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3 ANÁLISE SEMÂNTICA DA EXPRESSÃO INCENTIVOS FISCAIS

3.2 Os Incentivos Fiscais: múltiplos sentidos para uma única expressão

3.2.6 Incentivos Fiscais como Normas Sancionatórias Premiais

Não há como tratar de normas sancionatórias premiais sem falar na conhecida distinção de Norberto Bobbio entre sanções positivas e negativas.

Antes, porém, interessante destacar o contexto desse entendimento, conforme Tércio Sampaio Ferraz Jr.128:

Modernamente, no entanto, a própria transformação e o aumento de complexidade industrial vieram colocando as coisas em outro rumo.

127 “Ao afetar o comportamento dos agentes econômicos, o tributo poderá influir decisivamente no

equilíbrio antes atingido pelo mercado. As distorções daí decorrentes também haverão de ser consideradas na análise da tributação”. (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 36).

128 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Apresentação. In.: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon São Paulo: Edipro, 2011, p. 26.

Não resta dúvida de que, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, o Estado cresceu para além de sua função protetora- repressora, aparecendo até muito mais como produtor de serviços de consumo social, regulamentador da economia e produtor de mercadorias. Com isso, foi sendo montado um complexo sistema normativo que lhe permite, de um lado, organizar sua própria máquina de serviços, de assistência e de produção de mercadorias, e, de outro, montar um imenso sistema de estímulos e subsídios. […] Ora, nesse contexto, uma teoria jurídica da sanção, limitada ao papel das sanções negativas e, pois, ignorando o papel assistencial, regulador e empresarial do Estado, estaria destinada a fechar-se num limbo, entendendo mal, porque entenderia limitadamente relação entre o Direito, o Estado e a sociedade.

Nesse tema, cumpre inicialmente distinguir, seguindo Norberto Bobbio129, normas positivas e negativas de sanções positivas e negativas: uma norma será positiva quando prescrever um comando, e negativa quando prescrever uma proibição130. Assim, devemos diferenciar ordens e proibições de prêmios e castigos.

Norberto Bobbio131 observa que, em seu tempo, o direito ainda é concebido majoritariamente como instrumento repressivo, tanto porque a força é tomada como um meio para conseguir o maior respeito possível às normas, como também em razão do conteúdo das normas, no caso, as normas secundárias. Com isso, vinculava-se estreitamente o direito e a coação. Mas isso vem mudando132, e um dos indícios é justamente a maior adoção das sanções positivas133.

129 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela

Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2008, p. 6.

130 Muito embora saibamos que, ao proibir uma conduta p (Ph p), se está obrigando a conduta –p (O -p),

dada a interdefinibilidade dos modais deônticos: -P p ≡ O –p ≡ Ph p (ECHAVE, Delia Tereza; URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo. Lógica, proposición y norma. Buenos Aires: Astrea, 1995, p. 123).

131 Op. cit., p. 7.

132 “Uma análise dos ordenamentos jurídicos dos Estados modernos, a começar pelos documentos

constitucionais, em que o termo ‘promover’ suplantou ou colocou de lado o termo ‘garantir’, induz a modificar a imagem tradicional do direito, ou, pelo menos, a perfilar ao seu lado uma nova, na qual a função promocional se sobrepõe à função repressivo-protetiva. Isso não quer dizer que o direito não tenha tido, inclusive no passado, além da função de repressão, também a função de promoção. Contudo, o primeiro tipo de função sempre foi tão predominante que a maior parte das teorias do direito não registraram, nas suas definições do direito, a função e promoção. Aliás, com frequência, a distinção entre as duas funções serviu de critério para distinguir o direito de outros sistemas de controle social […]”. (ibid., p. 135-136).

133 “Todavia, dado que entre essas tarefas é predominantemente a de dirigir a atividade econômica, é

igualmente inegável que o Estado moderno se vale cada vez mais das técnicas de encorajamento, além das técnicas de desencorajamento que lhe eram habituais. Entre essas técnicas de encorajamento o uso do aparelho jurídico (isto é, do sistema normativo coativo) assume um papel cada vez mais evidente, não para tornar difíceis ou desvantajosos os comportamentos considerados nocivos à sociedade, mas para tornar fáceis ou vantajosos os comportamentos considerados úteis, isto é, o uso das sanções positivas. Isso é tão evidente que nos faz considerar agora inadequadas as teorias do direito que não as levem em consideração, e desfocada a imagem essencialmente repressivo-protetiva, ainda

Dentro dessa perspectiva, sanção seria um gênero que comporta duas espécies: as sanções negativas e as positivas134. Embora o ordenamento repressor ainda seja uma visão em voga, tem se tornado mais frequente o emprego de técnicas de encorajamento, revelando a função promocional do direito ao lado da repressiva135.

As condutas humanas são conformes ou desviantes daquilo que o ordenamento prescreve. Pela técnica do desencorajamento, a prática de atos conformes é protegida, e à de desviantes é atribuída uma consequência. Já pela técnica do encorajamento, além de protegida, a prática de atos conformes é provocada, estimulada; os atos desviantes, por sua vez, também são afetados por consequências136.

Norberto Bobbio diferencia o ordenamento protetivo-repressivo do ordenamento promocional, considerando que o primeiro se preocupa com as condutas não desejadas, a fim de obstar sua prática, enquanto o segundo, ao contrário, se preocupa com as condutas desejadas, inclusive para que elas sejam praticadas até mesmo por quem normalmente não as realiza. Isso denota uma mudança de paradigmas137:

A introdução da técnica do encorajamento reflete uma verdadeira transformação na função do sistema normativo em seu todo e no modo de realizar o controle social. Além disso, assinala a passagem de um controle passivo – mais preocupado em desfavorecer as ações nocivas do que em favorecer as vantajosas – para um controle ativo – preocupado em favorecer as ações vantajosas mais do que em desfavorecer as nocivas138.

Quanto à sanção, verifica-se que, na técnica de encorajamento, ela se dá quer como consequência propriamente dita, conferida após a prática da conduta desejada, quer prévia ou simultaneamente ao ato, estimulando-o139. Como consequência, temos a

predominante, do ordenamento jurídico”. (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2008, p. 137).

134 Ibid., p. 7. 135 Ibid., p. 13. 136 Ibid., p. 15.

137 “É notória a importância que têm, para uma análise funcional da sociedade, as categorias da

conservação e da mudança. Considerando agora as medidas de desencorajamento e as de encorajamento de um ponto de vista funcional, o essencial a se destacar é que as primeiras são utilizadas predominantemente com o objetivo da conservação social e as segundas, com o objetivo da mudança”. (ibid., p. 19).

138 Ibid., p. 15. 139 Ibid., p. 17.

configuração de uma recompensa; se precede ou é simultânea à conduta, temos uma facilitação140.

Em todo caso, a sanção positiva pode ser um prêmio consistente numa vantagem ou na privação de uma desvantagem141. Nesse contexto, os incentivos fiscais142, cujo resultado final é possibilitar um pagamento a menor ou mesmo impedir tal pagamento, trazem, numa ótica individualista e imediatista, a privação de uma desvantagem, pois o pagamento do tributo, embora fundamental socialmente, não é vantajoso para o contribuinte, que terá retorno apenas difuso do valor pago, considerando a atividade financeira do Estado.

Tratando das sanções jurídicas tributárias, Cristiano Rosa de Carvalho143 propõe analisá-las sob a ótica estruturalista e funcionalista, expondo, ao final, sua natureza jurídica, contextualizada dentro do direito tributário.

A visão estruturalista, segundo ele144, está apoiada no juspositivismo em termos epistemológicos, ou seja, constrói normas jurídicas a partir de textos jurídicos válidos, privilegiando aspectos sintáticos e semânticos, revelando, por fim, como o direito é.

Já a visão funcionalista permite estudar o comportamento humano em face das normas jurídicas. Nesse campo, nota-se a recíproca influência entre Direito e Economia, na interdisciplinaridade, que considera algumas máximas da teoria econômica, como a racionalidade instrumental e a análise do custo-benefício, que, por sua vez, revela o direito em sua função.

140 “Por técnica de facilitação, entendo o conjunto de expedientes com os quais um grupo social

organizado exerce um determinado tipo de controle sobre os comportamentos de seus membros (neste caso, trata-se do controle que consiste em promover a atividade na direção desejada), não pelo estabelecimento de uma recompensa à ação desejada, depois que esta tenha sido realizada, mas atuando de modo que a sua realização se torne mais fácil ou menos difícil”. (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2008, p. 30).

141 Ibid., p. 24-25.

142 “Na hipótese, a LC 101, art. 14, discrimina esses conceitos de direito tributário promocional”.

(BORGES, José Souto Maior. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 95).

143 CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do

Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.

144 Ibid.

Por não serem excludentes, entende o autor145 que a conjugação dessas perspectivas de análise trará um quadro adequado do instituto sobre o qual volta suas atenções: a primeira permite estudar a sanção pelo prisma lógico, enquanto a segunda permite pesquisar como ela motiva o comportamento humano.

Com essas premissas, não podia ser outra sua definição de sanção jurídica: maneira pela qual o Direito estimula que os indivíduos cumpram suas ordens. Mais do que motivadores de comportamento, as sanções são, portanto, a principal maneira através da qual o sistema jurídico preserva sua funcionalidade146.

Sobre a estrutura lógica da norma jurídica completa, isto é, aquela em que temos a norma primária e a norma secundária de caráter sancionatório, o autor destaca que o vínculo entre elas é condicional, mas não no mesmo sentido da “condicionalidade” que une o antecedente e o consequente de uma mesma norma primária ou secundária147.

A condição148, nesta última, é intranormativa, enquanto, para a norma completa, é internormativa149. Neste modelo, a norma sancionatória tem caráter punitivo, pois é a consequência do descumprimento da norma primária.

Contudo, há também as chamadas sanções premiais, além das sanções punitivas; ambas visam à motivação das condutas intersubjetivas.

Até o século XX, os ordenamentos jurídicos utilizavam majoritariamente sanções punitivas, dada sua atuação repressora. A partir do século XX, com o surgimento do Estado Social (welfare state), os ordenamentos passaram a ter, além da função repressora, uma atuação indutora, revelando o lado finalístico do Direito. Nessa

145 CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do

Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.

146 Ibid.

147 “Dizemos que há uma relação-de-ordem não-simétrica, a norma sancionadora pressupõe,

primeiramente, a norma definidora da conduta exigida. Também, cremos, com isso não ser possível considerar a norma que não sanciona como supérflua. Sem ela, carece de sentido a norma sancionadora. O Direito-norma, e sua integridade constitutiva, compõe-se de duas partes. […] As denominações adjetivas ‘primária’ e ‘secundária’ não exprimem relações de ordem temporal ou causal, mas de antecedente lógico para consequente lógico”. (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 73-74).

148 CARVALHO, op. cit.

149 Sobre a estrutura da norma completa, confira-se capítulo 4.

esfera, nasceu o funcionalismo jurídico, que toma o Direito enquanto instrumento para a concretização dos valores considerados importantes pela sociedade150.

Nesse contexto, ao lado das sanções punitivas, que mantiveram seu status de principal motivador das condutas inter-humanas, ganham atenção as sanções premiais, enquanto formas também bastante úteis para incentivo dos comportamentos151.

Se as sanções punitivas correspondem às sanções secundárias de que já falamos, as sanções premiais diferem daquelas: se a norma secundária pressupõe um descumprimento, aqui, diversamente, confere-se inicialmente uma escolha ao destinatário da norma, o qual, dentre as opções dadas, é incentivado a cumprir uma das alternativas, à qual está vinculada uma sanção premial.

Oferecem-se opções de conduta ao destinatário, e se atrela um prêmio ao cumprimento de uma delas, qual seja, aquela que o legislador quer ver realizada e que é, pela sanção premial, incentivada.

Nesse funcionamento, o caráter incentivador ou indutor da sanção premial resta evidente. Diante disso, Cristiano Carvalho define a sanção premial como “um prêmio, uma recompensa oferecida ao indivíduo de modo a incentivá-lo a escolher determinada ação”152.

Essa diferença de mecanismo é encontrada logo na conformação lógica dessa sanção premial, que, segundo o autor153, pode ser assim formalizada:

D[(p ฀q w -q) . (q ฀r)]

Nessa estrutura apresenta-se: “D” indicando o dever-ser caracterizador do direito; “p” como hipótese de incidência; “q” e “-q” representam as opções de condutas oferecidas ao destinatário, sendo “w” representativo do disjuntor excludente, pelo qual uma ou outra das opções será realizada necessariamente, porém não se pode realizar as duas ou não cumprir nenhuma delas; “r” indica a sanção premial.

Nota-se que a opção incentivada é a “q”, porque seu cumprimento implica () a sanção premial “r”. Na sanção punitiva, como se verá adiante, não há escolha por

150 CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do

Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.

151 Ibid. 152 Ibid. 153 Ibid.

parte do destinatário, mas apenas a obrigação de cumprir a conduta; caso contrário, ser- lhe-á imposta a sanção punitiva.

Para Gregório Robles Morchón154, as chamadas sanções positivas não têm caráter coativo, porque conceder um benefício ou um prêmio ao beneficiário de forma coercitiva parece difícil: “Se isso acontecesse, o sujeito destinatário do benefício evidentemente não o consideraria como tal, já que não seria objeto de seu desejo”.

Ele classifica as sanções positivas como um dos possíveis objetos da norma de execução, a qual corresponde à norma que carrega o dever de realizar uma ação, imposto ao órgão executivo pelo órgão de decisão:

A norma que impõe ao órgão o dever de outorgar esse benefício é uma norma de execução não coativa, já que o mencionado benefício não é concedido ao seu destinatário por meio da força. A execução constitui tão somente o cumprimento do dever, cumprimento que redunda diretamente em benefício de um sujeito determinado155.

Como ressalta Cristiano Carvalho156, a grande questão a ser pensada é qual desses tipos de sanção se mostra mais eficiente ao cumprimento das normas jurídicas. Essa reflexão pode levar o legislador a avaliar mais adequadamente a racionalidade que orienta os indivíduos quando do cumprimento das normas, de forma a estimular com mais eficiência as condutas.

Sobre essa racionalidade, Cristiano Carvalho157 cita autores que concluem que é inerente ao ser humano buscar aumentar ao máximo seu bem-estar, e isso contribuiu decisivamente para a evolução humana da pré-história aos dias atuais. Se, por um lado, essa racionalidade é positiva, por outro, o autointeresse individual prejudica a sociedade.

Pensemos nos bens públicos sustentados pelo tributo. Seu uso é caracterizado pela não rivalidade e pela não exclusividade: o uso de um bem por uma pessoa não impede nem pode impedir o uso pelas demais.

Essas características causam externalidades positivas, que são os efeitos que ultrapassam as partes implicadas na relação jurídico-econômica, envolvendo os

154 As regras do direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. Tradução de

Pollyana Mayer. São Paulo: Noeses, 2011, p. 201-202.

155 Ibid., p. 202.

156 CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do

Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.

157 Ibid.

terceiros beneficiados pelo bem público mesmo sem contribuir financeiramente para sua consecução.

É nesse sentido que se diz, em economia (já que a classificação referida é da ciência econômica), que os bens públicos são falhas de mercado: as pessoas de direito privado não têm recursos necessários para produzir esses bens, razão por que são cometidos ao Estado; este, por sua vez, busca os recursos através da tributação, além de outras receitas.

Para o autor, esse é o retrato da compulsoriedade do tributo158. Transferências voluntárias de dinheiro ao Estado a fim de custear os bens públicos logo deixariam de ser realizadas, tendo em vista o oportunismo gerado pelas externalidades positivas (terceiros que acabam usando o bem mesmo sem ter pagado por ele). Assim, as transferências são obrigatórias.

Através da analogia à teoria dos jogos e ao dilema do prisioneiro159, Cristiano Carvalho conclui que o que se passa com a tributação não é muito diferente. A racionalidade que busca maximizar o bem-estar cede ao oportunismo, em vez de continuar pagando os tributos, o que gera um aumento da carga tributária pela redistribuição dos custos, num consequente efeito cíclico de incentivo a mais sonegação fiscal160.

158 CARVALHO, Cristiano Rosa de. Sanções Tributárias. Uma visão estruturalista e funcionalista do

Direito. Latin American and Caribbean Law and Economics Association, jan. 2013. Disponível em: <http://works.bepress.com/cristiano_carvalho/28>. Acesso em: 27 abril. 2014.

159 “Dois acusados de serem cúmplices em um crime são mantidos isolados pela polícia, sem nenhuma

possibilidade de se comunicarem. Interrogados separadamente, aos prisioneiros são oferecidas as seguintes alternativas: 1) se ambos confessarem o crime, serão sentenciados a cinco anos de prisão; 2) se ambos negarem o crime, serão sentenciados a um ano de prisão (porque o promotor só conseguirá provar um crime de menor importância); 3) se um confessar e o outro negar, o acordo com o promotor é que aquele que tiver confessado ficará livre e o que tiver negado receberá dez anos de prisão. […] No dilema acima, o jogo é de informação completa (os dois jogadores sabem as recompensas – ou sanções – advindas de suas escolhas) e simultâneo (só é jogado uma vez, e as escolhas ocorrem sem que um jogador saiba da escolha do outro, logo, não pode haver ameaças ou reciprocidades entre eles). Por isso mesmo, cada jogador agirá levando em conta a possível escolha do outro, sendo que as recompensas incentivam o oportunismo e desestimulam a cooperação, por falta de confiança mútua suficiente. O resultado melhor para o grupo seria ambos negarem a autoria do crime, cuja recompensa é a menor pena. Contudo, há o receio de fazer isso, pois o outro pode confessar (para sair livre), aproveitando-se (pegando carona) daquele que nega a culpa, condenando este à pena máxima. Logo, a escolha racional é ambos confessarem, acarretando o pior resultado para o grupo (porém não o pior resultado individual)”. (ibid.).

160 “A única forma pela qual é possível condicionar comportamentos é por meio de punições ou prêmios,

pois estes são os principais incentivos processados pelo indivíduo racional. O direito tributário é o segmento do sistema jurídico que mais acarreta a tensão entre a necessidade de obtenção de recursos para a manutenção do Estado e a preservação da liberdade econômica individual, ou, em outras palavras, o conflito entre o interesse público e o interesse particular. A adequada instituição de

Nesse cenário, as sanções premiais apresentam-se como medida para diminuir ou suavizar o não pagamento dos tributos devidos, tornando a tributação mais funcional: A forma pela qual o Direito pode tentar minimizar o problema é a alocação das recompensas adequadas (pay offs, no jargão da teoria dos jogos) às ações dos contribuintes, ou seja, instituir as consequências eficientemente motivadoras das condutas desejadas pelo legislador: cumprir com as obrigações tributárias, principais e acessórias. As recompensas ou consequências são as sanções tributárias, punitivas ou premiais161.

Pela teoria da escolha racional, as pessoas realizam suas escolhas com base nas vantagens e desvantagens que lhes advirão. Ou seja, a pessoa avalia a relação custo x benefício, sendo considerada racional a escolha em que os benefícios superam os custos.

Cristiano Carvalho162 conclui que, no sistema jurídico, as sanções são tomadas como preços a serem pagos quando da prática de ilícitos, e, por isso, esse sistema “é, sobretudo, um sistema de preços normativos, sendo estes fixados pelas sanções”.

Marcos André Vinhas Catão, após explicar a doutrina de Norberto Bobbio, conclui que as normas de promoção não condizem com o conceito de “sanção” colhido no direito público ou privado. Em vista disso, trata as normas de incentivo fiscal como normas de organização do Estado que têm função promocional sob o pálio da extrafiscalidade, não qualificadas como sanção163.

Analisando a natureza jurídica das normas de incentivo financeiro, José Souto Maior Borges 164 afirma que haverá incentivo estatal sempre que as atividades particulares são estimuladas pelo Estado em razão das repercussões sociais que provocam, merecendo esse incentivo, com base na interpretação global do ordenamento

sanções jurídicas é uma das formas de minorar esse conflito, evitando o indesejado efeito carona de