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DIREITO E ESTADO

68. CONCEITO E ELEMENTOS DO ESTADO

68.1. Conceito. O vocábulo Estado, no sentido em que é empregado modernamente, a nação

politicamente organizada, era estranho aos antigos, pois advém da época de Maquiavel (1469-1527),

que iniciou a sua obra O Príncipe (1513) com as seguintes palavras: “Todos os Estados, todos os domínios que têm havido e que há sobre os homens foram e são repúblicas ou principados.”4 Os gregos designavam polis a sua cidade-estado, termo equivalente a civitas dos romanos. Em Do Espírito das

Leis, Montesquieu empregou-o para designar o Direito Público. Atualmente, Estado é um complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de poder autônomo. Queiroz Lima definiu-o como “uma nação

encarada sob o ponto de vista de sua organização política”5 e León Duguit considerou-o “força a serviço do Direito”.6

As investigações que a doutrina moderna desenvolve sobre o Estado caminham em três direções:

a) sociológica: que analisa o Estado do ponto de vista social, abrangendo a totalidade de seus

aspectos econômico, jurídico, espiritual, bem assim o seu processo de formação e composição étnica (objeto da Sociologia);

b) política: corresponde à pesquisa dos meios a serem empregados pelo Estado, para promover o

bem-estar da coletividade, que é o seu objetivo (objeto da Ciência Política);

c) jurídica: que examina a estrutura normativa do Estado, a partir das constituições até a legislação

ordinária (objeto da Ciência do Direito).

Quanto à natureza do Estado, de um lado há teorias naturalistas, que consideram a organização estatal um fenômeno natural, uma decorrência espontânea e necessária da vida social e, de outro lado, as

teorias da dominação, expostas sobretudo pela antiga corrente comunista, que vê no Estado um processo

artificial, útil para manter o domínio de classes.

68.2. Elementos do Estado. É a definição do Estado que nos indica seus três componentes essenciais: população, território, soberania. Os dois primeiros formam o elemento material e o último, o de natureza formal. Analisemo-los de per si.

68.2.1. População. Esta é o centro de vida do Estado e de suas instituições. A organização política tem por finalidade controlar a sociedade e, ao mesmo tempo, protegê-la. Conforme assinala Máynez, a população atua como objeto e como sujeito da atividade estatal. Sob o primeiro aspecto, subordina-se ao império do Estado, suas leis e atividades. Como sujeito, os indivíduos revelam-se como membros da comunidade política.7

Não há limite mínimo ou máximo de habitantes para a formação de um Estado. Alguns há que possuem um reduzido número como o de Nauru que, em julho de 2010, possuía 14.019 habitantes, enquanto outros são superpovoados, como a China, cuja população já superou um bilhão e trezentos milhões de habitantes. Entre os pensadores antigos, Platão estimou em 5.040 o número ideal de homens livres para um determinado território; já Aristóteles pensou em uma população formada por 10.000 habitantes, excluídos os escravos, para que a polis pudesse ser bem governada. Rousseau também calculou em 10.000 o número ideal de habitantes para cada Estado.

A população que vive em um Estado pode caracterizar-se como povo ou nação. O conceito de ambos, porém, não se confunde. Denomina-se povo aos habitantes de um território, considerados do ponto de vista jurídico, como indivíduos subordinados a determinadas leis e que podem apresentar nacionalidade, religião e ideias diferentes. Nação é uma sociedade formada por indivíduos que se identificam por alguns elementos comuns, como a origem, língua, religião, ética, cultura, e sentem-se unidos pelas mesmas aspirações. Enquanto o povo se forma pela simples reunião de indivíduos que habitam a mesma região e se subordinam à soberania do Estado, a nação corresponde a uma coletividade de indivíduos irmanados pelo sentimento de amor à pátria. Essa coesão decorre de um longo processo histórico. Como afirmam os autores, povo é uma entidade jurídica e a nação é uma entidade moral.

68.2.2. Território. A sede do organismo estatal é constituída por seu território – base geográfica que se estende em uma linha horizontal de superfície terrestre ou de água e uma vertical, que corresponde

tanto à parte interior da terra e do mar quanto à do espaço aéreo.8 Em relação ao território, também não há limite máximo ou mínimo de extensão. Há de ser o suficiente, porém, para que a sua população possa viver e extrair da natureza os recursos necessários à sua sobrevivência. Cada Estado, por suas fronteiras, possui demarcado o seu limite territorial. Dentro de sua base geográfica, o Estado exerce a sua soberania.

Conforme expõe Jellinek, o significado do território revela-se por dupla forma: negativa e positiva. A primeira manifesta o aspecto de que é vedado a qualquer outro Estado exercer a sua autoridade nessa área; a positiva expressa que todos os indivíduos que se acham em um território estão sob o império do Estado.9

Segundo Eduardo García Máynez, o território possui dois atributos, do ponto de vista normativo:

impenetrabilidade e indivisibilidade. O primeiro significa que em um território só pode haver um Estado

e o segundo quer dizer que, da mesma forma que o Estado, enquanto pessoa jurídica, não pode ser dividido, seus elementos também serão indivisíveis.10

68.2.3. Soberania. É o necessário poder de autodeterminação do Estado. Expressa o poder de livre administração interna de seus negócios. É a maior força do Estado, a summa potestas, pela qual dispõe sobre a organização política, social e jurídica, aplicável em seu território. No plano externo, a soberania significa a independência do Estado em relação aos demais; a inexistência do nexo de subordinação à vontade de outros organismos estatais. Isto não quer dizer, porém, que o Estado não se acha condicionado a uma ordem jurídica internacional. O Direito Internacional Público, que disciplina as relações jurídicas entre Estados soberanos e entidades análogas, estabelece princípios e normas para o convívio internacional, que devem ser acatados pelos membros da comunidade internacional.

Como atributo fundamental, a soberania é una e indivisível; o poder de administração não pode ser compartido. Aristóteles, em “A Política”, já havia declarado esta característica: “a soberania é una e indivisível – ut omnes partem habeant in principatu, non ut singuli, sed ut universi”.11 Com muita ênfase, João Mendes de Almeida Júnior coloca em destaque esse predicado: “Não há duas soberanias, nem meia soberania. A soberania é uma força simples, infracionável; ou existe toda ou não existe.”12

Certos autores predicam à soberania um poder ilimitado ou ilimitável. Tal qualidade não pode ser aceita em face das consequências lógicas que apresenta. A ausência de limites à situação do Estado equivaleria a um retorno à cidade antiga, em que os indivíduos eram propriedades do Estado. O poder estatal há de ser amplo, mas respeitados os parâmetros necessários à proteção aos direitos humanos e ao reconhecimento dos direitos dos demais Estados que integram a comunidade internacional. Tal atributo seria inconciliável à ideia do Estado de Direito.

Alguns autores analisam a soberania sob o ponto de vista de sua titularidade, afirmando que a questão apresenta variações no tempo e espaço. Assim é que, nos Estados absolutistas, o seu titular seria o monarca; em outros regimes, como o aristocrata, a soberania estaria centralizada em um grupo; e nos Estados constitucionais, regidos pela democracia, o povo seria o seu titular. A questão parece-nos mal colocada, porque a soberania é sempre do Estado, é atributo seu, que pode ser controlado, exercitado, sob formas diversas, variáveis de acordo com as épocas e lugares.