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7 CONDICIONANTES FINANCEIROS AOS INCENTIVOS FISCAIS

7.2 Os Incentivos Fiscais e a Lei de Responsabilidade Fiscal

7.2.2 Situações excepcionais à aplicação do artigo 14 da LRF

Da análise que empreendemos quanto ao artigo 14 da LRF, entendemos que ele não se aplicará ao que denominamos de incentivos financeiros.

Importante destacar a análise elaborada por Celso de Barros Correia Neto456, em que verifica que os incentivos que não reduzam a obrigação tributária, não reduzem a arrecadação e não afetam o equilíbrio fiscal. Cita, ainda, dentro deste escopo, os incentivos não onerosos ou a custo zero, que seriam aqueles que não causam nenhum impacto sobre as finanças do ente federativo, uma vez que as receitas “renunciadas” não teriam sido consideradas na realização de estimativa de arrecadação.

453 A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 90.

454 “Renúncia é o ato pelo qual o titular de um direito voluntariamente o abandona. Ora, os incentivos da

LRF, art. 14, são todos eles correlacionados com matéria tributária e atuam no âmbito da relação respectiva. Renúncia de receita tributária é renúncia de crédito tributário”. (ibid., p. 91).

455 “O conceito de incentivo fiscal, ou mais rigorosamente de incentivo tributário, na terminologia no art.

14, abrange, além da anistia, remissão, subsídio, isenção, redução da alíquota ou da base de cálculo, crédito presumido e também os benefícios”. (ibid., p. 96).

456 CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito

tributário. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013, p. 204.

Assim, em linhas gerais, no que se refere à cláusula de renúncia de receita, do artigo 14, caput, da Lei Complementar n. 101, entendemos que ele a restringe aos incentivos propriamente tributários enumerados nesse dispositivo, que, tendo natureza tributária, a estende à cláusula em comento457.

Destaca-se que, de acordo com a classificação proposta no presente trabalho, os incentivos que entendemos que deverão se submeter ao artigo 14 da Lei Complementar nº 101 são aqueles que classificamos como incentivos fiscais, isto é, todos aqueles que se entrelaçarão com a regra-matriz de incidência tributária, com a diminuição ou supressão do tributo a pagar.

457 “A cláusula da ‘renúncia de receita’ (LC 101, art. 14, caput) é adjecta. Não está a rigor vedado

qualquer ato estatal que implique renúncia de receita. Só os atos tributários, melhor dito: os incentivos tributários latu sensu são interditos pelo art. 14. Dito sob outra fórmula: a renúncia de receita a que se refere o art. 14, caput está vinculada às categorias tributárias adnumeradas nesse dispositivo. Não está desvinculada do âmbito material tributário do dispositivo em análise”. (BORGES, José Souto Maior. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos financeiros estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 63, dez. 2000, p. 97).

8 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS: ANÁLISE DE CASO CONCRETO SOBRE A GUERRA FISCAL ENTRE OS ESTADOS DA FEDERAÇÃO

8.1 Introdução

O pano de fundo da questão versada no presente capítulo diz respeito à guerra

fiscal, ou seja, às disputas travadas entre os Estados Federados no que tange à

legitimidade para instituição de incentivos fiscais unilaterais, é dizer, sem observância aos termos da Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, que, no âmbito do ICMS, condiciona a concessão de tais incentivos à celebração de convênios entre todos os Estados e o Distrito Federal458, bem como a tendência jurisprudencial sobre o tema.

A teor da citada Lei Complementar, os convênios hão de ser celebrados em “reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal” (art. 2º da LC nº 24/75). Atualmente, é o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) o órgão deliberativo que tem a função de firmar tais convênios.

Nesse contexto, alguns incentivos fiscais estaduais, que foram instituídos sem apoio em Convênio do CONFAZ, são alvos de recorrentes questionamentos.

Desse modo, tudo o que se expôs sobre norma secundária e, especialmente, sobre a norma secundária ou sancionatória de competência com base nas lições de Tácio Lacerda Gama assume relevo ainda maior na análise da situação concreta que a seguir se fará.

Tais normas trazem, em sua hipótese, a descrição do descumprimento da norma de competência, no caso, da norma estrutural de incentivos fiscais, o que dá causa à aplicação dessas normas sancionatórias459.

458 Frisa-se que a Lei Complementar nº 24/75 foi editada em atendimento ao disposto no artigo 155, XII,

“g” da Constituição Federal, que assim preconiza: “Art. 155. […]

XII - cabe à lei complementar: […]

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”

459 “O órgão judicial, se provocado, exercitará a sua competência e criará uma norma jurídica que, por

conseqüência, ingressará no sistema do direito positivo, procedendo-se a uma espécie de ‘cálculo normativo’ (operação entre normas) com a norma produzida em desacordo com as normas

A lembrança de que, no consequente da norma primária de competência, temos a permissão de o sujeito ativo produzir, em conformidade com as regras do sistema, norma que cria, revoga ou modifica outra norma e o dever de os sujeitos passivos cumprirem as determinações contidas nas normas produzidas, nos remete aos veículos introdutores que resultam da aplicação da norma estrutural de incentivos fiscais, enquanto norma de competência que são e nos quais buscamos a enunciação-enunciada.

Isso porque, uma vez que respeitamos os veículos introdutores como normas válidas, buscamos neles, como afirmado, a enunciação-enunciada, a fim de a confrontarmos com a norma de competência positivada ou, no nosso caso, a norma estrutural de incentivo fiscal460.

Com base no veículo introdutor, identificaremos o procedimento adotado na criação da norma de conduta, bem como seu agente produtor, para posterior verificação em face da norma de competência, que nada mais é do que seu fundamento de validade461. Se, nesse confronto, tal fundamento de validade não for construído (uma vez que operamos no constructivismo lógico-semântico), teremos a caracterização do antecedente da norma sancionatória de competência, conforme leciona Tárek Moysés Moussallem:

Aqueles veículos introdutores de normas (norma fundada) que não regressarem regularmente às normas de produção normativa (fundamento de validade) são passíveis de expulsão do sistema do direito positivo pela aplicação da norma secundária e da norma de revisão sistêmica462.

Veja-se que, se desconsiderarmos a figura dos veículos introdutores, o raciocínio construído durante essa confrontação resta dificultado ou mesmo inviabilizado. Por esse motivo, demos destaque especial a essas normas gerais e

procedimentais, o que resultará na adição ou subtração de normas no sistema”. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 88).

460 “A partir do documento normativo (DN1), o cientista aceita o veículo introdutor (VI1) como

presumivelmente válido. Por meio da enunciação-enunciada (VI1), começará a perquirir a forma procedimental e o agente produtor do documento normativo investigado (DN1), utilizando-se para tanto da teoria das provas. Posteriormente, realiza o cotejo da atividade e dos agentes produtores do veículo introdutor (VI1) com as normas sobre produção normativa”. (ibid., p. 177).

461 “Se houver conformidade entre a norma sobre produção normativa e a atividade enunciativa, dir-se-á

que o documento normativo (DN1) é válido. Caso contrário, o sistema do direito positivo necessitará de produzir um outro documento normativo (DN2), cujo veículo introdutor (VI2) contenha no seu enunciado-enunciado a aplicação de uma norma de revisão sistêmica para retirar o veículo introdutor (VI1) do sistema (um dos possíveis significados para ‘revogação’). Do inverso, o documento normativo permanece, com presunção juris tantum, no sistema do direito positivo”. (ibid., p. 178).

462 Ibid., loc. cit., grifos do autor.

concretas na análise das interferências entre as normas de incentivos fiscais e as propriamente tributárias.

Ressalta-se, desde logo, que questões atinentes à guerra fiscal estão se desenrolando no âmbito judicial, sendo certo que há diversas ações já julgadas, tanto em controle difuso quanto concentrado e várias outras na iminência de serem apreciadas. Os julgamentos já ocorridos se direcionaram pelo reconhecimento da inconstitucionalidade dos incentivos concedidos unilateralmente.

Ademais, insta anotar que, diante do grande número de demandas em curso, o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, propôs a edição de Súmula Vinculante com o objeto de pacificar a discussão. Todos os pormenores que envolvem o tema sob análise serão tratados adiante.

Enfim, o fato a ser considerado é que as circunstâncias ora relatadas tornam o cenário atual ainda incerto, justificando a preocupação dos contribuintes, não apenas quanto ao resultado de tais julgamentos, mas também – e especialmente – quanto aos seus destinatários e aos efeitos que lhe serão atribuídos pelo Poder Judiciário.