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O exercício da competência tributária: aptidão para a instituição de

4 A ESTRUTURA NORMATIVA DOS INCENTIVOS FISCAIS

4.3 Segunda aproximação: a Norma de Competência e uma proposta de análise

4.3.1 O exercício da competência tributária: aptidão para a instituição de

tributos e de incentivos fiscais

José Souto Maior Borges221 ensina que a Constituição Federal, ao mesmo tempo em que atribui competência para tributar, permite e, por vezes, programa o não

218 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 2. ed. São Paulo:

Noeses, 2011, p. 7.

219 QUEIROZ, Luiz Cezar Souza. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 67. 220 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 80). 221 Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 31.

exercício dessa aptidão através da isenção, sem prejuízo dos princípios constitucionais tributários que devem lastrear essa atividade.

Em paralelo a esse ensinamento, depreendemos que a instituição dos incentivos fiscais, pelo ordenamento constitucional tributário, está sujeita a condicionamentos idênticos aos que são estabelecidos para a instituição de tributos. Torna-se manifesta, assim, a interligação entre o regime jurídico do tributo e o dos incentivos fiscais, dado que o poder de instituir incentivos fiscais é, nada mais, do que o próprio poder de tributar visto ao inverso.

Hermano Notaroberto Barbosa222 trata o que denomina “poder de não tributar” como categoria jurídica autônoma, revelada pela possibilidade de o ente político, após receber a competência tributária, não exercê-la ou fazê-lo parcialmente. No seu entender, tal poder tem natureza de direito constitucional público patrimonial.

Referido autor separa o poder de não tributar em sentido amplo do poder de não tributar em sentido estrito: aquele, nos casos em que o ente, tendo recebido a competência tributária, não a exerce; este, manifestado quando do exercício parcial da competência tributária, com os benefícios fiscais ou incentivos fiscais, efetivados juridicamente por modalidades diferentes223.

Em vista disso, apresentamos alguns aspectos gerais sobre a competência tributária, entendida como a aptidão para legislar sobre matéria tributária, produzir normas jurídicas sobre tributos. Trata-se de tema constitucional, sendo uma fração da possibilidade de inovar no ordenamento jurídico em assuntos tributários atribuída às pessoas políticas.

Assim, exercita-se através do processo legislativo, nas esferas federal, estadual, municipal e distrital, com a elaboração, promulgação e publicação da lei (em sentido amplo), que passa a integrar o ordenamento e disciplinar a conduta intersubjetiva. Relaciona-se à forma federativa do Estado, adotada no Brasil.

Como anota Luis Eduardo Schoueri224:

Efetivamente, a discriminação de competências tributárias não é requisito de um sistema federal. Este exige, outrossim, que se

222 O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 83. 223 Ibid., p. 85-88.

224 Discriminação de competências e competência residual. In: ______; ZILVETI, Fernando Aurélio

(Coords.). Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado, São Paulo: Dialética, 1998, p. 83.

assegurem às pessoas jurídicas de direito público autonomia financeira. Não é sem razão, neste sentido, que já se disse que “foi a discriminação de rendas a causa última e decisiva da criação da figura jurídica e política do Estado Federal.

Portanto, a lei, em sentido amplo, é o instrumento exclusivo de criação de tributos. Nesse ponto, salienta-se que criar tributos não se confunde com arrecadar tributos. A primeira atividade é legislativa (competência tributária) e a segunda é de caráter administrativo (capacidade tributária ativa).

Como anota Paulo de Barros Carvalho225, detêm competência tributária, além das pessoas políticas de direito constitucional interno, o Presidente da República ao expedir um decreto de IR, o juiz e o tribunal ao julgarem uma demanda, o agente administrativo que lavra um lançamento e também o particular ao praticar o autolançamento, entre outros exemplos. Dada a variedade de acepções da expressão, o mestre citado fixa que:

Todos eles operam revestidos de competência tributária, o que mostra a multiplicidade de traços significativos que a locução está pronta para exibir. Não haveria por que adjudicar o privilégio a qualquer delas, em detrimento das demais. Como sugeriram expoentes do Neopositivismo Lógico, em situações desse jaez cabe-nos tão-somente especificar o sentido em que estamos empregando a dicção, para afastar, por esse modo, as possíveis ambiguidades.

Tácio Lacerda Gama226, atento aos diversos sentidos da expressão, classifica as competências em legislativas, abrangendo a criação de leis ou atos normativos, e infralegislativas, isto é, as competências administrativa, jurisdicional e privada. O objetivo é manter o equilíbrio entre a generalidade da forma e o casuísmo de analisar cada uma das competências tributárias.

Acerca das características da competência tributária impositiva no ordenamento jurídico pátrio, costuma-se apontar as seguintes: a) indelegabilidade; b) irrenunciabilidade; c) incaducabilidade; d) inalterabilidade; e) privatividade; e f) facultatividade.

Para Paulo de Barros Carvalho227, apenas três características se sustentam, quais sejam, a indelegabilidade, a irrenunciabilidade e a incaducabilidade. Conforme

225 Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 236.

226 Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São

Paulo: Noeses, 2011, p. 230-231.

227 Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 274 et seq.

observa Tácio Lacerda Gama228, os diálogos travados entre Paulo de Barros Carvalho e Roque Antônio Carrazza conduziram a algumas modificações na classificação das características acima indicadas.

A indelegabilidade, na lição de Roque Antônio Carrazza229, refere-se à titularidade de seu exercício, e não à sua disponibilidade. As competências são intransmissíveis. Na parafiscalidade, não se transfere a competência tributária, mas a capacidade tributária ativa e a disponibilidade do produto arrecadado, ou seja, a parafiscalidade é analisável após o exercício da competência. Ainda, a delegação de competências é incompatível com a rígida discriminação constitucional.

A irrenunciabilidade consiste na impossibilidade de a pessoa política competente tornar res nullius a sua competência. Acaso renunciável, teríamos outra incompatibilidade com a discriminação constitucional de competências, dada sua rigidez.

A incaducabilidade refere-se à ausência de prazo para seu exercício, podendo a pessoa competente exercê-la conforme suas decisões políticas, não sujeitas a controle jurisdicional.

A competência tributária é a aptidão para legislar em matéria tributária, ou seja, instituir tributos com a descrição da regra-matriz de incidência correspondente ou, ainda, majorá-los, alterando as bases de cálculos e alíquotas, no critério quantitativo do consequente.

Considerando que legislar é inovar, não se admite que a Constituição tenha estabelecido um prazo para o exercício da competência. Assim, pode o Poder Legislativo competente criar leis, inovando na ordem jurídica, conforme lhe aprouver.

A inalterabilidade traduz a impossibilidade de modificação da competência pela pessoa política, que deve exercitá-la nos termos traçados pela Constituição. Roque Antônio Carrazza assevera que a competência pode ser modificada através de emenda constitucional, que “venha a redefinir as fronteiras dos campos tributários das pessoas políticas”230. Entretanto, o constituinte derivado deve cuidar para não afrontar a forma federativa do Estado, cláusula pétrea resguardada no artigo 60, § 4º, I, da Constituição

228 Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. revista e ampliada. São

Paulo: Noeses, 2011, p. 278 et seq.

229 Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda

Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 670.

230 Ibid., p. 675.

Federal, porque, ao reduzir a competência de certo ente político, pode acabar retirando- lhe a autonomia financeira e, por conseguinte, sua autonomia jurídica. Critica-se a inalterabilidade como característica universal da competência diante da possibilidade de modificação pelo poder reformador: a alteração excepcional via emenda constitucional afasta a regra/característica da inalterabilidade.

A privatividade manifesta-se no fato de que cada pessoa política tem sua competência exclusiva. Desse modo, podemos falar na cláusula vedatória implícita, pela qual a Constituição, ao dar competência a um ente político, ao mesmo tempo nega essa competência aos demais. A crítica que se faz a essa característica é de que apenas a União tem competência exclusiva, uma vez que ela poderá instituir impostos de competência dos demais entes, nas hipóteses dos artigos 147 e 154, II, da Constituição Federal. Essas exceções, portanto, derrubam a afirmação universal da privatividade como característica.

Por fim, a facultatividade (do exercício) aparece como decorrência da própria incaducabilidade, porque representa que a instituição do tributo, o exercício da competência, sujeita-se à decisão política do ente. O exemplo mais adequado é a possibilidade de instituição do imposto sobre grandes fortunas, até agora não disciplinado.

No contexto das normas de competência e do conceito mesmo de competência tributária, podemos tecer considerações sobre a competência para instituir incentivos fiscais, visto que o exercício dessa aptidão deve ser feito pelo veículo próprio, qual seja, lei, em atenção ao princípio da legalidade. Por isso, Paulo de Barros Carvalho231 afirma que, assim como a introdução de qualquer norma tributária que regule a relação jurídica entre o contribuinte e o Fisco deve ser feita através de lei, a instituição de isenções, incentivos ou benefícios fiscais também deve ser realizada por lei do órgão legislativo encarregado.232

231 CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a

concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 35.

232 “O mesmo pode afirmar-se de quaisquer outras alterações na regra-matriz do tributo, que representem

incentivo ou benefício fiscal: dependem do regular exercício da competência, mediante atuação do Poder Legislativo, culminando na publicação de lei que discipline a matéria. E o preceito é reiterado no art. 150, § 6º, do Texto Constitucional, que enuncia, expressamente, a necessidade de lei federal, estadual ou municipal, conforme o tributo que se trate, para introduzir isenções, incentivos ou benefícios fiscais no ordenamento”. (ibid., p. 36).