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A Multiculturalidade existente nas escolas A sua percepção e entendimento.

O ETNOCENTRISMO ESCOLAR E A EDUCAÇÃO MULTI/INTERCULTURAL

1. A Multiculturalidade existente nas escolas A sua percepção e entendimento.

Na escola da Nova Cidade, frequentada por 220 alunos, a diversidade social e cultural é a tónica dominante. Existem casos de crianças pertencentes a outra religião que não a dominante, que é a católica, crianças de outras nacionalidades, de países de Leste, ou seja, nela as definições e conceitos de multiculturalidade descritos no ponto 4.1.(I Cap.), estão bem patentes, embora, as situações verdadeiramente sentidas como casos “explícitos” de multiculturalidade, são as questões relativas às diferenças sócio-económicas, afirmando os professores serem situações cada vez mais frequentes e de difícil tratamento pela sua complexidade e susceptibilidade.

Estas são as diferenças que actualmente sobressaem, cada vez, mais na população escolar desta escolae que se tornam, de certa forma, algo constrangedoras, quer pelos comportamentos das crianças, como nas próprias atitudes que vão contornando as relações que estabelecem, assim como as conversas que desenvolvem entre si.

A problemática do desemprego e emprego precário, que tem afectado grande parte da região do Minho, tem sido a causa destes desequilíbrios económicos e motivo de certas contenções familiares. Esta realidade observável pelos professores, a partir das suas crianças, tem sido motivo de grande preocupação para a escola. Sentem um certo desconforto entre as crianças, que demonstram alguma insatisfação por perderem o acesso a determinados consumos a que estavam habituadas e também alguns descontentamentos evidenciados pelas famílias. Estas vão demonstrando certas dificuldades económicas, principalmente, quando desistem, a pouco e pouco, de actividades de ocupação dos tempos pós-escolares, mais dispendiosas, porque embora propostas pela escola são co-financiadas pelas famílias.

«Já no início de Janeiro, alguns encarregados de educação suspenderam algumas actividades frequentadas pelos filhos e que não são suportadas pelo projecto que a escola tem para a ocupação dos tempos livres, como é o caso do inglês, natação, música ... e outras. Então os pais começaram a desistir duma actividade, em Fevereiro doutra... e isso tem surgido um pouco por todas as turmas, inicialmente eram os casos de irmãos e agora ... outros. Famílias de classe média e baixa ... muitas. Os pais não dizem frontalmente que não têm condições financeiras suficientes, mas os professores notam no próprio comportamento das crianças, ... elas queixam-se que já não podem ir lanchar à pastelaria, que queriam uma mochila da Barbie e a mãe diz que é cara, que não pode ser ... e outros queixumes que eles fazem e que são o reflexo das dificuldades económicas. Isso preocupa-me bastante porque há aqui vários casos de crianças de estrato social alto e as crianças tendem a apontar diferenças...» (Prof. Ana, EB1 da Nova Cidade).

O mesmo se verifica nas escolas da Ribeirinha e Vale Verde, que embora de meio rural, também usufruem de ocupação dos tempos livres, não com a mesma coordenação como da escola urbana, mas onde as famílias também têm de contribuir com uma parte financeira, embora pouco significativa. Nesta altura do ano lectivo, cerca de 30% das famílias, já retiraram as crianças destas actividades, por impossibilidade de pagar. Esta ocupação do tempo, após o final do tempo escolar, tenta responder às circunstâncias familiares das crianças que frequentam a escola, pois numa parte significativa dessas famílias constatam-se casos de violência doméstica, alcoolismo e trabalho infantil, decorrentes dessas situações de fracos recursos económicos.

«Nesta escola o nível social e culturas das famílias destas crianças é maioritariamente baixo. Uma parte destas famílias é beneficiária do rendimento mínimo e outra, são empregados da construção civil. Vivem mal e orientam mal os dinheiros. São as crianças as mais prejudicadas, porque vivem sempre num ambiente desestruturado e com poucas condições. Por causa dessa desorganização familiar são vítimas de maus tratos, físicos e psicológicos, assistem a cenas de violência doméstica, muitas vezes provocada pelo alcoolismo. Têm sido estes problemas que muito têm preocupado os professores» (Prof. Guilhermina, EB1 da Ribeirinha).

A escola de Vale Verde é frequentada por 2 crianças de origem alemã, irmãs, e que se distinguem claramente do restante grupo. Embora de cultura, hábitos e tradições muito diferentes, estão verdadeiramente integradas no ambiente da escola e detentoras de grande sucesso escolar.

«Os alemães são dois irmãos, não vivem com grandes luxos, mas têm uma família organizada e muito consciente das necessidades das crianças. Os pais apoiam muito os filhos nas coisas da escola. Este já é o segundo ano que estão nesta escola, estão perfeitamente integrados e embora diferentes na forma de ser e estar, são muito bem aceites pelos outros miúdos ... também são excelentes alunos e isso interfere na aceitação. Estes alunos apresentavam uma grande diferença que era a língua, razão que muito tem ajudado as outras crianças no interesse pelas actividades curriculares, principalmente no estudo da língua portuguesa. Actualmente os alemães dominam a língua portuguesa como os lusos, tanto na leitura como na escrita. Os alemães trazem livros de histórias em alemão, lêem em alemão e depois contam em português, isso tem estimulado os portugueses a fazer esse trabalho também ... por isso tem enriquecido muito todo o processo ensino-aprendizagem de todos ... o mesmo acontece com a matemática, eles são excelentes e gostam de explicar os seus raciocínios para os colegas portugueses e assim incitam estes ao mesmo. As trocas têm desenvolvido a participação e intervenção de todos» (Prof. Celeste, EB1 de Vale Verde).

Como referem Stoer e Cortesão (1999) e Almeida (2000) a pobreza é uma emergência da sociedade actual que vem engrossar a multiculturalidade. É uma diferença cada vez mais constatável na população escolar e difícil de contornar e trabalhar por ser uma questão algo particular e até íntima de cada família. Esta realidade não passa despercebida à escola, que por ter reflexos exteriores, afecta a auto-estima das crianças, o seu bom percurso escolar, assim como o seu saudável relacionamento intra-grupo, originando por vezes, algum preconceito.

Esta particularidade das diferenças sócio-económicas destaca-se como sendo a mais evidente e preocupante na percepção dos professores, perante toda a abrangência da multiculturalidade, registando eles que este problema se torna muito difícil e melindroso no seu tratamento entre as crianças. No entanto, consideram que este problema existe na escola e tem de ser por ela atendido. Estas questões, sempre que surgem, são imediatamente tratadas e atendidas pelos professores no grande grupo, mas de forma dialogada, pela troca de opiniões. Nos documentos de orientação e organização escolar, construídos pelos professores, essas problemáticas são descoradas, embora se verifiquem, pontualmente, algumas insinuações a respeito.

«Reflexão e partilha de opiniões sobre riqueza e pobreza» (Planificação Mensal, mês de Dezembro)

«Incentivar a fraternidade entre os homens independentemente do credo e da raça» (Planificação Mensal, mês de Fevereiro)

As diferenças religiosas, também são consideradas pouco importantes, quando confrontadas com as situações de pobreza que nos dias de hoje vão emergindo nas escolas. Outra vertente multicultural completamente desvalorizada são as diferenças de género. O facto duma criança ser do sexo feminino ou masculino é encarado como uma diferença “natural”, inerente às crianças e de pouca importância para o relacionamento e construção interior das crianças.