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Da necessidade de observância ao Princípio da Anterioridade para a

6 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E OS INCENTIVOS FISCAIS

6.8 Incentivos Fiscais no Tempo: anterioridade e segurança jurídica

6.8.1 Da necessidade de observância ao Princípio da Anterioridade para a

Em fina sintonia com o sobreprincípio da segurança jurídica, o princípio da anterioridade, insculpido no artigo 150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal, traz um lapso temporal que preserva a tranquilidade do contribuinte protegida por aquele

422 CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a

concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 13-14.

423 Ibid., p. 39-40.

sobreprincípio, bem como permite o planejamento da conduta em razão do conhecimento antecipado, dado ao potencial sujeito passivo acerca da obrigação que lhe advirá.

Como à aptidão para tributar corresponde a aptidão para não tributar, o que pode ocorrer por meio de algumas espécies de incentivos fiscais, entende-se que os princípios que regem a tributação regem, igualmente, a atividade de conceder incentivos fiscais424.

É o que ocorre com o princípio da anterioridade. Afinal, a revogação de uma isenção (espécie de incentivo fiscal) gera os mesmos efeitos da instituição ou majoração de um tributo: maior dispêndio por parte do contribuinte. No entender de Roque Antônio Carrazza425, não havendo o efeito repristinatório no direito tributário pátrio, tem-se que a lei se dirige ao que deve ser no futuro, pois é inadmissível que os direitos das pessoas fiquem à mercê das alterações legislativas, mormente quando se trata de tributos; desse modo, lei revogada não volta a produzir efeitos.

Assim, a revogação de lei que instituía isenção, seguida da reposição do tributo pela nova lei, deve observar o princípio da anterioridade como espelho do princípio da segurança jurídica, nos tributos a que tal princípio se aplica.

Nesse contexto, Roque Antônio Carrazza426 assinala que o decreto legislativo é instrumento hábil para ratificar os convênios interestaduais e instituir isenções tributárias no âmbito do ICMS. Do mesmo modo que Estado ou Distrito Federal não podem, mediante lei ordinária, instituir isenções, também não as podem revogar, porque isso pressupõe novos convênios a serem ratificados por novos decretos legislativos. Esses, por fim, revelam-se aptos também para revogar as isenções e, assim, subordinam-se ao princípio da anterioridade.

Importante estabelecer que, em se tratando de incentivos fiscais no tempo, estes podem ser, muitas vezes, concedidos em caráter transitório ou permanente, com ou sem determinadas condições.

424 Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda

Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 233.

425 Ibid., p. 235 et seq. 426 Ibid., p. 239-240.

Para esta análise, levamos em consideração os diversos estudos de isenção já realizados, pois entendemos que, embora sejam espécies de incentivos, as regras de anterioridade e segurança jurídica se amoldam às mesmas circunstâncias.

Os incentivos fiscais transitórios ou temporários perduram por determinado período de tempo, ou seja, se a sua limitação no tempo é fixada pela própria lei que concede os incentivos fiscais, pois, nesses casos, supõe-se que os contribuintes incentivados poderão suportar a tributação, uma vez findo o período para o qual foram estipulados os incentivos427.

Roque Antônio Carrazza428, quando analisa o instituto das isenções com prazo indeterminado, entende que elas podem ser revogadas429, quer total, quer parcialmente, por meio de veículo próprio (lei), observado o princípio da anterioridade quando pertinente, sem direito à indenização, mesmo que onerosa (condicional). Tal revogação, a seu ver, pode ser expressa ou tácita (nesta, ocorre a criação ou recriação de tributo idêntico ao que havia sido isentado). Ainda, do mesmo modo, as isenções com prazo certo também podem ser revogadas ou alteradas antes do final de sua duração, porque a lei não pode restringir o legislador do futuro, impedindo o Estado de exercer suas competências legislativas. Também nessa hipótese há de se respeitar o princípio da anterioridade, se se tratar de imposto a ele sujeito. Para esse estudioso, a revogação antecipada de isenção com prazo certo e gratuita (incondicional) não é indenizável e não gera direito adquirido. Em todo caso, isenção de qualquer espécie juridicamente constituída não é atingida pela revogação, pois a Constituição Federal põe a salvo o ato jurídico perfeito430.

Conforme mencionado, ainda que Roque Carrazza tenha analisado a questão temporal para as isenções, entendemos que essas conclusões podem ser perfeitamente

427 BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 281.

428 Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda

Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 968.

429 “A isenção permanente somente cessa de produzir os seus efeitos com a superveniência de lei

revogadora. A isenção temporária, inversamente, é instituída por um prazo fixado de logo na própria lei que a estabelece ou, noutros termos, a isenção temporária tem sua vigência fixada na lei que a regula”. (BORGES, op. cit., loc. cit.).

430 “É evidente que a lei revocatória nunca alcançará as isenções (seja as com prazo certo, seja as com

prazo indeterminado) que se perfizerem juridicamente, produzindo os efeitos que lhes eram próprios. Deveras, ela, em razão da norma constitucional que protege o ato jurídico perfeito, não poderá alterar ou destruir os benefícios fiscais auferidos sob o império da antiga lei isentiva”. (CARRAZZA, op. cit., p. 969).

aplicáveis aos incentivos fiscais, dado que os efeitos gerados, quando revogados, são semelhantes.

Um outro exemplo a ser mencionado é o relativo às isenções incondicionais (unilaterais ou gratuitas) denominadas aquelas que não exigem, para sua fruição, qualquer contrapartida do beneficiário 431 , enquanto as chamadas condicionais dependem do implemento de condição legalmente prevista, razão pela qual também são conhecidas como bilaterais ou onerosas. Por óbvio, a condição não pode ser natureza tal que compense o próprio benefício advindo da isenção, mostrando-se mais onerosa, ao final, do que o próprio pagamento do tributo isentado, devendo apresentar-se razoáveis e adequadas, além de conformes aos princípios constitucionais tributários432.

Especialmente sobre as isenções com prazo certo e condicionais, afirma Roque Antônio Carrazza433 que, se revogadas antes do término de seu prazo, não prejudicam os contribuintes que implementaram o requisito de sua fruição e, por isso, poderão usufruir de suas vantagens até o final do lapso incialmente previsto na lei isentiva, como se revogação não houvesse. Ele entende que, nesses casos, o destinatário da isenção que cumpre a condição incorpora as vantagens dessa modalidade de isenção ao seu patrimônio, o que configura direito adquirido de se valer do benefício pelo tempo previsto na lei que instituiu a isenção, em atenção ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Para ele, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito ensejam a ultratividade da lei anterior disciplinadora das situações que se consumaram durante sua vigência, ainda que, depois da entrada em vigor de lei nova, em virtude da segurança jurídica434. A lei revogadora da isenção condicional e com prazo certo regerá as situações futuras; as anteriores, abrangidas pela lei isentiva, estão incorporadas ao patrimônio do contribuinte que preencheu as condições, o qual, por essa razão, não será tributado durante prazo previsto naquela lei (não sofrerá os efeitos da lei revogadora)435.

431 Sobre o beneficiário da isenção incondicionada, afirma Roque Antônio Carrazza (Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 972) que “Este, portanto, não tem de suportar nenhum ônus em troca da vantagem fiscal. O isento não assume, no caso, nenhuma obrigação em troca da outorga do benefício. É suficiente seja colhido pela hipótese de incidência da isenção”.

432 Ibid., p. 969-972. 433 Ibid., p. 972 et seq. 434 Ibid., p. 981.

435 “Presume-se que a lei que concede uma isenção com prazo certo, condicional, traduz o anseio da

pessoa política que a editou de obter, dos virtuais contribuintes, um dado comportamento, reputado de interesse geral. Ora, tal lei isentiva não tem outro significado senão proteger, para o futuro, seus beneficiários, isto é, aquelas pessoas que cumpriram os requisitos para não serem tributadas. Se

José Souto Maior Borges 436 observa que a lei revogatória que discricionariamente priva da vantagem econômica o beneficiário que cumpriu os requisitos necessários à sua fruição é incompatível com o prescrito no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Para ele, no caso de isenção tributária incondicional (sem contraprestação exigida do beneficiário) e sem prazo, pode ocorrer revogação a qualquer tempo pelo ente competente, mediante lei embasada na livre convicção do legislador, na conveniência e oportunidade do ato em função dos critérios de política fiscal por ele julgados relevantes.

Já nas isenções condicionais, há condições e requisitos previstos em lei, para sua concessão, mormente investimentos e outros gastos. Essas condições e requisitos obstam a revogação pura e simples da isenção, porque certamente se instalaria um ambiente de insegurança no qual nenhuma pessoa colocaria em risco seus recursos a fim de receber uma vantagem que pode transformar-se, ao final, em verdadeiro prejuízo. Portanto, a revogação de isenções temporárias e condicionais tem como impedimento exatamente essas condições e requisitos exigidos para sua concessão, enquanto perdurarem, caracterizando direito adquirido. Se a isenção que se pretende revogar foi concedida com prazo certo e tendo em vista contrapartidas do beneficiário, então não ocorrerá a qualquer tempo. Mantém-se irrevogável até o final do prazo para o qual foi concedida437. Há direito adquirido porque a concessão da isenção, segundo esse estudioso, coloca o beneficiário em situação protegida da discricionariedade administrativa, tendo em vista o conjunto de direitos, deveres e obrigações que constituem o status do beneficiário da isenção.

E, nesse contexto da possibilidade de revogação de isenção condicionada e com prazo certo, questiona José Souto Maior Borges quem são os destinatários do artigo 178, do Código Tributário Nacional, afastando-se, desde logo, o particular, que em nada interfere no processo legislativo, e o legislador propriamente dito, que tem poder de revogar a isenção a qualquer tempo. Em conclusão, a irrevogabilidade está em entendermos que ela pode, sem nenhuma consequência jurídica, ser revogada antes do prazo, estaremos, ipso facto, admitindo que ao legislador é dado iludir os contribuintes, levando-os, por meio de artimanhas, a certas condutas para, depois, atingido o desiderato, retirar-lhes o benefício”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 982).

436 Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 78 et seq. 437 “Chega-se a sustentar em doutrina que aplicar a lei revogadora antes do término do prazo para o qual

foi deferida a isenção equivale a aplicar retroativamente a lei nova: a que reduziu ou encerrou o prazo de duração ao benefício”. (ibid., p. 81).

fina sintonia com a proteção constitucional ao direito adquirido, que preserva a aplicabilidade da lei revogada (ultra-aplicabilidade).

Incentivo transitório ou com prazo certo é aquele cujo termo final de existência está assinalado em seu veículo introdutor, ao contrário do chamado permanente ou com prazo indeterminado, cujo termo final de existência não está fixado de antemão.

Partindo da premissa de que os motivos da concessão de isenções extrafiscais são extensíveis às demais espécies de incentivos, Marcos André Vinhas Catão438 aproxima a análise daquelas e desses quanto ao aspecto temporal (prazo certo ou indeterminado) e à aplicabilidade (condicionada ou incondicionada). Em atenção ao artigo 178, do Código Tributário Nacional439, e também à súmula n. 544, do Supremo Tribunal Federal440, ele entende que a isenção concedida sob certas condições e a prazo certo pode ser revogada, desde que se observem alguns pressupostos, porque nesses casos é exigido do destinatário da isenção uma prestação ou ação que só é praticada em virtude dessa forma de exclusão do crédito tributário.

A irrevogabilidade seria, a seu sentir, uma negação da transitoriedade como característica de isenções extrafiscais (incentivos), convertendo exceção em regra e vice-versa. Ademais, a irrevogabilidade se traduziria em verdadeiro impedimento ao exercício da competência tributária e, por fim, numa imoralidade administrativa, na medida em que a perpetuidade não permitiria a reavaliação das circunstâncias que levaram à instituição de dada isenção extrafiscal.

Nesse mesmo contexto do artigo 178, do Código Tributário Nacional, ele trata do diferimento, tomando-o como espécie de isenção sob o aspecto formal, qual seja, isenção condicionada. Nela, o aperfeiçoamento se dá apenas na ocorrência do(s) evento(s) futuro(s) que enseja(m) sua caracterização; com esse(s) evento(s), o crédito tributário se tornaria exigível, ao passo que sem ele a obrigação tributária restaria fortalecida aos sujeitos passivos das operações precedentes, livrados do recolhimento do tributo ante o diferimento. É que, para esse autor, admitir a não exigência do crédito tributário quando não cumprida a condição implicaria eternizar o diferimento e o

438 Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 79-81.

439 “Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições,

pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.”

440 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 544. Isenções tributárias concedidas, sob condição

onerosa, não podem ser livremente suprimidas. Julgamento: 03 dez. 1969. Órgão Julgador: Sessão Plenária: Publicação: DJ, 10 dez. 1969.

transformar em isenção pura, com violação aos requisitos formais e materiais para sua concessão441.

A propósito, convém esclarecer nosso entendimento acerca das expressões

obrigação tributária e crédito tributário, pois são ambos ambíguos. Obrigação

tributária pode ser entendida como uma quantia em dinheiro, um dever jurídico de uma pessoa de praticar ou não uma conduta, o dever jurídico de uma pessoa especialmente entregar uma quantia em dinheiro, uma relação jurídica, uma norma jurídica, um elemento da norma jurídica; enfim, as acepções são diversas.

Por obrigação tributária, tomada em sentido amplo, devemos entender o dever jurídico de que está investida uma pessoa de realizar determinada conduta (dar, fazer ou não fazer), relativamente a uma outra pessoa, pois o Direito tem como objeto regular condutas intersubjetivas, isto é, entre pessoas distintas, lembrando que a irreflexividade é uma de suas características442. A obrigação tributária é, a nosso sentir, a própria relação jurídica implicada por um fato jurídico. Trata-se do próprio prescritor da norma jurídica tributária em sentido estrito.

Portanto, a obrigação, nessa concepção que adotamos, não é norma jurídica, mas parte ou componente de norma jurídica, com o que está abrangida pelo sistema do direito positivo, cujos elementos, como afirmados alhures, são exclusivamente normas jurídicas.

Do mesmo modo que obrigação tributária, crédito tributário é expressão que contempla mais de uma significação. Apesar disso, consideramos crédito tributário como o direito subjetivo do sujeito ativo na relação jurídica tributária que o permite ver satisfeito seu objeto. Por isso, não se pode falar em obrigação tributária sem crédito tributária ou vice-versa. Na esteira do que adotado pelo Código Tributário Nacional, Marcos André Vinhas Catão parece diferenciar as expressões que ora comentamos, admitindo o nascimento da obrigação e do crédito tributário em momentos distintos, como se a primeira surgisse com a ocorrência do chamado fato gerador e o segundo outro ato.

441 CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar,

2004, p. 85.

442 “Hipótese genuína de relação irreflexiva é a jurídica, dado que ninguém pode estar, juridicamente, em

relação consigo próprio. O direito pressupõe, inexoravelmente, dois sujeitos distintos, no mínimo, como imperativo de sua fundamental bipolaridade”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 104).

Conforme as premissas inicialmente fixadas, não há direito sem linguagem: antes da conversão, mediante linguagem, do evento fenomênico em fato jurídico, no caso, tributário, não há obrigação tributária, muito menos seus elementos crédito e débito isoladamente. A obrigação tributária surge para o mundo jurídico no mesmo instante em que o crédito tributário, porque não pode surgir sem um de seus elementos.

Após esse paralelo, concluímos que os incentivos fiscais devem se ater ao princípio da anterioridade, especificamente para os casos de isenção – lembrando que a maioria das espécies, conforme concluímos, enquanto fenômeno, pode enquadrar-se nesta categoria. Assim fixamos nosso entendimento, pois, uma vez revogado o incentivo fiscal, haverá inevitavelmente a submissão ao regramento tributário da norma padrão de incidência tributária, de modo que há de ser estabelecido um mínimo de previsibilidade ao contribuinte submetido, até então, às regras mais brandas de tributação.