• Nenhum resultado encontrado

A intervenção do Estado no Domínio Econômico e os Incentivos Fiscais

2 INCENTIVOS FISCAIS E O SISTEMA CONSTITUCIONAL

2.5 A intervenção do Estado no Domínio Econômico e os Incentivos Fiscais

A Constituição Federal de 1988 trouxe, expressamente, a previsão de princípios gerais que devem nortear a atividade econômica e financeira do Estado, consoante se verifica do artigo 170 da CF53.

Por sua vez, os artigos 173 e 174 da Constituição Federal estabelecem os limites e as formas como o Estado poderá intervir sobre o domínio econômico para tal fim, estabelecendo, juntamente com o artigo 170 referido, as linhas gerais de como o Estado poderá realizar esta “intervenção”.

A intervenção do Estado trazida pela Constituição Federal, portanto, carrega um importante instrumento estatal de promoção do bem comum na seara econômica e social. Assim, consagraram-se duas formas de intervenção do Estado na economia: uma de forma excepcional, que determina que o Estado somente poderá atuar como agente econômico nos casos expressamente previstos no Texto Constitucional, e outra, a intervenção indireta, a verdadeira regra, podendo o Estado atuar como agente normativo e regulador.54

Na função indireta, o Estado, então, assume a posição de agente normativo e regulador da Ordem Econômica e passa a exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento.

53 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem

por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

54 Artigo 173 da CF e Artigo 174 da CF.

Então, a atividade interventiva, no que se refere aos incentivos, diz respeito ao comando constitucional que determina que o Estado regule, fiscalize e aplique políticas de incentivos, a fim de reparar desigualdades regionais ou promovendo o desenvolvimento econômico.

Muitos estudos voltados aos incentivos fiscais buscam analisar o fenômeno jurídico enquanto uma forma de intervenção estatal na economia, pois consideram os incentivos fiscais normas tributárias genuinamente indutoras.55

Não será este o objetivo do nosso trabalho, pois entendemos que a atividade do Estado intervém em todos os domínios da Economia, consoante o entendimento de Gastão Alves de Toledo, que assim ensina:

[…] em seu sentido amplo, toda atuação do Estado na Economia pode ser admitida como uma intervenção, entendendo-se por atuação qualquer tipo de atividade institucional, instrumental ou de participação direta ou indireta na atividade econômica. Em seu sentido restrito, a intervenção do Estado no domínio econômico só pode ocorrer sob condições especialíssimas, que a própria Constituição prevê, expressa ou implicitamente.56

Assim, a própria instituição de tributos pelos entes competentes é, para nós, uma forma de intervenção estatal.

Não se pode, porém, confundir, a atividade estatal de “intervir” com as normas de conteúdo econômico. De fato, quando falamos em sistema do direito positivo, conforme ensinamentos de Tácio Lacerda Gama, qualquer intervenção é inviável, porque as normas jurídicas da ordem econômica, sendo normas, não tocam a realidade, mas apenas regulam condutas, de modo que não se pode misturar realidade econômica e realidade jurídica, pois tratam-se de mundos diferentes e independentes57. E, para fixar o que toma a intervenção no domínio econômico no sentido de edição, pela União, de atos normativos referentes ao sistema social econômico, em exercício de uma competência constitucional58, exemplifica que

55 Demonstraremos, no Capítulo 3 do nosso trabalho, as teorias mais utilizadas na conceituação dos

incentivos fiscais, dentre elas a que considera os incentivos fiscais como normas tributárias de indução.

56 TOLEDO, Gastão Alves de. O Direito Constitucional Econômico e sua Eficácia. Rio de Janeiro:

Renovar, 2004, p. 100.

57 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier

Latin, 2003, p. 236.

58 “A ‘ordem econômica’ prescreve um conjunto de competências que podem ser exercidas pelo Estado

no domínio econômico”. (ibid., p. 238).

Não é porque existem normas jurídicas prescrevendo a prosperidade da nação que ela será necessariamente próspera, pois a tarefa de produzir riqueza é do sistema econômico e não do jurídico. Daí a ênfase em afirmar que, rigorosamente, não há intervenção do Estado no domínio econômico59.

Tácio Lacerda Gama60 adota uma acepção ampla de domínio econômico, justificável em razão dos propósitos de sua pesquisa, englobando o conjunto de atividades econômicas em sentido estrito como também os serviços públicos prestados sob regime jurídico de direito público. Com essas premissas, traz a seguinte definição estipulativa:

Conceitua-se “domínio econômico” como estrato de linguagem descritiva das relações sociais, diretamente relacionadas a atividades de produção, circulação de bens e prestação de serviços para o mercado.

Ressalta-se que o “domínio econômico”, nessa definição, é linguagem descritiva. Desse modo, não compõe o sistema do direito positivo, o qual é integrado por normas, que se apresentam em linguagem prescritiva61.

O tema impele à distinção entre o domínio econômico e a ordem econômica. Tácio Lacerda Gama62 o faz exatamente com base no tipo de linguagem, pois, enquanto o domínio econômico é camada de linguagem descritiva, a ordem econômica é o “o conjunto de normas jurídicas que disciplinam as relações econômicas”63, isto é, estrato de linguagem prescritiva de condutas intersubjetivas. Essas condutas, por sua vez, são as atividades empreendidas no domínio econômico64.

Luís Eduardo Schoueri65 emprega a locução intervenção econômica no sentido da ação que o Estado desenvolve no e sobre o processo econômico, seguindo Eros Roberto Grau, com vistas à preservação do mercado, tomado este como instituição elementar do sistema capitalista, através da correção das distorções do liberalismo.

59 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier

Latin, 2003, p. 237.

60 Ibid., p. 230.

61 “A referência ao tipo de linguagem serve para situar o ‘domínio econômico’ fora do sistema de direito

positivo. É linguagem descritiva, pois tem a função de relatar atividades desenvolvidas fora do sistema jurídico”. (ibid., p. 231).

62 Ibid., p. 232-235. 63 Ibid., p. 232. 64 Ibid., p. 234.

65 Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.

Ressalta-se que referido autor não distingue “intervencionismo” de “dirigismo”, por entender tratar-se de momentos e modalidades de um único processo.

Nesse contexto, explica66 que a intervenção do Estado no domínio econômico pode ser direta ou indireta. Direta é a intervenção no domínio econômico, quando o Estado atua tal qual um empresário, quer em regime de monopólio, quer em regime de concorrência: em outras palavras, o Estado atua no mesmo patamar do agente econômico privado.

Já a intervenção indireta ou sobre o domínio econômico é aquela em que o Estado atua na orientação, na limitação ou na estimulação da atividade empresária dos particulares, sem agir como empresário, mediante o emprego da legislação reguladora, por exemplo. Divide-se em intervenção por direção e por indução.

A intervenção por direção é a que se realiza mediante normas cogentes, como as que determinam o controle de preços, por exemplo, as quais, no aspecto sintático, vinculam apenas um consequente para uma hipótese67.

Por indução é a intervenção realizada mediante normas dispositivas, em que ao destinatário são oferecidas opções, operando como estímulos e desestímulos para formação de sua vontade na senda daquilo que o legislador propôs, como numa influência, em que se admite a possibilidade de comportamento distinto do que se esperava ou planejava, sem, entretanto, configuração de ilicitude. No aspecto sintático, portanto, essas normas vinculam ao antecedente duas consequências alternativas68.

A intervenção por indução pressupõe o mercado, pois transfere a ele, em última análise, a decisão sobre o consumo, ao agir sobre a formação da vontade, oferecendo alternativas de comportamento, em vez da decisão política:

Assim, quando se cogita, por exemplo, do instrumento tributário como meio de internalizar as chamadas “externalidades”, o que se faz é transferir ao mercado, por meio do mecanismo de preço, aqueles custos, cabendo aos produtores e consumidores decidir, em última instância, sobre o sucesso ou fracasso de um produto. Do mesmo modo, o incremento da tributação de um produto poderá implicar seu menor consumo, conforme esteja ou não o mercado disposto a assumir

66 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 41.

67 Ibid., p. 43. 68 Ibid., p. 44.

tais custos. No sentido inverso, isenções pontuais podem induzir os consumidores em direção a determinados produtos69.

Sobre as normas tributárias indutoras70, Luís Eduardo Schoueri conclui que a identificação delas a partir do atendimento ao princípio da capacidade contributiva é falha porque a presença da finalidade indutora na norma tributária não exclui a finalidade arrecadadora71, sendo artificial, portanto, a oposição entre normas indutoras e arrecadadoras72. Daí a razão por que referido estudioso toma as normas tributárias indutoras por sua função, qual seja, a indutora, enquanto aspecto da norma tributária73, revelando um critério pragmático, pois se estuda o efeito indutor das normas tributárias e não sua finalidade previamente determinada74.

Do ponto de vista sintático, Luís Eduardo Schoueri explica que a função indutora da norma tributária corresponde a um novo desdobramento da norma primária:

Ter-se-á uma primeira norma primária, na qual se fará presente a própria indução, pelo legislador, que, do ponto de vista jurídico, nada mais é que uma ordem para que o sujeito passivo adote certo comportamento. Não se perfazendo o comportamento, nasce uma obrigação tributária, que colocará o sujeito passivo em situação mais onerosa que aquela em que se situaria se adotado o comportamento prescrito pelo legislador. Finalmente, não se altera a norma secundária, já que do descumprimento da obrigação tributária, surgirá a providência sancionatória, aplicada pelo Estado75.

69 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 44.

70 “A opção, neste estudo, pela referência às ‘normas tributárias indutores’, em lugar dos ‘tributos

indutores’ ou ‘tributos arrecadadores’ deve-se à premissa de que as últimas categorias dificilmente se concretizariam, em sua forma pura. De um lado, por mais que um tributo seja concebido, em sua formulação, como instrumento de intervenção sobre o Domínio Econômico, jamais se descuidará da receita dele decorrente, tratando o próprio constituinte de disciplinar sua destinação. Fosse irrelevante ou indesejada a receita proveniente dos chamados ‘impostos extrafiscais’, não haveria porque o constituinte contemplá-la. Por outro lado, a mera decisão, da parte do legislador, de esgotar uma fonte de tributação no lugar de outra implica a existência de ponderações extrafiscais, dado que o legislador necessariamente considerará o efeito sócio-econômico de sua decisão. Afinal, de regra, o legislador tributário não precisa valer-se de um ‘tributo indutor’ propriamente dito, para atingir suas finalidades, preferindo antes adotar modificações motivadas por razões indutoras em normas tributárias preexistentes”. (ibid., p. 16).

71 “A expressão ‘normas tributárias indutoras’, por outro lado, tem o firme propósito de não deixar

escapar a evidência de, conquanto se tratando de instrumentos a serviço do Estado na intervenção por indução, não perderem tais normas a característica de serem elas, ao mesmo tempo, relativas a tributos e portanto sujeitas a princípios e regras próprias do campo tributário”. (ibid., p. 34).

72 Ibid., p. 25, 29-30. 73 Ibid., p. 30. 74 Ibid., p. 40. 75 Ibid., p. 31.

Esse entendimento sugere a obrigação tributária, ou seja, o próprio tributo, como sanção, tal qual a norma primária sancionadora exposta por Eurico Marcos Diniz de Santi76, em confronto com o que prescreve o artigo 3º, do Código Tributário Nacional77, ainda que sem a presença do Estado-juiz em sua cominação.

Por outro lado, a distinção entre intervenção por indução e por direção nem sempre será identificável de plano. Apesar disso, sobre o enfoque jurídico haverá diferença quanto ao grau de liberdade do administrado, como sedimenta Luís Eduardo Schoueri78: principalmente na seara tributária, a intervenção por direção é inviável, porque a possibilidade de o contribuinte realizar ou não a conduta descrita na hipótese de incidência é pressuposta; se o contribuinte for obrigado a realizá-la, haverá efeito confiscatório, ao passo que, se ela for impossível, não haverá nem mesmo norma tributária, porque inexistirá tributo79.

As normas de direção parecem mais adequadas às hipóteses em que se quer que todos os destinatários das normas adotem um mesmo comportamento, com efeito absoluto e sem lacunas, ou seja, um efeito imediato. Mas, se o caso admite que nem todos os destinatários ajam conforme a norma e que essa não observância não configure uma conduta ilícita, a escolha pela norma de indução se fará, agora, com base no mercado, ao passo que nas normas de direção o legislador funcionará como substituto do mercado na decisão80.

Ainda, há casos em que a opção por normas de direção é obrigatória, não havendo meio de considerar o mercado como fator de decisão; é o que se dá com o serviço militar em que não há respaldo para dispensar os mais abastados desse dever. Do mesmo modo, há casos em que será obrigatório utilizar normas indutoras, a fim de

76 Lançamento tributário. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 39-40.

77 Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa

exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

78 Op. cit., p. 46.

79 “O antecedente da norma jurídica assenta-se no modo ontológico da possibilidade, que dizer, os

eventos da realidade tangível nele recolhidos terão de pertencer ao campo do possível. Se a hipótese fizer a previsão de fato impossível, a consequência que prescreve uma relação deôntica entre dois ou mais sujeitos nunca se instalará, não podendo a regra ter eficácia social. Estaria comprometida no lado semântico, tornando-se inoperante para a regulação das condutas intersubjetivas. Tratar-se-ia de um sem-sentido deôntico, ainda que pudesse satisfazer a critérios de organização sintática”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 132-133).

80 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 47.

equilibrar a intervenção do Estado com a liberdade de iniciativa, podendo haver benefícios a alguns setores da economia, tais quais prêmios (e não privilégios), considerando o interesse coletivo em que a economia se desenvolva de maneira eficiente81.

Quanto às modalidades de intervenção por indução, Luís Eduardo Schoueri explica que a indução por estímulos se dá quando o Estado oferece vantagens extras aos que praticarem as condutas abrangidas pela norma, as quais não seriam observadas naturalmente no mercado; a indução por desestímulos, por sua vez, traz custos aos contribuintes, em vez de vantagens82. Contudo, como estímulos e desestímulos são dois lados da mesma moeda – pois quando uns são estimulados, outros são desestimulados igualmente –, podem-se estudar as normas tributárias indutoras por quaisquer desses ângulos83.

Escolhendo estudar os estímulos do Estado, o autor referido prefere tratá-los indistintamente por subvenções, abrangendo os créditos e as assunções de garantia. Isso porque os créditos, muitas vezes, não têm previsão de juros ou, se a têm, é em taxa menor do que as praticadas no mercado, significando verdadeiras subvenções; por sua vez, as garantias oferecidas sem exigência de contrapartida ou em patamar inferior ao que seria exigido pelo mercado resultam, igualmente, em subvenções84.

Da perspectiva financeira, as normas tributárias indutoras, portanto, podem ter efeito de pagamento a fundo perdido ou de concessão de crédito sem juros, com o que se conclui que os incentivos fiscais são uma forma de subvenção, sujeitando-se ao regime que as rege85. Juridicamente, se o conceito de subvenção requer uma prestação pecuniária do Estado, que não ocorre com os incentivos fiscais lastreados em renúncias, nem por isso se pode excluir do grupo de subvenções as normas tributárias indutoras que afastam a tributação. É que a visão puramente formal não deixa entrever que privilégios e desgravações são conversíveis mutuamente, permitindo que se avalie sua legitimidade jurídica86.

81 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 48-49.

82 Ibid., p. 54. 83 Ibid., p. 55. 84 Ibid., loc. cit. 85 Ibid., p. 57. 86 Ibid., p. 57-58.

E é a própria Constituição Federal que, segundo o autor87, determina a indicação das normas tributárias indutoras, conforme artigos 165, § 6º, e 150, § 6º. Ainda, a Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), em seu artigo 14, prescreve que a concessão ou majoração de incentivo fiscal deverá ser acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes88.

Em vista disso, Luís Eduardo Schoueri89 conclui que a importância da fixação do regime jurídico das normas tributárias indutoras emerge das peculiaridades que as formas de intervenção por indução podem assumir, provocando consequências jurídicas distintas. Assim, tal fixação parte dos fundamentos e objetivos da intervenção econômica.

Tendo em vista os objetivos da intervenção do Estado sobre o Domínio Econômico, a atuação pode dar-se positiva ou negativamente. Em sentido positivo, tem- se a instalação da Ordem Econômica tal qual prevista na Constituição Federal, para nosso Estado Democrático Social de Direito, com a imanente valorização da pessoa humana, baseada nos pilares da valorização do trabalho e na livre iniciativa. Já em sentido negativo, a eliminação das carências do mercado, ou seja, correções realizadas mediante normas tributárias indutoras90.

Operando com outro modelo, Tácio Lacerda Gama91 subdivide a atuação do Estado na economia em normativa e participava. Na atuação normativa, o Estado exerce a competência inserindo no ordenamento normas e fiscalizando o respectivo cumprimento, conforme preceitua o artigo 174, da Constituição Federal, sem compor a teia das relações econômicas. Na ação participativa, age na condição de agente econômico, ou seja, tal qual um autêntico empresário, produzindo as riquezas ou as fazendo circular, como se verifica no artigo 173, da Constituição.

Os incentivos, assim delineados, possibilitam o único modo de intervenção na economia pelo Estado: os outros exemplos configuram meras atuações no domínio

87 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 59.

88 BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Lei de

Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Brasília: DOU, 5 maio 2000.

89 Op. cit., p. 69. 90 Ibid., p. 106.

91 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier

Latin, 2003, p. 239 et seq.

econômico. Assim, segundo essa visão, os incentivos, como subespécie de ação normativa, permitem a implementação, pelo Estado, das normas gerais e abstratas de direito econômico através de pessoas jurídicas competentes e é nesse sentido que intervêm na economia92.

Esse sentido conferido pelo autor Tácio Lacerda Gama, para nós, é o mais adequado ao enfoque pretendido neste estudo, pois auxilia na compreensão dos incentivos fiscais no enfoque que pretendemos atribuir ao presente trabalho, uma vez que a intervenção, por si só, não carrega conteúdo cogente, porém permite que o Estado, por meio da expedição de normas competentes, possa agir de forma interventiva.

Assim, os incentivos fiscais figuram como normas que, a partir do exercício da competência tributária para instituir seu regramento respectivo, conforme o regime jurídico específico de cada tributo, trarão consigo as normas gerais e abstratas que permitirão ao Estado agir de forma interventiva.

92 “Sempre que houver o preenchimento simultâneo de todos esses requisitos, o tipo de atuação que o

Estado desempenha na economia será ‘incentivo’. É nessa acepção, e somente nesta, que se poderá falar em ‘intervenção do Estado na Economia’. Todos os demais casos são exemplos de atuação no domínio econômico”. (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 252).

3 ANÁLISE SEMÂNTICA DA EXPRESSÃO INCENTIVOS FISCAIS