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Incentivos Fiscais como sinônimo de Benefícios Fiscais ou Privilégios

3 ANÁLISE SEMÂNTICA DA EXPRESSÃO INCENTIVOS FISCAIS

3.2 Os Incentivos Fiscais: múltiplos sentidos para uma única expressão

3.2.1 Incentivos Fiscais como sinônimo de Benefícios Fiscais ou Privilégios

Enquanto expressão dotada de polissemia, os incentivos fiscais podem ser equiparados, logo num primeiro olhar, como sinônimo de privilégios, benefícios, favores fiscais.

A costumeira equiparação entre “incentivos fiscais” e “benefícios fiscais” é questão comum quando se inicia um estudo sobre o tema.

Esse, ao nosso ver, é o primeiro ponto quando tratamos da análise semântica dos incentivos fiscais.

Considerar incentivos fiscais como benefícios ou privilégios continua sendo questão não uniforme na doutrina.

Todavia, a doutrina mais atual tende a afastar a equiparação entre incentivos fiscais e benefícios fiscais.

José Souto Maior Borges93, ao tratar sobre os incentivos fiscais, discorre sobre a impossibilidade de equiparação com benefícios fiscais, uma vez que “privilégio” ou “favor” são significados imprecisos e equivocados na linguagem científica.

Julio Cesar Pereira94, a partir da análise do art. 14, da Lei Complementar nº 101/2000, trabalha a distinção entre incentivo e benefício fiscal. Para esse autor, benefício fiscal se refere a uma vantagem econômica do ente que o arrecada, em prejuízo de uma efetiva ação política do Estado, normalmente protecionista, no domínio econômico, sem exigir do beneficiário qualquer conduta específica e condicional, nem obediência à capacidade contributiva. O incentivo, por sua vez, relaciona-se a uma ação normativa do Estado com vistas a uma reação da pessoa mediante condutas, a favor de certos aspectos, programas ou valores desejados pela coletividade (ação política voltada a que as condutas dos administrados correspondam efetivamente a uma atividade protegida normativamente). Nesse contexto, surge a questão da extrafiscalidade. Ressalta-se, atentando-se à questão terminológica, que subvenções e subsídios, de natureza genuinamente financeira, impactam o orçamento no âmbito das despesas públicas, não sendo, portanto, enquadráveis no campo da extrafiscalidade.

93 Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 66.

94 Incentivo fiscal à cultura: do do-in antropológico à iconoclastia. 2010. Dissertação (Mestrado em

Direito) – Departamento de Direito Econômico e Financeiro, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, cap. XVI.

Na sequência, destaca que é incorreto relacionar incentivos fiscais à ideia de desoneração fiscal, porque esta equivale à ideia de remoção de onerosidade, à de desobrigação, o que pressupõe tenha havido incidência de norma de tributação. Porém, nem sempre há onerosidade, como no caso de isenções enquanto instituto tipicamente exoneratório.

Ao final, afirma que a figura dos incentivos fiscais, cuja estrutura lógica tem como fim intrínseco engendrar no plano social condutas específicas, é passível de ser estudada a partir de hipóteses de exoneração e desoneração, mesmo transitando nos limites da fiscalidade em direção à extrafiscalidade.

Quanto à diferenciação entre incentivos e benefícios fiscais, Hermano Notaroberto Barbosa95 observa que, no Brasil, optou-se por designar um mesmo fenômeno quer como benefícios quer como incentivos fiscais, em razão da ausência de uma definição legal. Em decorrência disso, o conceito tem sua definição dada por propósitos pragmáticos, cuja justificativa está relacionada a objetivos peculiares que ditarão os critérios de diferenciação julgados bastantes96. Para ele, benefícios fiscais constituem:

[…] os casos de renúncia de receita tributária nos quais o legislador, em caráter excepcional, a fim de promover a realização de uma finalidade extrafiscal específica, desonera, total ou parcialmente, um grupo de contribuintes ou uma determinada atividade econômica em relação a um tributo que, a se aplicar sua regra geral, deveria incidir sobre os mesmos97.

O Supremo Tribunal Federal emprega os termos benefício e incentivo, grosso

modo, como figuras afins:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E

95 O poder de não tributar: benefícios fiscais na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 94-

95.

96 “No presente trabalho não são estabelecidas distinções entre ambas as expressões, que designam,

indistintamente, as manifestações jurídicas de que se quer identificar como poder de não tributar em sentido estrito. De todo modo, a fim de evitar que o uso repetido de ambos os termos pudesse confundir ou prejudicar a compreensão das ideias ora desenvolvidas, optou-se, de forma proposital, pela uniformização do texto pela adoção estipulativa da expressão benefícios fiscais. Não há razão técnica especial para a escolha empreendida. Embora o termo “incentivos” talvez ressaltasse a dimensão indutiva das exonerações tributárias, como instrumento de políticas extrafiscais, por outro lado a expressão “benefícios fiscais” sugere conteúdo mais genérico e abrangente que, portanto, ao ser menos diretamente orientado por um critério teleológico, melhor se coaduna com os propósitos deste estudo”. (ibid., loc. cit., grifos do autor).

97 Ibid., p. 96.

SERVIÇOS. ICMS. BENEFÍCIOS FISCAIS. NECESSIDADE DE AMPARO EM CONVÊNIO INTERESTADUAL. ART. 155, XII, G DA CONSTITUIÇÃO. Nos termos da orientação consolidada por esta Corte, a concessão de benefícios fiscais do ICMS depende de prévia aprovação em convênio interestadual, como forma de evitar o que se convencionou chamar de guerra fiscal. Interpretação do art. 155, XII, g da Constituição. São inconstitucionais os arts. 6º, no que se refere a “benefícios fiscais” e “financeiros-fiscais”, 7º e 8º da Lei Complementar estadual 93/2001, por permitirem a concessão de incentivos e benefícios atrelados ao ICMS sem amparo em convênio interestadual. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. (ADI 3794, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-146 DIVULG 29-07-2011 PUBLIC 01-08-2011 EMENT VOL-02556-01 PP-00014).

Para Roque Antônio Carrazza 98, incentivos fiscais, benefícios fiscais e

estímulos fiscais são expressões sinônimas, porém que não se confundem com isenções

fiscais, porque estas são apenas uma das maneiras de os conceber, já que podem ser identificados, por exemplo, em normas sobre imunidades, como a que trata da imunidade de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) às exportações de produtos industrializados.

Interessante a distinção feita por Herrera Molina99 ao considerar que o benefício fiscal estaria vinculado a uma ação protecionista do Estado em relação a certa categoria econômica, ao passo que o incentivo fiscal seria uma atitude proativa de estímulo a uma determinada atividade econômica:

El beneficio fiscal es aquella exención fundada en principios ajenos a la capacidad contributiva: con él se busca otorgar una ventaja económica. […]

Incentivos Tributarios, son aquellas exencionas configuradas de tal modo que estimulan la realización de determinada conducta.

Betina Treiger Grupenmacher100 rechaça considerar as reduções na carga tributária como privilégios odiosos concedidos a alguns contribuintes. Ao contrário, estando a concessão de incentivos e benefícios fiscais autorizadas pela Constituição

98 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed., revista, ampliada

e atualizada até a Emenda Constitucional n. 67/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 93.

99 HERREIRA MOLINA, Pedro M. La exencion tributária, Madrid: Colex, 1990, p. 57 TÔRRES,

Heleno Taveira. Crédito Prêmio de IPI. São Paulo: Minha Editora; Manole, 2005, p. 161.

100 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:

______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 12.

Federal, não haverá privilégios odiosos ou injustos, uma vez que a disciplina jurídica desses institutos será dada pela própria Constituição, que legitimará sua aplicação.

Ainda nesse tema, quanto ao adjetivo odiosos, que se tem atribuído aos incentivos fiscais, Heleno Taveira Torres 101, ao constatar o crescimento desse fenômeno, considera se tratar de um triste equívoco, baseado em análise superficial de casos de concessão de incentivos a empresas de médio e grande porte. Entende esse estudioso que os incentivos têm por fim reduzir desigualdades, as quais, além de funcionarem como único critério de discriminação admissível na seara fiscal, lastreiam o princípio da capacidade contributiva em intensidade maior do que a própria igualdade. José Souto Maior Borges102, quando analisa o instituto das isenções, identifica uma contradição naqueles que as consideram privilégios, ao mesmo tempo em que defendem que sua concessão se subordine aos princípios constitucionais. Para se caracterizar como privilégios, teriam que ser concedidas apenas a grupos de contribuintes com capacidade contributiva, em atenção a seu status jurídico-político e sem motivos econômicos ou sociais, com que violariam o princípio da isonomia tributária. Portanto, sua justificativa seria política e impeditiva do controle jurisdicional, no caso, da isenção-favor ou privilégio103.

Embora sua origem envolva a concessão de privilégios, atualmente com eles não se confundem, porque, como a sociedade não está mais dividida em classes (nobreza, clero, burguesia) de maneira estanque como nos séculos anteriores104, o sentido de “privilégio” perdeu sua razão de ser em face do interesse público que as orienta. Mesmo nos casos de isenções subjetivas, o fundamento não é interesse particular do destinatário, mas sim questões de ordem econômica, política e social105. Assim, tomar as isenções como privilégios parece, de certo modo, anacrônico, sobretudo considerando o princípio da isonomia que concorre incisivamente para a

101 Prefácio. In: CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro:

Renovar, 2004.

102 Teoria geral da isenção tributária. 3. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 64-66.

103 “Considerada a isenção uma liberalidade, favor ou privilégio, segue-se que estaria ditada apenas por

motivos de conveniência e oportunidade, cuja apreciação é discricionariamente objeto de decisão política do poder tributante, sem o mínimo de vinculação jurídica material, necessária para legitimar a intervenção do poder judiciário, como último intérprete da constitucionalidade dos atos legislativos. Se a isenção é um favor, somente ao poder que a estabelece compete apreciar o conteúdo do ato legislativo de instituição. Introduzem-se, assim, inadvertidamente, critérios estritamente políticos na análise jurídica desse instituto”. (ibid., p. 63, grifos do autor).

104 Ibid., p. 68. 105 Ibid., p. 69.

moderna definição de isenção. Ademais, ressalta o autor que a utilização das expressões

favor ou privilégio no tema de isenções traz imprecisões para o discurso científico.

Marcos André Vinhas Catão106 reconhece a ilegitimidade dos incentivos quando se apresentam como privilégios, exatamente por violarem princípios. Dentre esses, o mais evidente seria a capacidade contributiva, dada sua proximidade com o princípio da igualdade, tido pelo autor como um sobreprincípio. Violada a isonomia na concessão de “privilégios” em vez de incentivos, violam-se também princípios gerais da atividade econômica. Por fim, o autor aponta violação à liberdade na concessão de incentivos ilegítimos, seja no tocante àquele que arcará com a tributação maior, seja quanto ao próprio privilegiado, dado que esse privilégio custaria sua própria liberdade por ensejar uma certa dependência em relação ao Estado e por tolher sua criatividade e iniciativa107.

Por fim, a concessão de incentivos fiscais, na visão desse estudioso, deve nortear-se pela presença de interesse público, o que leva a considerar a moralidade e a publicidade referidas no artigo 37, da Constituição Federal: caso contrário, o incentivo passará a ser privilégio108.

Verifica-se, então, que encontramos estudos que equiparam os incentivos fiscais a benefícios fiscais, bem como outros que apresentam distinções entre as expressões incentivos e benefícios fiscais.

No presente trabalho, considerando que buscamos a eliminação da ambiguidade e vaguidade da expressão incentivos fiscais, optamos por não utilizar a expressão benefícios fiscais, e sim utilizar o termo incentivos fiscais, conforme será detalhado oportunamente.