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FORMAS DE INTERAÇÃO SOCIAL E A AÇÃO DO DIREITO

SOCIEDADE E DIREITO

12. FORMAS DE INTERAÇÃO SOCIAL E A AÇÃO DO DIREITO

12.1. A Interação Social. As pessoas e os grupos sociais se relacionam estreitamente, na busca de seus objetivos. Os processos de mútua influência, de relações interindividuais e intergrupais, que se formam sob a força de variados interesses, denominam-se interação social. Esta pressupõe cultura e conhecimento das diferentes espécies de normas de conduta adotadas pelo corpo social. Na relação interindividual, em que o ego e o alter se colocam frente a frente, com as suas pretensões, a noção comum dos padrões de comportamento e atitudes é decisiva à natural fluência do fato. O quadro psicológico que se apresenta é abordado, com agudeza, por Parsons e Shills: “... como os resultados da ação do ego dependem da reação do alter, o ego orienta-se não apenas pelo provável comportamento

manifesto do alter, mas também pela interpretação que faz das expectativas do alter com relação a seu

comportamento, uma vez que o ego espera que as expectativas do alter influenciarão o seu comportamento.”4

A interação social se apresenta sob as formas de cooperação, competição e conflito e encontra no Direito a sua garantia, o instrumento de apoio que protege a dinâmica das ações.

Na cooperação as pessoas estão movidas por igual objetivo e valor e por isso conjugam o seu esforço. A interação se manifesta direta e positiva. Na competição há uma disputa, uma concorrência, em que as partes procuram obter o que almejam, uma visando a exclusão da outra. Uma das grandes características da sociedade moderna, esta forma revela atividades paralelas, em que cada pessoa ou grupo procura reunir os melhores trunfos, para a consecução de seus objetivos. A interação, nesta espécie, se faz indireta e, sob muitos aspectos, positiva. O conflito se faz presente a partir do impasse, quando os interesses em jogo não logram uma solução pelo diálogo e as partes recorrem à luta, moral ou física, ou buscam a mediação da justiça. Podemos defini-lo como oposição de interesses, entre pessoas

ou grupos, não conciliados pelas normas sociais. No conflito a interação é direta e negativa. O Direito

só irá disciplinar as formas de cooperação e competição onde houver relação potencialmente conflituosa. Os conflitos são fenômenos naturais à sociedade, podendo-se até dizer que lhe são imanentes.5 Quanto mais complexa a sociedade, quanto mais se desenvolve, mais se sujeita a novas formas de conflito e o resultado é o que hoje se verifica, como já se afirmou, em que “o maior desafio não é o de como viver e sim o da convivência”.

dentro de um único tipo de relacionamento, pois “na maior parte das situações estão intimamente ligadas e mutuamente relacionadas de diversas formas”.6 De fato, tal fenômeno ocorre, por exemplo, com empresas concorrentes que, no âmbito de um determinado departamento, firmam convênio para o desenvolvimento de um projeto de pesquisa, ou se unem a fim de pleitear um benefício de ordem fiscal. Na opinião dos dois sociólogos norte-americanos “nenhuma forma de ação é mais importante para a dinâmica da sociedade do que outra”, embora reconheçam que uma pode ser mais desejável do que a outra. Em abono à presente opinião, é de se lembrar a tese do jurisconsulto alemão, Rudolf von Ihering, para quem a “luta” sempre foi, no desenrolar da história, um fator de propulsão das ideias e instituições jurídicas.

12.2. O Solidarismo Social. Léon Duguit, na esfera da Sociologia do Direito, desenvolveu uma importante teoria em relação à interação social por cooperação, no primeiro quartel do séc. XX. Baseando os seus estudos no pensamento do sociólogo Émile Durkheim, que dividiu as formas de solidariedade social em “mecânica” e “orgânica”,7 Léon Duguit estruturou a sua concepção a partir desse ponto, substituindo, porém, essas denominações, respectivamente, “por semelhança” e “por divisão do trabalho”. Consideramos a expressão entrosamento social mais adequada, em virtude de que a palavra

solidariedade implica uma participação consciente numa situação alheia, animus esse que não preside

todas as formas de relacionamento social. O motorista de praça, que conduz um passageiro ao seu destino, não age solidariamente ao semelhante, verificando-se, tão somente, um entrosamento de interesses.

A solidariedade por semelhança caracteriza-se pelo fato de que os membros do grupo social conjugam seus esforços em um mesmo trabalho. Miguel Reale exemplifica esta modalidade: “podemos lembrar o esforço conjugado de cinco ou dez indivíduos para levantar um bloco de granito. Este é um caso de coordenação de trabalho, que tem como resultado uma solidariedade mecânica.”8 Esta forma foi mais desenvolvida no início da civilização humana e é a espécie que predomina entre os povos menos desenvolvidos. Na solidariedade por divisão do trabalho a atividade global da sociedade é racionalizada e divididas as tarefas por natureza do serviço. Os homens desenvolvem trabalhos diferentes e beneficiam-se mutuamente da produção alheia, mediante um sistema de troca de riquezas. Por essa diversificação de atividades, as tendências e vocações tendem a realizar-se.

Um plano de elaboração conjunta de um anteprojeto de código, que pressupõe o trabalho solidário de juristas, pode consagrar uma ou outra forma de solidariedade, havendo, inclusive, a possibilidade da adoção das duas concomitantemente. Esta última hipótese se configuraria quando, dividido o trabalho global em partes, cada uma destas ficasse confiada a um grupo que estudaria em conjunto.

A estrutura da sociedade, na teoria de Léon Duguit, estaria no pleno desenvolvimento das formas de solidariedade social. O Direito se revelaria como o agente capaz de garantir a solidariedade social, seu fundamento, e a lei seria legítima enquanto promovesse tal tipo de interação social.

12.3. A Ação do Direito. O Direito está em função da vida social. A sua finalidade é favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas e os grupos sociais, que é uma das bases do progresso da sociedade. Ao separar o lícito do ilícito, segundo valores de convivência que a própria sociedade elege, o ordenamento jurídico torna possíveis os nexos de cooperação e disciplina a competição, estabelecendo as limitações necessárias ao equilíbrio e à justiça nas relações.

Em relação ao conflito, a ação do Direito se opera em duplo sentido. De um lado, preventivamente, ao evitar desinteligências quanto aos direitos que cada parte julga ser portadora. Isto se faz mediante a

exata definição do Direito, que deve ter na clareza, simplicidade e concisão de suas regras, algumas de suas qualidades. De outro lado, diante do conflito concreto, o Direito apresenta solução de acordo com a natureza do caso, seja para definir o titular do direito, determinar a restauração da situação anterior ou aplicar penalidades de diferentes tipos. O silogismo da sociabilidade expressa os elos que vinculam o homem, a sociedade e o Direito: Ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi jus; ergo, ubi homo, ibi jus (onde o homem, aí a sociedade; onde a sociedade, aí o Direito; logo, onde o homem, aí o Direito).

Cenário de lutas, alegrias e sofrimentos do homem, a sociedade não é simples aglomeração de pessoas. Ela se faz por um amplo relacionamento humano, que gera a amizade, a colaboração, o amor, mas que promove, igualmente, a discórdia, a intolerância, as desavenças. Vivendo em ambiente comum, possuindo idênticos instintos e necessidades, é natural o aparecimento de conflitos sociais, que vão reclamar soluções. Os litígios surgidos criam para o homem as necessidades de segurança e de justiça. Mais um desafio lhe é lançado: a adaptação das condutas humanas ao bem comum. Como as necessidades coletivas tendem a satisfazer-se, ele aceita o desafio e lança-se ao estudo de fórmulas e meios, capazes de prevenirem os problemas, de preservarem os homens, de estabelecerem paz e harmonia no meio social. O Direito se manifesta, assim, como um corolário inafastável da sociedade. Esta foi definida por Massimo Bianca como “todo agregado humano que se submete às regras jurídicas comuns, ou seja, a um mesmo ordenamento jurídico.”9 A característica fundamental da sociedade é, assim, a submissão de um agrupamento de pessoas a iguais leis ou sistema jurídico, sem o que não poderia haver entendimento e convivência.

A sociedade sem o Direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o Direito representa um grande esforço para adaptar o mundo exterior às suas necessidades de vida.