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3 ANÁLISE SEMÂNTICA DA EXPRESSÃO INCENTIVOS FISCAIS

3.2 Os Incentivos Fiscais: múltiplos sentidos para uma única expressão

3.2.2 Incentivos Fiscais como Gênero

Encontramos na doutrina a análise da expressão incentivos fiscais enquanto gênero que alberga determinada espécie. Esta talvez seja a categorização mais clássica dos incentivos fiscais.

106 Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 16. 107 Ibid., p. 18-19.

108 Ibid., p. 43.

Embora não seja o objetivo deste tópico tratar a respeito da classificação dos incentivos fiscais, uma vez que discorreremos sobre ela em tópico específico, a abordagem feita pela doutrina em considerar incentivos fiscais como gênero já pressupõe tratar-se também de uma classificação fornecida para o tema.

Betina Treiger Grupenmacher109analisa os incentivos fiscais no sentido de que estes compreendem as exonerações de qualquer natureza cuja finalidade seja estimular certas atividades ou pessoas e que sejam vinculadas, normalmente, a uma contrapartida, compreendendo isenções, créditos presumidos, reduções de base de cálculo e de alíquota110. Nessas hipóteses, a autoridade fazendária, com base em lei ou contrato, desonera, total ou parcialmente, o sujeito passivo do pagamento do tributo, sob condição de que ele cumpra requisitos ou faça investimentos determinados.

Estevão Horvath e Julio Cesar Pereira111 classificam os incentivos fiscais como gênero que tem como uma de suas espécies as normas de isenção. Assim, entendem que os incentivos fiscais não se restringem às formas de exclusão do crédito tributário, mas englobam todo e qualquer instrumento que possa provocar, no sujeito passivo da obrigação tributária, uma incitação de caráter pecuniário que, embora referente ao pagamento do tributo, ultrapassa essa dimensão singular de cumprimento do dever tributário exatamente por se destinar à concretização de um fim diferente desse.

Em outras palavras, os incentivos fiscais, que remetem à ideia de fomento, proteção, acesso, trazem a marca da extrafiscalidade, já que seu emprego evidencia

109 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:

______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 15. 110 A autora não considera subsídios e subvenções como incentivos ou benefícios tributários, porque se

trata de desembolsos feitos pelo Estado em favor de particulares, o que lhes retira a natureza tributária. Apenas quando os subsídios se apresentam como créditos presumidos é que se revestem da natureza tributária: nesses casos, não há um desembolso efetivo pelo Estado, mas, havendo concessão de um crédito “fictício” cuja natureza é tributária, o subsídio pode ser considerado benefício ou incentivo tributário. O diferimento, por sua vez, também não é tido, pela autora, como exemplo de incentivo ou benefício fiscal, porque não há, numa visão global da tributação, diminuição da arrecadação, pois, em algum momento, haverá o pagamento integral do tributo. Nessa hipótese, o Estado não perde receita e ofende duplamente o princípio da capacidade contributiva, tanto perante o contribuinte que se beneficia do diferimento, como diante daquele que arca com esse pagamento na etapa seguinte. Somente se o diferimento for acompanhado de crédito presumido poderá ser considerado benefício fiscal. Nos casos de alíquota zero e redução de base de cálculo ou alíquota, havendo desoneração da carga tributária, mesmo que não completamente, têm-se benefícios fiscais. (ibid., p. 29 et seq.).

111 Notas sobre incentivo fiscal à cultura. In: PAULA JUNIOR, Aldo de et al. Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: Noeses, 2010. p. 345-363.

interesses diferentes da finalidade arrecadatória do Estado, interesses esses com sede constitucional.

Nesse contexto, emerge desta classificação fator teleológico para guiar a interpretação dos incentivos fiscais. Se eles são instituídos com o propósito de realizar finalidades de caráter axiológico previstas, em última análise, na Constituição Federal, distantes da arrecadação tributária, então operam no terreno da extrafiscalidade.

Os incentivos fiscais, na perspectiva desses autores, envolvem o direito tributário, o direito financeiro, o direito administrativo e a política. Essa última é, para eles, um atributo essencial do conceito de incentivo fiscal, o qual se origina invariavelmente de um ato de vontade política que diminui ou subtrai determinado tributo, cuja imposição prejudica certa conduta que se quer incentivada. Destaca-se a conclusão dos autores sobre os incentivos fiscais à cultura112: com eles, podem-se atingir as mesmas finalidades da arrecadação tributária, sem demandar o recolhimento e a posterior distribuição ou aplicação, conforme o orçamento.

O estudo baseado nos incentivos fiscais como gênero considera que abaixo dos incentivos estão as respectivas espécies, isto é, formas de concessão dos incentivos fiscais, que poderão ocorrer sob a forma de isenções, diferimento, reduções de alíquota e base de cálculo, crédito presumido, remissão, anistia, dentre outros.

3.2.3 Incentivos Fiscais como Espécie

É sabido que a separação dos objetos em gêneros e espécies deve guiar-se pela diferença específica. Assim, uma espécie de um gênero pode configurar uma nova classe que ensejará nova classificação em espécie, passando a figurar, perante essa nova espécie que engloba, como gênero.

Enquanto considera os incentivos fiscais como gênero em que se inserem as espécies isenções, créditos presumidos e reduções de base de cálculo de alíquota, enfim, exonerações tributárias de qualquer natureza criadas com a finalidade de incentivar

112 “Afinal, a destinação de recursos tributários a finalidades escolhidas pelo orçamento tem o mesmo

propósito do incentivo à cultura, objeto deste trabalho: o atingimento, por vias distintas de objetivos de interesse público contemplados pelo Direito posto neste momento histórico”. (HORVATH, Estevão; PEREIRA, Julio Cesar. Notas sobre incentivo fiscal à cultura. In: PAULA JUNIOR, Aldo de et al. Congresso nacional de estudos tributários: direito tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: Noeses, 2010, p. 361-362).

determinadas atividades ou indivíduos mediante uma contrapartida113, Betina Treiger Grupenmacher também os considera espécie de um gênero mais amplo, o das desonerações tributárias, abrangente também dos benefícios fiscais. Embora faça a distinção entre incentivos fiscais e benefícios fiscais, ressalva que, comumente, se equiparam as figuras114.

Entende Betina Treiger Grupenmacher115 que as figuras desonerativas podem funcionar como instrumentos importantes de regulação e adequação da carga tributária, ao preservá-la em patamares razoáveis ou equilibrados e opostos ao confisco, além de possibilita a renovação das riquezas tributáveis, no círculo virtuoso – e não vicioso – da arrecadação aos cofres públicos. Nesse contexto, uma tributação desmedida pode comprometer essas riquezas, que geram, através da incidência tributária, recursos aos cofres públicos: em outras palavras, o aumento da carga fiscal coloca em risco, para mais das atividades desenvolvidas pelo setor produtivo, a existência do Estado como um todo. Desestimulado pela elevada carga tributária, o setor produtivo para de investir, levando à retração da economia e atingindo, em última análise, toda a sociedade116. A tributação excessiva, a seu ver, é aquela que supera o necessário para o atingimento dos desígnios estatais.

Para a referida autora, diferem dos incentivos os benefícios fiscais pela ausência tanto da contrapartida como da intenção de estimular uma atividade ou grupo de pessoas. Identificam-se os benefícios fiscais pelos motivos de política fiscal que os guiam ou pelo objetivo de realização da capacidade contributiva, configurando hipóteses de favorecimento extraordinário (a redução ou desoneração total do tributo) de grupos específicos de contribuintes com fins extrafiscais na maioria dos casos, sem que esses contribuintes precisem realizar uma contraprestação, como investimento, por exemplo117.

Desse modo, caracteriza-se uma desoneração tributária (gênero) como sendo um incentivo (espécie) ou um benefício fiscal (espécie), primeiramente, pela análise da exposição de motivos de seu veículo introdutor e, após, mediante interpretação

113 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Das exonerações tributárias. Incentivos e benefícios fiscais. In.:

______; CAVALCANTE, Denise Lucena; RIBEIRO, Maria de Fátima; QUEIROZ, Mary Elbe.

Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012, p. 16. 114 Ibid., p. 15.

115 Ibid., p. 12-13. 116 Ibid., p. 15. 117 Ibid., p. 17-18.

sistemática desse mesmo texto. Caso a ideia do instrumento seja estimular certa atividade ou pessoa, identificaremos um incentivo fiscal; de outro modo, se vislumbrar uma vantagem motivada pela política fiscal, teremos um benefício118. Em todo caso, o Estado tem de arcar por si só com o ônus financeiro (a diminuição da arrecadação) decorrente da opção de estimular determinado setor da economia119.

Especialmente sobre isenções, essa autora as classifica, juntamente com as imunidades, como hipóteses de não incidência de direito, sendo ambas exemplos de mecanismos de desoneração da carga tributária, despontando, no Brasil, as primeiras como instrumento mais empregado para essa finalidade, ora configurando incentivos, ora benefícios fiscais120. Para ela, há casos de não incidência de fato (o fato concreto não se adéqua à descrição normativa ou ainda não se realizou) e de não incidência de direito, entre os quais se encontram as isenções e as imunidades, enquanto fatores normativos (legais ou constitucionais) que impedem o fenômeno da incidência.