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O Etnocentrismo escolar e a igualdade de oportunidades para o sucesso educativo

O ETNOCENTRISMO ESCOLAR E A EDUCAÇÃO MULTI/INTERCULTURAL

2. O Etnocentrismo escolar e a igualdade de oportunidades para o sucesso educativo

Os professores ainda têm o conceito de multiculturalidade, pouco estruturado e algo indefinido. Explicam-no de forma vaga e dispersa, relacionando-o sempre com as raças e o

cruzamento das diferentes culturas decorrentes das diferenças raciais. A informação sobre multiculturalidade é muito restrita e pouco conscientizada.

«Ora bem, educação multicultural é ... as raças ... ensinar as diferenças entre as raças ... não sei. Educação intercultural, é que respeitem e aceitem as diferenças ... sei lá.» (Prof. Amália, EB1 da Ribeirinha).

É nesta decorrência que os professores revelam acções e atitudes dotadas de algum etnocentrismo escolar, na medida em que se mantêm daltónicos às diferenças existentes nas salas de aula e incapazes de distinguir o arco-íris aí em agência, em parte por falta de formação e pelo pouco conhecimento destas temáticas.

«As diferenças relacionadas com as raças e a religião, nós apercebemo-nos delas e damos-lhe atenção sempre que surgem, ... através de conversas tenta-se que os alunos aceitem as diferenças que surgem naquela altura e vão-se resolvendo no momento que aparecem, outras diferenças ... também não passam em branco mas vejo-as como coisas normais, o que não se pode deixar é que um aluno diminua outro por ter algo diferente, é nesse sentido que eu atendo as diferenças ... aparecem, resolvem-se logo e acabou» (Prof. Marta, EB1 da Nova Cidade).

Os professores de meio urbano mostram-se detentores duma mentalidade docente mais aberta e flexível. Concordam que a escola de hoje é distinta da escola primária de há vinte anos atrás, as diferenças são mais explícitas e a escola tem de saber atendê-las e dar-lhes respostas convenientes.

«A escola dos dias de hoje já é muito, mas muito diferente da escola de há 20, até 10 anos atrás. Hoje as crianças são muito activas, gostam de partilhar ideias, interesses, gostam de ser ouvidas. São muito abertas e dinâmicas. Hoje obrigar as crianças a permanecer 5 horas sentadas, a pensar, a ler e escrever é um sofrimento para elas ... e o rendimento não é o mais produtivo. Hoje as crianças gostam de mexer e fazer experiências, de colaborar uns com os outros e trocar pontos de vista .. e é neste formato educativo que vejo o futuro bem sucedido da escola» (Prof. Celina, EB1 da Nova Cidade).

Os professores afirmam que a escola actual se deve centrar nos interesses das crianças e das suas diferenças. Assim, a escola e os seus professores têm de acompanhar as transformações sociais, porque se reflectem e reproduzem na escola, e apetrecharem-se de ferramentas e estratégias à altura da infância actual. As crianças de hoje esperam uma escola adversa ao método tradicional e ao docentrismo. É nesta esteira que se deposita a mudança educativa nos

professores, esperando alterações de habitus inculcados e de certa forma ainda vocacionados para a uniformização escolar, pois nos diversos documentos analisados, todos fazem referência ao respeito, compreensão, tolerância, valores, mas sem uma verdadeira intenção multi/intercultural.

«É mais que evidente que aquilo que se faz nas escolas não muda por decreto. É nos professores que reside a mudança, eles é que têm de querer mudar a escola, se eles boicotarem a mudança está tudo estragado na educação. Aos professores têm de ser criadas condições para a mudança e então há sucesso escolar nas crianças, claro está que o professor tem de assumir a escola na pessoa das suas crianças, elas é que são os actores centrais e é por causa deles que existem as escolas e os professores» (Prof. Marta, EB1 da Nova Cidade).

No entanto, todos os professores concordam que as questões da multiculturalidade ainda são recentes e que eles necessitam de proceder a um crescimento profissional para adquirirem competências para implementar a educação multi/intercultural. Actualmente sempre que surgem diferenças, não as anulam mas o enfoque sobre elas, dentro do grupo de crianças, é pontual e trabalhado superficialmente. Embora os professores se sintam um pouco incomodados com estas práticas, afirmam desconhecer formas e procedimentos pedagógicos capazes de atender convenientemente à diversidade cultural. É neste sentido que chamam à atenção para os planos de formação de professores, pois desconhecem que estes incluam temáticas sobre multiculturalidade (só relativamente à educação especial). Os professores assumem que continuam a ter práticas monoculturais, um pouco pela formação inicial que tiveram e também pela formação contínua que não é pensada com o intuito de os preparar para a população escolar actual que é extremamente diversificada e complexa, como é referenciado no ponto 4.6. (I Cap.).

«Francamente, aqui nesta escola e em muitas mais, ninguém sabe concretamente como trabalhar a diversidade cultural. Há aqui escolas com um grande número de crianças ciganas e têm desenvolvido projectos nessa vertente, mas têm a orientação de investigadores da universidade, ... e isto porquê? ...porque não há formação nesta área .. e devia haver, até porque estão aí bastantes crianças vindas de Leste, e agora esta problemática que afecta as crianças, que são as situações de desemprego dos pais. Nós devíamos trabalhar isto com outra profundidade, mas não sabemos, fazemos como nos parece melhor para que as nossas crianças cresçam dentro das fronteiras do respeito pelo outro e das suas características sócio-culturais e se sintam felizes aqui dentro» (Prof. Ana, EB1 da Nova Cidade).

Os professores, principalmente aqueles que exercem funções há vários anos em meio rural, ainda detêm uma mentalidade muito sustentada na uniformidade e homogeneidade cultural, não reconhecem a diversidade das suas crianças e desvalorizam as diferenças, porque não as reconhecem como tal. É neste cenário que reina o imperialismo da escola, a cultura dominante e a prática monocultural (p. 4.5., I Cap.).

«Nós não podemos estar a dar muita importância à diferença de cada um, até porque podia parecer que estávamos a dar mais atenção a uns do que a outros. Quando surgem diferenças relevantes, em que pode haver críticas entre os miúdos, fala-se logo, e espera-se que eles aceitem, de resto depois temos o currículo a trabalhar com todos da mesma forma» ( Prof. Celeste, EB1 de Vale Verde).

O professor ainda direcciona todo o acto educativo que se focaliza nas normas e mandatos políticos, pondo um pouco de parte, a recontextualização da comunidade donde a população escolar é oriunda, para o quotidiano da escola, não vendo nisso qualquer perda de identidade dos seus alunos. Não é feita a construção duma ponte sólida e segura que fortifique relações entre escola e comunidade, não sentindo na existência da comunidade educativa um veículo estruturador da recontextualização dos modos de vida fora da escola no seu quotidiano, é visto como algo pouco necessário e que não altera o sucesso académico das crianças (p. 3., II Cap.).

«As relações da escola com a comunidade são esporádicas, nem vejo necessidade nesse estreitamento, os pais nem se interessam por vir à escola, só no fim do ano para saber se os filhos passam de ano ou não ... eles ainda acham que a escola só diz respeito aos professores ... mas as crianças gostam da sua vinda à escola, isso é verdade» (Prof. Guilhermina, EB1 da Ribeirinha).

Nas escolas de meio rural não há Associação de Pais e estes colaboram pouco com a escola. Só o fazem quando incitados pelos professores e de forma fugidia. Os professores também parecem pouco preocupados com este absentismo parental. Parecem conformados com esse afastamento, afirmando no entanto que os seus alunos se sentem confortáveis com a permanência dos pais na sua escola.

Os professores tendencialmente monoculturais, dão continuidade a uma escola também ela indiferente às diferenças que nela vivem, baseando as suas práticas na homogeneização educativa e promovendo, inconscientemente, o assimilacionismo, na medida em que, por um lado, todo o acto educativo é norteado pelas características sócio-culturais do grupo maioritário,

assimilando as particularidades e por outro lado, a cultura da escola domina essas diferenças, como se descreve no ponto 4.2. (I Cap.).

Normalmente, os professores encaram as diferenças como situações pontuais que são tratadas mas sempre numa base do diálogo e do tratamento virado para a “conversa”. É desta forma dialogante professor/crianças que os possíveis conflitos são geridos e resolvidos. Esta é a atitude multicultural assumida e utilizada sempre que necessária. A educação multi/intercultural não é tida como prática, ainda não é encarada como mais uma faceta do projecto educativo, daí o não vir explicitamente descrita em qualquer tipo de documento obrigatório, nem mesmo nas planificações de aula. Os professores ainda não elaboram planos de aula ou mesmo projectos, sejam eles Educativo, Curricular de Escola ou de Turma onde, intencionalmente, se expresse a vontade, ou necessidade de praticar a educação multi/intercultural, por forma a respeitar as diferenças e os direitos das crianças. Os documentos analisados focam alguns aspectos da multiculturalidade mas sem a verdadeira intenção de as passar à prática, se não veja-se:

«Nem tudo o que se escreve é para cumprir e muito do que se escreve nesses papéis não se concretiza» (Prof. Marta, EB1 da Nova Cidade).

Esta concepção e prática monocultural é mais evidente nas escolas da Ribeirinha e Vale Verde, as localizadas em zonas rurais, em que os professores se posicionam numa escola mais tradicional, depondo alterações e mudanças nas suas práticas por verem na sua atitude práxica a melhor forma de promover a igualdade de oportunidades para o sucesso educativo de todos.

Os professores afirmam ser a uniformização, o atender a todos da mesma maneira, a atitude mais correcta e equitativa de trabalhar e de caminhar na direcção da igualdade de oportunidades. Apontam o facto de as escolas serem bastante isoladas e dispersas, e isso impossibilitar intercâmbios sociais entre os alunos. Também, o facto de serem de lugar único, ser um só professor a trabalhar com poucos alunos mas com os quatro anos de escolaridade, dificulta o exercício de todo o acto educativo. Tanta heterogeneidade não é bem vista pelos professores e prejudica o bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. São os alunos de meios mais desfavorecidos, oriundos de famílias com défices de cultura letrada, onde os estímulos para as crianças na sua escolaridade escasseiam que não usufruem da dita igualdade de oportunidades para o seu sucesso académico. É neste sentido que na maioria dos projectos de turma, e nos das escolas rurais sem excepção, se encontram pontos direccionados para os diferentes ritmos de aprendizagens e as estratégias da escola para atender a essa questão.

«Individualizar o processo de ensino-aprendizagem»

(Projecto Curricular de Turma, Prof. Celeste, EB1 de Vale Verde: 11)

«É evidente que a formação académica das famílias tem interferência com a disposição das crianças para a escola, revelam um leque alargado de conhecimentos e uma fácil apetência para o estudo e assimilação» (Prof. Célia, EB1 de Vale Verde).

Nesta sequência, os professores que trabalham nas escolas de meios rurais mostram-se favoráveis ao encerramento das escolas pequenas, embora as comunidades não aceitem esta política. Só vêem benefícios para as crianças, tanto para o seu sucesso educativo como para as trocas sociais, interrelações diversificadas e cooperação entre as diferenças. Os professores ainda acrescentam que nesta realidade escolar as situações de multiculturalidade são escassas, porque as crianças são poucas e conhecem-se muito bem, logo a formação multicultural no espírito dessas crianças é pouco desenvolvido e estruturado. O contacto com situações de pluralidade vai certamente surgir quando transitarem para o 2º ciclo e aí verifica-se que estão despreparadas para a interacção, compreensão e respeito das múltiplas diferenças, o que pode originar comportamentos xenófobos ou preconceituosos.

Na escola da Nova Cidade, em meio urbano, a realidade escolar é muito diferente das de meio rural, os modos de vida escolar e as práticas docentes completamente distintas. Cerca de 50% dos docentes já utilizam uma metodologia de trabalho que tira partido da homogeneidade existente nas crianças, denominada Metodologia de Projecto, metodologia esta que é operacionalizada a partir das crianças, ou seja, elas dão a conhecer interesses de pesquisa, que em negociação elegem um tema/interesse e é trabalhado, normalmente em grupos, durante o tempo que ao professor parecer suficiente para explorar esse interesse educativo. É durante essa pesquisa que o professor cruza a parte curricular, praticamente sem as crianças se aperceberem dessa “intromissão”.

«Ora bem, temos aqui crianças mais apoiadas em casa que outras, umas as famílias também têm mais conhecimentos para o fazer que outras. Há aqui filhos de professores e engenheiros e filhos de empregados fabris, estas crianças também são diferentes na sua aprendizagem, salvo poucas excepções. Que é que os professores vão fazer? Os que avançam têm de ter trabalho para avançarem, os mais lentos, apoiam-se individualmente, com a nossa imaginação, tentando motivá- los o mais possível para todas as aprendizagens, onde se incluem as curriculares, mas aqui tentámos introduzi-las despercebidamente» (Prof. Filomena, EB1 da Nova Cidade).

Nesta escola cada professora lecciona só com um ano de escolaridade, mas com turmas de 25 alunos. Apontam o dinamismo e interesse da Associação de Pais na vida daquela escola, só com a colaboração e participação dos pais e outros elementos da comunidade, aquela escola é vista como um pólo de grande importância naquela zona.

«O nosso interesse nesta escola é que as crianças sejam felizes, depois disto que desenvolvam profundamente o seu espírito de curiosidade, e depois é observar o seu êxito escolar. Claro está que trabalhamos intimamente com as famílias das nossas crianças. Sempre que alguma mãe ou pai vem à escola, o seu filho anda num entusiasmo inexplicável, e mostra-lhe os trabalhos, põe-no a conversar com o seu grupo de trabalho ... sei lá é muito motivador o trabalho diário que é proposto pelas crianças e a partilha com a comunidade ... o resultado no interesse das crianças pela escola é total» (Prof. Ana, EB1 da Nova Cidade).

Sintetizando, tanto as professoras a trabalhar em meio rural como urbano, têm um conceito pouco formulado e incompleto de educação multi/intercultural, apontando deficiências à formação contínua por não contemplar essas questões que têm emergido com a globalização.

No entanto, a forma de encarar a escola actual e a educação já se revela bastante diferente. As professoras a leccionar na escola urbana revelam uma mentalidade mais pós- moderna no sentido em que já adoptaram metodologias de trabalho inovadoras, que centram todo o acto educativo na criança e esta é tida como o actor principal de todo o processo ensino- aprendizagem.

Vêem a existência da comunidade educativa como uma forte parceria para o bom funcionamento e organização da escola, como estímulo à comunidade docente para solidificar a ponte e assim melhor perceber a multiculturalidade a viver dentro de si e para encetar formas de a trabalhar e respeitar em simultâneo com o efectivo cumprimento dos direitos das suas crianças e assim dotar a escola num território democrático e equitativo, como se descreve no ponto 1.3. (II Cap.).

Em meio rural, as professoras focalizam a formação contínua como deficitária, a urgência de reestruturar a rede escolar, mostrando-se favoráveis ao encerramento das escolas com um número inferior a 10 alunos para haver mais possibilidades das crianças adquirirem um maior capital de interacções sociais e culturais assim como a intensificação da cooperação que poderá estimular a aceitação e o respeito pelas diferenças, assim como, sugerir algum espírito de “competição”, que sendo saudável ajuda na melhoria do sucesso educativo. Há escolas rurais onde só existe um aluno num determinado ano de escolaridade, logo esse aluno não tem com quem se comparar e pode estagnar a sua vontade de melhorar.

Actualmente os professores desta zona assumem-se como práticos ainda muito tradicionais onde a homogeneidade e uniformidade é a prática, sendo que o cumprimento da parte curricular é fundamental em toda a práxis docente, residindo aí a igualdade de oportunidades pelo facto de a todos ter de ser oferecida toda e a mesma parte curricular, uma vez que é essa que vai ser avaliada e que vai servir para que os alunos possam avançar, ou não, na sua escolaridade. Os professores falam nas crianças com ritmos de aprendizagem mais lenta, a eles é feito um ensino mais individualizado, mas provavelmente, será um aluno que não atingindo as competências mínimas terá de ser retido.

Os professores desta zona assumem-se como práticos detentores de algum daltonismo cultural e não vêem grande importância no estreitamento de relações com a comunidade, sentido essa proximidade como uma possível intrusão na vida da escola.