• Nenhum resultado encontrado

A MÚTUA DEPENDÊNCIA ENTRE O DIREITO E A SOCIEDADE

SOCIEDADE E DIREITO

13. A MÚTUA DEPENDÊNCIA ENTRE O DIREITO E A SOCIEDADE

13.1. Fato Social e Direito. Direito e sociedade são entidades congênitas e que se pressupõem. O Direito não tem existência em si próprio. Ele existe na sociedade. A sua causa material está nas relações de vida, nos acontecimentos mais importantes para a vida social. A sociedade, ao mesmo tempo, é fonte criadora e área de ação do Direito, seu foco de convergência. Existindo em função da sociedade, o Direito deve ser estabelecido à sua imagem, conforme as suas peculiaridades, refletindo os fatos sociais, que significam, no entendimento de Émile Durkheim, “maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem”.10

Fatos sociais são criações históricas do povo, que refletem os seus costumes, tradições, sentimentos e cultura. A sua elaboração é lenta, imperceptível e feita espontaneamente pela vida social. Costumes diferentes implicam fatos sociais diferentes. Cada povo tem a sua história e seus fatos sociais. O Direito, como fenômeno de adaptação social, não pode formar-se alheio a esses fatos. As normas jurídicas devem achar-se conforme as manifestações do povo. Os fatos sociais, porém, não são as matrizes do Direito. Exercem importante influência, mas o condicionamento não é absoluto. Nem tudo é histórico e contingente no Direito. Ele não possui apenas um conteúdo nacional, como adverte Del Vecchio. A natureza social do homem, fonte dos grandes princípios do Direito Natural, deve orientar as “maneiras de agir, de pensar e de sentir do povo” e dimensionar todo o Jus Positum. Falhando a sociedade, ao estabelecer fatos sociais contrários à natureza social do homem, o Direito não deve acompanhá-la no erro. Nesta hipótese, o Direito vai superar os fatos existentes, impondo-lhes modificações.

13.2. O Papel do Legislador. O Direito é criado pela sociedade para reger a própria vida social. No passado, manifestava-se exclusivamente nos costumes, quando era mais sensível à influência da vontade coletiva. Na atualidade, o Direito escrito é forma predominante, malgrado alguns países, como a Inglaterra, Estados Unidos e alguns povos muçulmanos, conservarem sistemas de Direito não escrito. O Estado moderno dispõe de um poder próprio, para a formulação do Direito – o Poder Legislativo. A este compete a difícil e importante função de estabelecer o Direito.

Semelhante ao trabalho de um sismógrafo, que acusa as vibrações havidas no solo, o legislador deve estar sensível às mudanças sociais, registrando-as nas leis e nos códigos.

Atento aos reclamos e imperativos do povo, o legislador deve captar a vontade coletiva e transportá- la para os códigos. Assim formulado, o Direito não é produto exclusivo da experiência, nem conquista absoluta da razão. O povo não é seu único autor e o legislador não extrai exclusivamente de sua razão os modelos de conduta. O concurso dos dois fatores é indispensável à concreção do Direito. Este pensamento é confirmado por Edgar Bodenheimer, quando afirma que “seria unilateral a afirmação de que só a razão ou só a experiência como tal nos deveriam guiar na administração da justiça”.11

No presente, o Direito não representa somente instrumento de disciplinamento social. A sua missão não é, como no passado, apenas garantir a segurança do homem, a sua vida, liberdade e patrimônio. A sua meta é mais ampla; consiste em promover o bem comum, que implica justiça, segurança, bem-estar e progresso. O Direito, na atualidade, é um fator decisivo para o avanço social. Além de garantir o homem, favorece o desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da produção das riquezas, a preservação da natureza, o progresso das comunicações, a elevação do nível cultural do povo, promovendo ainda a formação de uma consciência nacional.

O legislador deste início de milênio não pode ser mero espectador do panorama social. Se os fatos caminham normalmente à frente do Direito, conforme os interesses a serem preservados, o legislador deverá antecipar-se aos fatos. Ele deve fazer das leis uma cópia dos costumes sociais, com os devidos acertos e complementações. O volksgeist deve informar às leis, mas o Direito contemporâneo não é simples repetidor de fórmulas sugeridas pela vida social. Se de um lado o Direito recebe grande influxo dos fatos sociais, provoca, igualmente, importantes modificações na sociedade. Quando da elaboração da lei, o legislador haverá de considerar os fatores histórico, natural e científico e a sua conduta será a de adotar, entre os vários modelos possíveis de lei, o que mais se harmonize com os três fatores. Na visão de Demolombe “A suprema missão do legislador é precisamente a de conciliar o respeito devido à liberdade individual dos cidadãos com a boa ordem e harmonia moral da sociedade”.12

Earl Warren, na presidência da Suprema Corte Norte-Americana, salientou a importância do Direito para o progresso e segurança dos povos: “A história tem demonstrado que onde a lei prevalece, a liberdade individual do Homem tem sido forte e grande o progresso. Onde a lei é fraca ou inexistente, o caos e o medo imperam e o progresso humano é destruído ou retardado”.13

As transformações que o mundo atual experimenta, no setor científico e tecnológico, vêm favorecendo as comunicações humanas, tão precárias no passado. O mundo caminha para transformar-se numa grande aldeia. O desenvolvimento das comunicações entre povos distantes e de diferentes origens provocará o fenômeno da aculturação e, em consequência, a abertura de um caminho para a unificação dos fatos sociais e uma tendência para a universalidade do Direito. A unificação absoluta, tanto dos fatos sociais quanto do Direito, será inalcançável, em face da permanência de diversidades culturais.

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário:

10 – Giorgio del Vecchio, Lições de Filosofia do Direito; 11 – Idem;

12 – Émile Durkheim, As Regras do Método Sociológico; Da Divisão do Trabalho Social; Paulo Dourado de Gusmão, Introdução ao

Estudo do Direito;

13 – Mouchet e Becu, Introducción al Derecho; Felippe Augusto de Miranda Rosa, Sociologia do Direito; José Florentino Duarte, O

____________

1 “... a sociabilidade penetra todo o fazer humano até o ponto que toda ação é uma verdadeira coação, um fazer com outros” (Sebastián Soler, Las Palabras de la Ley, 1a ed., Fondo de Cultura Económica, México, 1969, p. 27).

2 Em igual perspectiva é a preleção e comentário de Rudolf Stammler: “Lo único que cabe afirmar con seguridad es que

donde quiera que aparecen seres humanos, encontramos siempre una ordenación jurídica. La conocida historia de

Robinsón no debe inducirnos a error en este respecto. Robinsón procedrá, como todo hombre, de una colectividad sujeta a Derecho, y a la que se reintegra en definitiva, y durante su aislamiento voluntario se sustenta con el patrimonio espiritual adquirido de esa colectividad.” Em La Genesis del Derecho, 1a ed., Madrid, Talleres Calpe, 1925, p. 8.

3 Giorgio Del Vecchio, Lições de Filosofia do Direito, trad. da 10a ed. original, Arménio Amado, Editor, Suc., Coimbra, 1959, vol. II, p. 219.

4 Talcott Parsons e Edward A. Shills, Homem e Sociedade, de Fernando H. Cardoso e Octávio Ianni, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1966, p. 125.

5 Pensava Heráclito que “se ajusta apenas o que se opõe, que a mais bela harmonia nasce das diferenças, que a discórdia é a lei de todo devir”, apud Aristóteles, Ética a Nicômaco, VIII, I.

6 Anderson e Parker, Uma Introdução à Sociologia, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1971, p. 544.

7 Émile Durkheim, Divisão do Trabalho Social, Os Pensadores, Abril Cultural, São Paulo, 1973, cap. II e III. 8 Miguel Reale, Filosofia do Direito, 7a ed., Edição Saraiva, 1975, vol. II, p. 389.

9 C. Massimo Bianca, Diritto Civile, 2a ed., Milano, Giuffrè Editore, 2002, vol. I, p. 5.

10 Émile Durkheim, As Regras do Método Sociológico, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1960, cap. I. Sobre a presente definição, v. José Florentino Duarte, O Direito como Fato Social, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1982, p. 17 e segs.

11 Edgar Bodenheimer, Ciência do Direito, Filosofia e Metodologia Jurídicas, Forense, Rio, 1966, p. 178. 12 Cours de Code Napoléon, Paris, Cosse, Marchal et Billard, s/d., vol. 1, p. 3.

13 Earl Warren, Tribuna da Justiça, no 357, de 28.11.66, artigo “A busca da paz por meio da Lei”. Warren presidiu a Suprema Corte no período de 1953 a 1969 e notabilizou-se pela defesa dos direitos individuais e proteção aos direitos das minorias.

Capítulo 5