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PROCEDIMENTOS DE INTEGRAÇÃO: PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Sumário: 109. Considerações Prévias. 110. As Duas Funções dos Princípios Gerais de Direito. 111. Conceito dos Princípios Gerais de Direito. 112. Natureza dos Princípios Gerais de Direito. 113. Os Princípios Gerais de Direito e os Brocardos. 114. A Pesquisa dos Princípios Gerais de Direito. 115. Os Princípios e o Direito Comparado.

109. CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

O postulado da plenitude da ordem jurídica, pelo qual o Direito Positivo não apresenta lacunas, sendo pleno de modelos para reger os fatos sociais e solucionar os litígios, torna-se possível no plano prático em face dos princípios gerais de Direito.1 Na esteira de quase todos os códigos estrangeiros, o

Direito brasileiro consagrou-os como o último elo a que o juiz deverá recorrer, na busca da norma aplicável a um caso concreto. Os princípios gerais de Direito garantem, em última instância, o critério de julgamento. Malgrado o legislador pátrio se refira especificamente ao juiz, na realidade dirigem-se os princípios aos destinatários do Direito em geral.

Diante de uma situação fática, os sujeitos de direito, necessitando conhecer os padrões jurídicos que disciplinam a matéria, devem consultar, em primeiro plano, a lei. Se esta não oferecer a solução, seja por um dispositivo específico, ou por analogia, o interessado deverá verificar da existência de normas consuetudinárias. Na ausência da lei, de analogia e costume, o preceito orientador há de ser descoberto mediante os princípios gerais de Direito. Nesta situação, não haverá possibilidade, teórica ou prática, de não se revelar a norma reitora, pois, como bem afirma Clóvis Beviláqua, “o jurista penetra em um campo mais dilatado, procura apanhar as correntes diretoras do pensamento jurídico e canalizá-lo para onde a necessidade social mostra a insuficiência do Direito positivo”.2

110. AS DUAS FUNÇÕES DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Na vida do Direito os princípios são importantes em duas fases principais: na elaboração das leis e na aplicação do Direito, pelo preenchimento das lacunas da lei. Os princípios, como acentuam Mouchet e Becu, “guiam, fundamentam e limitam as normas positivas já sancionadas”.3

Quando se vai disciplinar uma determinada ordem de interesse social, a autoridade competente não caminha sem um roteiro predelineado, sem planejamento, sem definição prévia de propósitos. O ponto de partida para a composição de um ato legislativo deve ser o da seleção dos valores e princípios que se quer consagrar, que se deseja infundir no ordenamento jurídico. Ciência que é, o Direito possui princípios estratificados pelo tempo e outros que vão se formando – in fieri. São os princípios que dão consistência ao edifício do Direito, enquanto os valores dão-lhe sentido. A qualidade da lei depende, entre outros fatores, dos princípios escolhidos pelo legislador. O fundamental, tanto na vida como no Direito, são os princípios, porque deles tudo decorre. Se os princípios não forem justos, a obra legislativa não poderá ser justa.

Ao caminhar dos princípios e valores para a elaboração do texto normativo, o legislador desenvolve o método dedutivo. As regras jurídicas constituem, assim, irradiações de princípios. Na segunda função dos princípios gerais de Direito, que é de preencher as lacunas legais, o aplicador do Direito deverá

perquirir os princípios e valores que nortearam a formação do ato legislativo. A direção metodológica que segue é em sentido inverso: do exame das regras jurídicas, por indução, vai revelar os valores e os princípios que informaram o ato legislativo.

111. CONCEITO DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

A expressão princípios gerais de Direito, por ser demasiadamente ampla, não oferece ao aplicador do Direito uma orientação segura quanto aos critérios a serem admitidos na sua aplicação. Para Lino Rodriguez-Arias Bustamante, “o importante é que os princípios gerais de Direito sejam concebidos dentro do âmbito de critérios objetivos...”4 Na opinião de Del Vecchio, que os identifica com os princípios do Direito Natural, “se bem se observa, o Direito só estabelece um requisito, quanto ao que deve existir entre os princípios gerais e as normas particulares do Direito: que entre uns e outros não haja nenhuma desarmonia ou incoerência...”5

Pelo que se observa, ao escolher uma fórmula tão abstrata e indefinida, o legislador, já ciente das divergências doutrinárias que a expressão apresentava, pretendeu oferecer ao aplicador do Direito um critério bem amplo, para a busca dos princípios aplicáveis aos casos concretos. A expressão adotada, atualmente, já constava no art. 7o da Lei Preliminar que, em 1916, acompanhou o Código Beviláqua.6

Mans Puigarnau, com objetivo de clarear o entendimento da expressão, submeteu-a à interpretação semântica destacando, como notas dominantes, a principialidade, generalidade e juridicidade:

a) Princípios: ideia de fundamento, origem, começo, razão, condição e causa;

b) Gerais: a ideia de distinção entre o gênero e a espécie e a oposição entre a pluralidade e a

singularidade;

c) Direito: caráter de juridicidade; o que está conforme a reta; o que dá a cada um o que lhe

pertence.7

No vasto campo do Direito há uma gradação de amplitude entre os princípios, que varia desde os mais específicos aos absolutamente gerais, inspiradores de toda a árvore jurídica. Entendemos que, embora a fórmula indique princípios gerais, a expressão abrange tanto os efetivamente gerais quanto os específicos, destinados apenas a um ramo do Direito. De acordo com a classificação que a doutrina apresenta quanto às categorias de princípios, os de Direito são monovalentes, porque se aplicam apenas à Ciência do Direito; os princípios plurivalentes aplicam-se a vários campos de conhecimento e os

onivalentes são válidos em todas as áreas científicas, como o princípio de causa eficiente.

112. NATUREZA DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

No exame da natureza dos princípios gerais de Direito, a polêmica dominante é travada entre as duas grandes forças da Filosofia do Direito: a positivista e a jusnaturalista. O positivismo, que tem a Escola Histórica do Direito, nesse particular, como aliada, sustenta a tese de que os princípios gerais de Direito são os consagrados pelo próprio ordenamento jurídico e, para aplicá-los, o juiz deverá ater-se objetivamente ao Direito vigente sem se resvalar no subjetivismo. As afirmações desta corrente, em síntese, são as seguintes:

a) os princípios gerais de Direito expressam elementos contidos no ordenamento jurídico;

b) se os princípios se identificassem com os do Direito Natural, abrir-se-ia um campo ilimitado ao

c) a vinculação de tais princípios ao Direito Positivo favorece a coerência lógica do sistema;

d) os ordenamentos jurídicos possuem um grande poder de expansão, que lhes permite resolver todas as questões sociais.8

Para a corrente jusnaturalista ou filosófica, da qual Giorgio del Vecchio é o expoente máximo, os princípios gerais de Direito são de natureza suprapositiva, constantes de princípios eternos, imutáveis e universais, ou seja, os do Direito Natural. O jusfilósofo italiano argumenta que, ainda na hipótese de a lei expressamente indicar, por princípios, os constantes no ordenamento jurídico, como o fez o Código Civil Italiano,9 os que deverão ser aplicados serão os do Direito Natural, de vez que, ao elaborar as leis, o

legislador se guia por eles.

Ainda quanto à natureza desses princípios, alguns autores identificam-na como legado do Direito Romano, que sempre gozou de grande prestígio e chegou a ser considerado a ratio scripta. Para Legaz y Lacambra, essa vinculação dos princípios com o Direito Romano possui valor puramente histórico. Em seus comentários ao art. 7o da Lei Preliminar, Clóvis Beviláqua identificou esse processo de integração com os princípios universais da ciência e da filosofia, como o fizeram Pacchioni e Bianchi: “Não se trata, como pretendem alguns, dos princípios gerais do direito nacional, mas, sim, dos elementos fundamentais da cultura jurídica humana em nossos dias; das ideias e princípios, sobre os quais assenta a concepção jurídica dominante; das induções e generalizações da ciência do direito e dos preceitos da técnica.”10 Gény e Espínola identificaram esses princípios com os ditados pela equidade.

113. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO E OS BROCARDOS

A possibilidade de se confundirem os princípios gerais de Direito com os brocardos e aforismos foi descartada por Arias Bustamante, sob o fundamento de que eles estreitariam o campo e a função dos princípios. O prestígio dos brocardos já experimentou, ao longo da história, altos e baixos. Enquanto alguns autores os consideram a ratio scripta, raios divinos capazes de iluminarem os estudos de Direito, outros negam-lhes importância. A palavra brocardo deriva de Burcardo, Bispo de Worms, que, no início do séc. XI, organizou uma coletânea de regras que foram impressas na Alemanha e na França. Essa coleção de cânones recebeu o nome de Decretum Burchardi e as regras e máximas passaram a ser conhecidas por burcardos e, posteriormente, por brocardos. A literatura jurídica, especialmente a francesa, destaca as máximas de Antoine Loysel, constantes em sua obra Institutes Coutumières (1607) que, na opinião de Mazeaud et Mazeaud, constitui “un excellent traité de droit”, onde o autor desenvolveu um plano lógico de exposição e de conteúdo. De acordo com os juristas franceses,

“L’influence des Institutes Coutumières sur les juristes et les praticiens de cette époque est certaine, et

a contribué à l’élaboration d’un droit commun coutumier”.11

Carlos Maximiliano condensou algumas críticas feitas por diversos juristas:

a) a fórmula genérica e ampla dos brocardos muitas vezes é ilusória, pois geralmente são destacados

de um determinado texto, onde possuíam vida e significado, mas, uma vez isolados, não conservam o mesmo sentido;

b) às vezes não possuem qualquer valor científico e chegam até a consagrar princípios falsos, v.g., in claris cessat interpretatio;

c) o seu emprego muitas vezes excede ao seu campo de aplicação;

d) em face da generalidade e quantidade de brocardos, é sempre possível descobrir algum que venha

amparando teses opostas;

e) apesar de enunciados em latim, nem sempre têm a autoridade do Direito Romano, sendo difícil às

vezes descobrir-se a sua origem.12

De acordo com as ponderações de Carlos Maximiliano, as posições extremas, radicais, não refletem o significado dos brocardos. O apego exagerado aos aforismos é tão condenável quanto o absoluto desprezo. A tendência à generalização é um fato que precisa ser melhor examinado, para se evitarem as distorções jurídicas. O repúdio sistemático aos adágios representa uma renúncia impensada da cultura estruturada através dos tempos. A conclusão é de que é indispensável o maior critério e prudência na aplicação dos brocardos.

114. A PESQUISA DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Para se revelarem os princípios que orientam e estruturam determinado sistema jurídico, o cientista do Direito deverá utilizar-se do método indutivo. Observando as fórmulas adotadas pelo legislador ao regular várias situações semelhantes, o jurista induz a existência de um princípio. Dos princípios encontrados e que informam áreas específicas do Direito, pode novamente induzir um princípio mais amplo e genérico e, por generalizações ascendentes, se chegar ao princípio procurado.

Quando se pretende descobrir o princípio consagrado pelo legislador, o investigador deverá pesquisá-lo, na lição de Carlos Maximiliano, obedecendo a seguinte ordem:

a) no instituto que aborda a matéria; b) em vários institutos afins;

c) no ramo jurídico como um todo;

d) no Direito Público ou no Direito Privado (dependendo da localização da matéria); e) em todo o Direito Positivo;

f) no Direito em sua plenitude.

Nesta progressão, de caminhar do mais específico ao mais geral, a possibilidade de falha será menor quanto mais específica for a fonte.13

115. OS PRINCÍPIOS E O DIREITO COMPARADO

Os sistemas jurídicos de quase todos os países incluem os princípios gerais de Direito como processo de integração jurídica. Limongi França revela a posição dos códigos das nações cultas, em relação aos princípios gerais de Direito:

Entre os códigos que não seguem a fórmula tradicional figuram, com maior destaque, o da Áustria, de 1812, o suíço, de 1907 e o da Itália, de 1942. O austríaco, por ter sido inspirado no racionalismo kantiano, além de não prever o costume como fonte, identificou os princípios com os do Direito Natural. Igualmente, o Código Seabra – Código Civil português de 1867 – que previa no art. 16: “Se as questões sobre direitos e obrigações não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos, prevenidos em outras leis, serão decididas pelos princípios de direito natural, conforme as circunstâncias do caso”. O italiano modificou o critério do Código anterior, que adotava a expressão princípios gerais de Direito substituindo-a por princípios do ordenamento jurídico do

Estado. O principal objetivo desse Código, ao adotar a nova fórmula, foi impedir que a justiça italiana

aplicasse princípios de Direito estrangeiro, em plena Segunda Guerra Mundial. O critério adotado pelo legislador suíço, considerado por García Máynez “a fórmula mais feliz de integração”, ao mesmo tempo que libera o magistrado para aplicar a regra que ele criaria se fosse o legislador, na hipótese de lacuna da lei e na falta do costume, condiciona-o à doutrina e à jurisprudência. Essa orientação acha-se na segunda parte do art. 1o, do teor seguinte:

“Em todos os casos não previstos por lei, o juiz decidirá segundo o costume e, na falta deste, segundo as regras que estabeleceria se tivesse que obrar como legislador. Inspirar-se-á para isso na doutrina e jurisprudência mais autorizada.”

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

Ordem do Sumário:

109 – Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil;

110 – Giorgio del Vecchio, Los Princípios Generales del Derecho; José María Díaz Couselo, Los Princípios Generales del Derecho; 111 – José María Díaz Couselo, op. cit.;

112 – Luis Legaz y Lacambra, Filosofía del Derecho; José María Rodriguez Paniagua, Ley y Derecho; 113 – Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito;

114 – Eduardo García Máynez, Introduccíon al Estudio del Derecho; Carlos Maximiliano, idem;

____________

1 O presente tema reveste-se de grande importância, tanto que Giorgio del Vecchio, ao estrear na Cátedra de Filosofia do Direito da Universidade de Roma, em 13 de dezembro de 1920, escolheu-o para dissertação, apresentando aos seus ouvintes a monografia especialmente escrita, hoje publicada sob o título Os Princípios Gerais do Direito.

2 Teoria Geral do Direito Civil, ed. cit., p. 37. 3 Mouchet e Becu, op. cit., p. 273.

4 Lino Rodriguez-Arias Bustamante, op. cit., p. 599. 5 Apud Lino Rodriguez-Arias Bustamante, op. cit., p. 594.

6 O art. 7o da Lei Preliminar era do seguinte teor: “Aplicam-se, nos casos omissos, as disposições concernentes aos casos

análogos e, não as havendo, os princípios gerais de direito.” 7 Apud José María Díaz Couselo, op. cit., p. 79.

8 José María Rodríguez Paniagua, Ley y Derecho, Editorial Tecnos, Madrid, 1976, p. 122.

9 O preceito consta na segunda parte do art. 12: “... Se um litígio não puder ser decidido por uma disposição expressa, ter-se- ão em conta as disposições que regulam os casos semelhantes e as matérias análogas; se o caso ficar ainda duvidoso, decidir-se-á de acordo com os princípios gerais da ordem jurídica do Estado.”

10 Clóvis Beviláqua, Código Civil, Oficinas Gráficas da Livraria Francisco Alves, vol. I, p. 88. 11 Op. cit., tomo I, 1o vol., p. 85.

12 Carlos Maximiliano, op. cit., p. 298. 13 Carlos Maximiliano, op. cit., p. 366.