act's Domestic Injury Exception: A Nullity for Private Foreign Plaintiffs Seeking Access to American Courts. Columbia Journal of Transnational Law, Vol.50, No. 1, Fall, 2011. p. 219/220.

189 POPOFSKY, Mark. op. cit. p. 2427; ALFORD, Roger. op. cit. p. 16. 190 Caso United States v. LSL Biotechnologies, 379 F.3d 672, 9th Cir. (2004).

191 Caso Minn-Chem, Inc. v. Agrium Inc., 683 F.3d 845, 7th Cir. (2012) e caso Lotes Co. v. Hon Hai Precision Indus. Co., 753 F.3d 395, 2nd Cir. (2014).

192 DUBOIS, Rene. Understanding the Limits of the Foreign Trade Antitrust Improvement Act Using Tort Law Principles as a Guide. New York Law School Law Review, Vol. 58, No. 3, 2013/2014. p. 716/722; DRESNICK, Jordan; PIRO, Kimberley; ENCINOSA, Israel. op. cit. p. 470/472, 484/486; GREENFIELD, Leon; CHERRY, Steven; LANGE, Perry; STANLEY, Jacquelyn. Foreign Component Cartels and the U.S. Antitrust Laws: a First Principle Approach. Antitrust, Vol. 29, No. 2, Spring 2015. p. 21; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 121/132.

A questão é ainda mais problemática no que se refere à segunda exigência da exceção de dano doméstico, isto é, a de que o efeito dê ensejo a um pedido com base no Sherman Act. Este é, na prática, o elemento do FTAIA-Test mais decisivo para determinar se a conduta pode- se submeter à jurisdição dos Estados Unidos. Aqui, mais uma vez, há grande divergência na jurisprudência norte-americana. De início, o Fifth Circuit afirmou que o comportamento alegado deveria dar origem ao pedido do autor, isto é, seria necessário provar que o efeito no comércio doméstico que tivesse dado ensejo à jurisdição havia levado ao dano. Dever-se-ia, pois, questionar se os prejuízos sofridos pelo demandante resultaram dos efeitos anticompetitivos sentidos nos Estados Unidos193. Posteriormente, o Second Circuit apresentou um posicionamento muito mais permissivo, exigindo apenas que a prática invocada tivesse violado as regras substantivas do Sherman Act, ainda que não tivesse causado o dano do autor. Ou seja, o efeito no território norte-americano deveria dar ensejo a uma demanda e não à demanda específica do caso concreto, adotando-se a análise per se194. Por sua vez, ao julgar o caso Empagran195, o D.C. Circuit adotou um terceiro parâmetro, intermediário entre os outros dois, aduzindo ser necessário haver uma dano doméstico a algum agente privado, mas não necessariamente o pleiteante196.

A Suprema Corte decidiu tal controvérsia, no julgamento do caso Empagran197, alterando a posição do D.C. Circuit e determinando que a prática anticoncorrencial alegada deve dar ensejo ao dano sofrido pelo autor estrangeiro. Ficou definido, portanto, que a legislação antitruste dos Estados Unidos não se aplica às condutas praticadas no estrangeiro independentemente do mercado norte-americano, sendo preciso provar que o dano sofrido resultou do comportamento que causou efeitos perniciosos no país e que não ocorreu com independência desses efeitos. A decisão da Suprema Corte se centrou em dois argumentos. Em primeiro lugar, contrariando o decidido no caso Hartford (e citando um voto dissidente do referido julgado), invocou-se o Direito Internacional e a cortesia entre as nações, afirmando que a feição global do mercado ou do cartel não confere um caráter mundial ao Direito da Concorrência. Desse modo, trouxe à tona novamente a noção de que se deve evitar uma interferência excessiva na autoridade soberana de outras nações. Ademais, a Corte asseverou que o Congresso não desejou expandir o Sherman Act, de sorte que, ao tempo em que o FTAIA

193 Caso Den Norske Stats Oljeselskap As v. HeereMac Vof, 241 F.3d 420, 5th Cir., Tex. (2001). 194 Caso Kruman v. Christie’s Intern. PLC, 284 F.3d 384, 2nd Cir., N.Y. (2002).

195 Caso Empagran S.A. v. F. Hoffmann-La Roche, Ltd., 315 F.3d 338, D.C. Cir. (2003).

196 GREENFIELD, Leon; CHERRY, Steven; LANGE, Perry; STANLEY, Jacquelyn. op. cit. p. 21; TAFFET, Eric. op. cit. p. 222/223; REZZOUK, Med. Cartels Globaux, Riposte Américaine. L'Ère Empagran ?. p. 64; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 167/170.

foi editado, não se teria considerado aplicável o Direito Antitruste norte-americano ao caso em que uma vítima estrangeira sofreu um dano em um terceiro país, sem ligação com um efeito anticoncorrencial interior aos Estados Unidos. Outro argumento utilizado foi o fato de que, ao aceitar a jurisdição norte-americana no caso, os programas de leniência poderiam ser enfraquecidos198.

Entretanto, a Suprema Corte apenas decidiu o problema mais simples, deixando em aberto a questão de se as condutas exteriores dependentes do mercado norte-americano justificam o exercício extraterritorial da jurisdição dos Estados Unidos. Nesse sentido, não se definiu se um efeito estrangeiro que não pode existir sem um efeito interno norte-americano constituiria um efeito estrangeiro dependente. Isto é, se os tribunais norte-americanos têm competência para julgar uma demanda de um autor estrangeiro que se fundamenta numa prática que produz danos tanto domésticos quanto externos, em que os efeitos domésticos do comportamento global dá ensejo ao dano externo. Nesse contexto, o D.C. Circuit estabeleceu ser necessária uma relação causal direta ou próxima (proximate causation) entre o efeito doméstico e o dano estrangeiro, e não uma mera relação sine qua non (but for causation, de acordo com a qual o dano estrangeiro não teria existido se o efeito interno não tivesse sido produzido)199. O Eighth e o Ninth Circuits também adotaram um teste da causa próxima para a definição do segundo elemento da exceção de dano doméstico200. Assim, embora a Suprema Corte ainda não tenha-se manifestado sobre a questão, o padrão tem sido o entendimento de acordo com o qual o autor precisa, no FTAIA-Test, demonstrar uma nexo causal direto entre o efeito direto, substancial e razoavelmente previsível causado no território norte-americano e o dano. Os tribunais, contudo, não são claros na determinação do que efetivamente constitui uma causa próxima, permanecendo ainda grande incerteza nesse sentido201.

Por outro lado, vale ressaltar que o FTAIA é expresso ao excluir do seu âmbito de aplicação as atividades comerciais de importação dos Estados Unidos202. Dessa forma, em

198 TAFFET, Eric. op. cit. p. 223; REZZOUK, Med. Cartels Globaux, Riposte Américaine. L'Ère Empagran ?. p.

75/81; SWAINE, Edward. op. cit. p. 8; ADOLPHSEN, Jens. op. cit. p. 157.

199 Caso Empagran S.A. v. F. Hoffman-La Roche, Ltd., 417 F.3d 1267, D.C. Cir. (2005).

200 Caso Inquivosa SA v. Ajinomoto Co. (In re Monosodium Glutamate Antitrust Litig.), 477 F.3d 535, 8th Cir. (2007) e caso Centerprise Int'l Inc. v. Micron Technology, Inc. (In re Dynamic Random Access Memory Antitrust Litig.), 546 F.3d 981, 9th Cir. (2008).

201 DRESNICK, Jordan; PIRO, Kimberley; ENCINOSA, Israel. op. cit. p. 472/473; EZZOUK, Med. Cartels

Globaux, Riposte Américaine. L'Ère Empagran ?. p. 76, 82; TAFFET, Eric. op. cit. p. 224/227; BAUER, Joseph.

The Foreign Trade Antitrust Improvements Act: Do We Really Want to Return to American Banana?. Maine Law Review, Vol 65, No. 1, 2012. p. 15/16.

202 Alguns tribunais se referem a tal exclusão como a exceção de importação (import exception). Entretanto, não se trata, efetivamente, de uma exceção, mas da própria regra geral, posto que é o FTAIA quem prevê um regime especial.

relação aos atos de comércio de importação, o Sherman Act é integralmente aplicável, não sendo empregado o FTAIA-Test, mas o teste dos efeitos (ou, ainda, de acordo com o entendimento, o teste da regra jurisdicional da razão), consoante restou reafirmado no caso Hartford e em outros casos mais recentes203. Contudo, o FTAIA também não trouxe uma definição do que deve ser considerado comércio de importação. A questão mais complexa é saber se as importações indiretas devem, ou não, ser consideradas como importações nos termos do FTAIA. Mais especificamente, se componentes oriundos de cartel, vendidos antes no exterior e apenas depois importados pelos Estados Unidos, como parte de um produto finalizado204, devem ensejar a aplicação do Sherman Act ou do FTAIA. Nesse sentido, enquanto algumas cortes são mais restritivas, exigindo que haja uma transação de importação direta do produto cartelizado para o mercado norte-americano205, outras adotam uma posição mais permissiva, bastando que o objeto do cartel, ainda que integrante de um produto final, venha a adentrar no território dos Estados Unidos206. Desse modo, tal incerteza contribui ainda mais para as divergências na aplicação do FTAIA207.

Nesse contexto, embora, consoante mencionado, um dos objetivos visados pelo FTAIA tenha sido esclarecer e definir, com mais exatidão, o âmbito de aplicação da teoria dos efeitos, ele resultou em uma variedade inconsistente de entendimentos quanto à sua interpretação, sendo esta por vezes restritiva e por outras extensiva. Ora, tal instrumento legislativo possui uma

203 Por exemplo, o caso Minn-Chem, Inc. v. Agrium Inc., 683 F.3d 845, 7th Cir. (2012) e o caso United States v. Hui Hsiung, 758 F.3d 1074, 9th Cir. (2014).

204 Isto é, um produto cartelizado que integra uma cadeia global de valor.

205 Por exemplo, no caso Motorola Mobility LLC v. AU Optronics Corp., 775 F.3d 816, 7th Cir. (2015), o tribunal considerou que a compra de telas LCD (produto de cartel) pelas subsidiárias estrangeiras da Motorola, posteriormente incorporadas em smartphones importados pelos Estados Unidos, não configura comércio de importação nos termos do FTAIA, este devendo ser aplicado ao caso. Foi considerado como importação apenas a aquisição direta pela Motorola do produto cartelizado.

206 No caso Costco, por exemplo, determinou-se que a venda para os Estados Unidos, por um coconspirador, de um produto final, que contenha um componente objeto de cartel, constitui uma importação, excluindo a aplicação do FTAIA (Costco Wholesale Corp. v. AU Optronics Corp., No. C13-1207RAJ, W.D. Wash. (Sept. 22, 2014). O mesmo entendimento foi adotado no caso Fenerjian v. Nongshim Co. Ltd., 13-CV-04115-WHO, 2014 WL 5685562, N.D. Cal. (Nov. 4, 2014). Já no caso Animal Science Products, Inc. v. China Minmetals Corp., 654 F. 3d 462, 470, 3rd Cir. (2011), o tribunal determinou não ser necessário o cartelista agir como importador físico (direto). Ao revés, a questão relevante para a determinação do que constitui importação refere-se ao fato de o comportamento anticompetitivo alegado ter sido direcionado a um mercado de importação, ou seja, é preciso apenas que a conduta do agente se dirija a produtos ou serviços a serem importados para os Estados Unidos. 207 FIEBIG, Andre. Import Commerce and the Foreign Trade Antitrust Improvements Act. Northwestern Journal of International Law & Business, Vol. 35, No. 2, 2015. p. 1A-11A; ALFORD, Roger. op. cit. p. 17; BAUER, Joseph. op. cit. p. 11; SILVA, Valéria Guimarães de Lima e. op. cit. p. 166; GREENFIELD, Leon; CHERRY, Steven; LANGE, Perry; STANLEY, Jacquelyn. op. cit. p. 20; STUTZ, Randy. The FTAIA in Flux: Foreign Component-Goods Cases Have Tripped, But Have They Fallen? CPI Antitrust Chronicle, Vol. 1, No. 2, Winter 2015. p. 3; SOWELL, Robert. New Decisions Highlight Old Misgivings: A Reassessment of the Foreign Trade Antitrust Improvements Act Following Minn-Chem. Florida Law Review, Vol. 66, Iss. 1, 2014. p. 537/540.

linguagem extremamente truncada, tendo sido redigido com pouca elegância208, de sorte que pouco contribuiu para solucionar a confusão relativa à aplicação extraterritorial do antitruste norte-americano209. Ao revés, na prática, o FTAIA veio, de fato, exonerar ainda mais da aplicação da legislação norte-americana as atividades de exportação dos Estados Unidos contra empresas ou Estados estrangeiros (como os cartéis de exportação), desde que não afetassem de modo direto, previsível e substancial o comércio norte-americano ou as empresas situadas no país dedicadas ao comércio de exportação210.

Diante disso, fica evidente que os tribunais norte-americanos não são uniformes na interpretação do Sherman Act, nomeadamente no que concerne à teoria dos efeitos. Nesse sentido, não se pode afirmar que existe uma definição objetiva dos efeitos que justificam a aplicação extraterritorial da legislação concorrencial dos Estados Unidos. Consoante analisado, há, ao menos, três métodos para sua caracterização, quais sejam o teste dos efeitos, a doutrina da cortesia e o FTAIA-Test211. E apesar das contribuições que eles fornecem, ainda há, em cada um desses métodos, uma série de questões que são mantidas em aberto. Permanece-se, pois, com grande insegurança jurídica, não se podendo afirmar, com precisão, quando a jurisdição antitruste norte-americana será aplicada a atos anticompetitivos praticados no exterior.

3.2.2 A teoria dos efeitos no Brasil

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