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Quarta Parte FONTES DO DIREITO

74. O DIREITO ROMANO

Ao longo desta obra, numerosas referências são feitas ao Direito Romano, tal a sua influência nos ordenamentos do mundo ocidental, especialmente no Direito Privado. Daí a necessidade de se oferecer aos iniciantes a visão global daquele sistema, tanto por referência às fontes históricas quanto por sua organização, princípios e características fundamentais. Embora os romanos não tenham se notabilizado nas especulações do espírito, a sua cultura jurídica não teria alçado nível elevado sem o apoio de uma segura orientação filosófica. E esta não lhes faltou, pois os seus juristas receberam influência do

repercussão da filosofia estoica, em Roma, é atribuída à sua doutrina ética, dado o caráter austero do povo romano e, também, por sustentar, na esfera política, a ideia do Estado único, à qual correspondiam as aspirações romanas.

As referências ao Direito Romano tomam por base, apenas, o ordenamento vigente em Roma, no período compreendido entre a sua fundação (754 a.C.) e a morte do imperador Justiniano, em 565 de nossa Era. Abrange três fases: a) a do Direito antigo ou pré-clássico (754 a 126 a. C. – aproximadamente); b) a do Direito clássico (125 a. C. a 305 d. C.); c) a do Direito pós-clássico (306 a 565).6 Para a compreensão de cada uma dessas fases, importante é a distinção dos diversos períodos da história de Roma: I) Período régio – da fundação ao fim da realeza (510 a. C.). O Jus Positum era costumeiro e ligado à religião. Os pontífices revelavam o Direito, exercendo o seu monopólio; II)

Período republicano – de 510 a 27 a. C. O jus (Direito laico) se emancipa do faz (Direito sagrado) e

surge a classe de jurisconsultos leigos; III) Período do principado – do Imperador Augusto (27 a. C.) até Diocleciano (285). Considerado monarquia atenuada, esse período é de transição entre a república e a monarquia absoluta. Além dos costumes e das leis, o Direito da época teve por fonte os editos dos magistrados, os senatus-consultos, as constituições imperiais e as responsa prudentium. Estas consistiram em pareceres de jurisconsultos distinguidos pelo imperador com o jus publice respondendi e que definiam o jus, tornando-se obrigatória aos pretores a sua orientação (v. item 102); IV) O Período

dominato ou da monarquia absoluta estendeu-se de 285 até 565. O imperador assume integralmente o

poder e passa a ser a única fonte reveladora do Direito. Neste período surgem a Lei das Citas e o

Corpus Juris Civilis.

De acordo com J. Esser e Puig Brutau, o Direito Romano é o único que passou por todas as fases que um sistema jurídico pode experimentar: “Direito sacerdotal, Direito das gentes, Direito judicial (Richterrecht), Direito de funcionários, Direito legislativo e Direito decretado pelo imperador”.7

Inicialmente o Direito Romano foi constituído pelo Jus Civile, que se aplicava apenas aos cidadãos (cives) e se manifestava nos costumes, envolvido em práticas solenes de fundo religioso. Posteriormente, as leis, votadas em comícios, na época republicana, tiveram a função de complementar as normas consuetudinárias, seja suprindo as lacunas ou corrigindo as distorções, além de dispor sobre o regime de governo. Quando os romanos entraram em contato com outros povos, em decorrência de suas conquistas militares, surgiu o Jus Gentium, que não possuía excessos formalistas e era menos costumeiro e mais universal. O novo sistema se destinava às relações dos estrangeiros entre si e em seus contatos com os

cives. O pretor urbano (praetor urbanus) aplicava o Jus Civile, enquanto o pretor peregrino (praetor peregrinus) decidia as questões afetas aos estrangeiros, segundo o Jus Gentium. Os pretores não

criavam o Direito, mas tinham o poder de declarar, mediante editos, as regras que aplicariam no exercício de suas funções. Tais enunciados não se contrapunham ao Jus Civile, mas o complementavam. Na definição de Papiniano, o Direito Pretoriano, também denominado Honorário, “é o que, por razão de utilidade pública, introduziram os pretores, para ajudar, suprir ou corrigir o Direito Civil; o qual se chama também honorário, assim denominado em honra dos pretores”.8

Como se depreende, o Direito Romano não se originou de uma única fonte, nem resultou do esforço isolado de uma época. Sua formação foi lenta e sedimentou-se a partir da famosa Lei das XII Tábuas, elaborada pelos decênviros, em 452 a.C., estendendo-se até o período da monarquia absoluta. A Lex

Duodecim Tabularum, destinada à comunidade rural, inspirou-se em fontes gregas e ordenou a vida

romana durante vários séculos. Entre a sua aprovação e o Corpus Juris Civilis, a jurisprudentia evoluiu, especialmente pela ação dos juristas dos dois últimos séculos a. C., que adaptaram a cultura jurídica à realidade socioeconômica, então dominada pela indústria e comércio.

O apogeu do Direito Romano se deu nos primeiros séculos de nossa Era, graças ao labor dos jurisconsultos e editos dos magistrados. A Lei das Citas, do ano 426, obrigava os pretores a seguirem as lições do chamado tribunal dos mortos, formado pelos jurisconsultos Gaio, Papiniano, Paulo, Ulpiano e Modestino. Digno de registro, também, o Código Teodosiano, do séc. V da atual Era, que influenciou o ordenamento jurídico francês anterior ao Code Napoléon.

O sistema romano, expresso notadamente no Corpus Juris Civilis (Corpo do Direito Civil), séc. VI, constitui o grande legado romano à humanidade. É o repositório da cultura jurídica alicerçada em vários séculos de experiência. A codificação, ordenada por Justiniano (483 a 565) e elaborada por uma comissão de juristas sob a coordenação do ministro Triboniano, compõe-se de quatro partes. A primeira, denominada Código, reúne a legislação existente a partir do reinado de Adriano (76 a 138). Em 532, a comissão entregou o Digesto ou Pandectas – coletânea de lições de grandes jurisconsultos. Seguiram-se as Institutas, formadas por uma apresentação didática dos princípios existentes no Código e no Digesto. Sua exposição inicia-se com a definição de justiça: “Justitia est constans et perpetua voluntas ius suum

cuique tribuens” (Justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu), seguindo-se a da

Ciência do Direito: “Jurisprudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia, iusti atque iniusti

scientia” (Jurisprudência é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do

injusto). Ainda no preâmbulo estão os famosos princípios: “Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere,

alterum non laedere, suum cuique tribuendi” (Os preceitos do Direito são: viver honestamente, não

lesar a outrem e dar a cada um o que é seu). O Direito natural não seria privativo do gênero humano, mas “o que a natureza ensinou a todos os animais”.9

A última parte – Novelas – contém a legislação promulgada por Justiniano, à qual se acrescentaram as leis supervenientes. Com o Corpus Juris Civilis, nas palavras do historiador Edward McNall Burns, “o direito clássico romano estava sendo revisado para atender às necessidades de um monarca oriental cuja soberania só era limitada pela lei de Deus”.10