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4 DAS PERSPECTIVAS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO DA

4.1 A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL COMO INSTRUMENTO PARA A

4.1.3 As iniciativas em foros regionais

As últimas décadas foram marcadas por uma proliferação de acordos regionais de comércio em todos os continentes, podendo aqueles, entretanto, assumir diferentes graus de aprofundamento, consoante o objetivo visado pelas partes505. Cada vez mais frequentemente, tais acordos incluem regras e até mesmo capítulos específicos sobre a concorrência. Embora não haja consenso sobre as razões pelas quais os referidos instrumentos introduzem tais disposições, parece que estas objetivam salvaguardar a concorrência no mercado cujas fronteiras não mais coincidem com aquelas das políticas antitruste nacionais. Dessa forma, as questões de concorrência não seriam incluídas por seu valor intrínseco, mas pelo fato de que

501 SILVEIRA, Paulo Burnier da; OLIVEIRA, Giovanna Bakaj Rezende. op. cit. p. 11/12. 502 Idem. Ibidem. p. 13/14.

503 Nesse sentido, SOKOL, Daniel. op. cit. p. 202; GERBER, David. op. cit. p. 116.

504 Embora a denominação regionalismo seja objeto de inúmeras discussões, refere-se, aqui, a seu sentido mais amplo, não limitado ao critério geográfico, de sorte a se qualificar como regional aquelas iniciativas que não são multilaterais, isto é, que não têm escopo universal. Ver, nesse sentido, DEBLOCK, Christian. Le régionalisme commercial. Y a-t-il encore un pilote dans l’avion ?. Revue Interventions Économiques [on-line], Vol. 55, 2016. p. 16/17. Disponível em: <http://interventionseconomiques.revues.org/2882>. Acesso em: 10/12/2016.

505 Para um panorama histórico do regionalismo e os principais modelos institucionais desenvolvidos, vide ARÈS, Mathieu; BOULANGER, Éric; DEBLOCK, Christian. Intégration ou interconnexion ?. Revue Interventions Économiques [on-line], Vol. 55, 2016. p. 1/38. Disponível em: <http://interventionseconomiques.rev

condutas anticompetitivas, sejam praticadas pelo setor público ou privado, poderiam frustrar os objetivos de liberalização mais amplos visados pelos acordos506-507.

Dentre os acordos regionais que introduziram regras antitruste, podem-se citar, por exemplo, a União Europeia, a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), a Comunidade Andina, a Comunidade do Caribe (CARICOM), o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), o Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA), a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS) e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Ademais, vale destacar que a nova geração de acordos regionais de comércio, denominados mega-acordos ou parcerias, preveem igualmente regras sobre concorrência, como é o caso do Acordo Econômico e Comercial Global (CETA) e da Parceria Transpacífico (TPP), já assinados, mas ainda não

506 BRADFORD, Anu; BÜTHE, Tim. Competition policy and free trade: Antitrust provisions in PTAs. In DÜR, Andreas; ELSIG, Manfred (ed.). Trade Cooperation: The Purpose, Design and Effects of Preferential Trade Agreements. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. p. 247/248, 262/263; EVENETT, Simon. What can We Really Learn from the Competition Provisions of RTAs? In BRUSICK, Philippe; ALVAREZ, Ana María; CERNAT, Lucian (org.). Competition Provisions in Regional Trade Agreements: How to Assure Development Gains. New York/Geneva: United Nations Publications, 2005. p. 40. No contexto específico do mercado comum, destaca-se que a garantia da livre concorrência assegura que as liberdades econômicas fundamentais que o constituem sejam reais e não meramente formais, tendo em vista que seria inócuo garantir a liberdade de circulação de mercadorias ou de capitais se é tolerado a criação ou o uso de posições dominantes capazes de criar entraves ao ingresso de produtos de concorrentes de outro Estado-Membro (SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: As Estruturas. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 44/45). Nesse sentido, buscando superar a doutrina clássica, Jaeger Júnior propõe que a livre concorrência configura a quinta liberdade econômica fundamental em um mercado comum, ao lado das tradicionais liberdades de circulação de bens, de capitais, de pessoas e de serviços. Dessa forma, além de assegurar a concorrência no mercado comum, o Direito Antitruste deve também proteger as demais liberdades de eventuais lesões que possam ser causadas por comportamentos anticompetitivos (JAEGER JÚNIOR, Augusto. A Liberdade de Concorrência como a Quinta Liberdade Fundamental: Contribuição para um Mercado Comum do Sul. 2005. 620 f. Tese de Doutorado em Direito Comunitário – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/5525/000471918.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10/12/2016). 507 Outras razões indicadas, não excludentes entre si, referem-se, por exemplo, a tentativas de prevenir um uso estratégico da política antitruste para fins protecionistas, a uma forma de compensar a ausência de regras multilaterais na matéria, servindo como uma fase anterior ao estabelecimento de um acordo antitruste multilateral, e a um incentivo para o surgimento e o emprego efetivo de regras nacionais (BRADFORD, Anu; BÜTHE, Tim. op cit. p. 260/262; BOTTA, Marco. The Role of Competition Policy in the Latin American Regional Integration: A Comparative Analysis of Caricom, Andean Community and Mercosur. Trabalho apresentado no IX Annual Conference of the Euro-Latin Study Network on Integration and Trade (ELSNIT) – Revisiting Regionalism, realizado entre os dias 21 e 22 de outubro de 2011 na Universidade de St. Gallen. Disponível em: <http://www10.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2012/09801a05.pdf>. Último acesso em: 06/08/2015. p. 2; SOKOL, Daniel. Order without (Enforceable) Law: Why Countries Enter into Non-Enforceable Competition Policy Chapters in Free Trade Agreements. Chicago-Kent Law Review, Vol. 83, Iss. 1, 2008. p. 246/248; CUNHA, Ricardo Thomazinho da. Direito de Defesa da Concorrência: Mercosul e União Europeia. Barueri: Manole, 2003. p. 163). Aduz-se, ainda, que a inclusão de regras antitruste em acordos regionais pode solucionar dificuldades de efetividade típicas de sistemas de defesa da concorrência de países em desenvolvimento e de pequenas economias, como a limitação financeira e de pessoal e a falta de força necessária para combater práticas anticompetitivas estrangeiras (FOX, Eleanor. Competition, Development and Regional Integration: in Search of a Competition Law Fit for Developing Countries. Law & Economics Research Paper Series, Working Paper No. 11-04. NYU Center for Law, Economics and Organization, New York University School of Law. October 2012. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1761619>. Acesso em: 10/12/2016. p. 18/20).

ratificados, e da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), ainda em negociação.

Cabe ressaltar, contudo, que o conteúdo das regras sobre concorrência incluídas nos mencionados instrumentos varia bastante, em reflexo dos diferentes graus de integração pretendidos. Nesse contexto, os acordos regionais podem ser classificados em dois grandes grupos: aqueles que contém disposições de fundo sobre os comportamentos anticoncorrenciais e aqueles que dispõem de regras de coordenação e de cooperação (havendo, ainda, acordos mistos, que possuem disposições nos dois sentidos)508.

Sob esse prisma, poucos são os acordos que preveem a criação de um efetivo sistema de defesa da concorrência regional, com o estabelecimento de uma autoridade antitruste supranacional. Dentre eles, a União Europeia é o único exemplo que alcançou, de fato, o patamar pretendido, o Direito da Concorrência ultrapassando as fronteiras nacionais e instalando-se no âmbito da União. Assim, a política da concorrência assumiu a posição de pilar da construção europeia e condição mesma de toda a política econômica da UE, implementando- se um quadro jurídico único. Como já mencionado, o sistema europeu de defesa da concorrência é exercido não apenas pela Comissão Europeia, mas também pelas autoridades antitruste nacionais, as quais atuam em estrita cooperação na denominada Rede Europeia da Concorrência (ECN), os tribunais da União e dos Estados-Membros completando o sistema. Ademais, as regras regionais coexistem com as legislações antitruste nacionais509.

Por outro lado, a generalidade dos acordos regionais de comércio, no que concerne à defesa da concorrência, visa, de fato, a instituir um foro para a convergência das regras e/ou para a promoção da cooperação internacional entre as agências antitruste. Nesse sentido, tais iniciativas têm muito contribuído para o tratamento de questões concorrenciais transfronteiriças.

508 SOLANO, Oliver; SENNEKAMP, Andreas. Competition Provisions in Regional Trade Agreements. OECD Trade Policy Papers, No. 31. Paris: OECD Publishing, 2006. Disponível em: <http://www.oecd- ilibrary.org/trade/competition-provisions-in-regional-trade-agreements_344843480185>. Acesso em: 10/12/2016; LAPRÉVOTE, François-Charles; FRISCH, Sven; CAN, Burcu. Competition Policy within the Context of Free Trade Agreements. E15Initiative. Geneva: International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD); World Economic Forum, 2015. Disponível em: <http://e15initiative.org/publications/competition-policy-within-the-context-of-free-trade-agreements/>. Acesso em: 10/12/2016. Vide tais textos para uma panorama das regras antitruste introduzidas pelos mencionados acordos. 509JAEGER JÚNIOR, Augusto. op. cit. p. 295/297; GORJÃO-HENRIQUES, Miguel. op. cit. p. 637/650.

4.1.4 A cooperação bilateral em matéria antitruste

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