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Formação Contínua de Professores para a Multi/Interculturalidade

4. EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL

4.5. Formação Contínua de Professores para a Multi/Interculturalidade

Com as tensões criadas entre modernidade e pós-modernidade colocam-se no debate alguns temas importantes e entre eles a educação. Defende-se que o homem, quanto mais

conhecedor for de tudo o que o rodeia, mais possibilidades um país tem de exercer a democracia e a liberdade. Investe-se então no capital humano como condição necessária para o progresso. Em Portugal, algumas áreas são influenciadas com a transição destes paradigmas que se inicia na década de 60, revelando-se as mudanças, relativamente à educação, pouco significativas num estado extremamente regulador.

Na década de 70 aposta-se no aumento da quantidade de professores, investindo-se na sua formação inicial e fundando-se nessa altura, o debate sobre a sua formação.

Nos anos 80, esse debate é posto em prática, surge então a formação de professores já em exercício, que em lugar de vir de encontro às suas problemáticas, vem vincar ainda mais o papel controlador do estado, uma vez que os professores «começaram a perder prestígio intelectual, social, cultural e económico, tornando-se funcionários públicos, assistindo-se mesmo, a uma certa desprofissionalização e proletarização» (Peres, 2000: 260). É em 1986, com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, que a formação contínua ganha relevo e é sujeita a um enquadramento normativo.

A década de 90 é marcada pela formação inicial de professores, em paralelo com a contínua em serviço, que tende «a articular-se em primeira linha com os objectivos do sistema, nomeadamente com o desenvolvimento da reforma. É uma visão inaceitável, uma vez que não concebe a formação contínua na lógica do desenvolvimento profissional dos professores e do desenvolvimento organizacional das escolas» (Nóvoa, 1992: 22).

A formação de professores assume assim duas vertentes, a inicial e a contínua. Embora a formação inicial dos professores se vá adaptando às transformações sociais, reconstruindo os seus programas, esta torna-se insuficiente para apetrechar os professores de conhecimentos para toda a sua vida profissional. É nesta decorrência que se concorda com Delors (1996), quando afirma que a educação e formação não pode ser somente aquela que foi adquirida na fase académica de um indivíduo, tornando-se necessário recorrer à formação permanente, ou seja, durante toda a vida.

Uma vez que a formação inicial de professores não é, por si só suficiente, tem de ser complementada com uma aprendizagem, já em serviço, para que os professores consigam o devido equilíbrio entre o saber, saber fazer e o saber ser. Pois, embora todos estes requisitos sejam exigidos dum professor, será ao nível do último que mais se espera, uma vez que a heterogeneidade patente dentro duma sala de aula é uma constatação que deve ser atendida e respeitada na escola actual.

Para que os professores possam “crescer” profissionalmente, ou seja, consigam responder adequada e atempadamente às características e mudanças societais que certamente se

reproduzem na população escolar, têm de receber formação, que é «um processo destinado a aperfeiçoar o desenvolvimento profissional do professor» (Pacheco, 1995: 120) com a pretensão de «estimular uma perspectiva crítico-reflexiva que forneça aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional» (Nóvoa, 1992: 25).

Toda a formação deve ser abrangente e capaz de transformar os professores em investigadores reflexivos e críticos das suas próprias práticas. Pois será através deste exercício que se vão apercebendo das alterações sociais da população escolar, da emergência de outras e novas necessidades educativas, assim como da incompletude das suas práticas.

Para fazerem esta conscientização, os professores, têm de, no decorrer da seu percurso profissional, preencher vazios educativos por eles percebidos nessas práticas. Essas percepções, que têm de ter respostas educativas, vão suscitar transformações das práticas que serão satisfeitas através da investigação e empenho pessoal mas, essencialmente, pela formação procurada ou oferecida pelos Centros de Formação ou Universidades.

Defende-se portanto que os professores devem investir no seu «desenvolvimento profissional» (Nóvoa, 1992; Marcelo Garcia, 1992a) através da formação como «um continuum» (Marcelo Garcia, 1992a: 54), que começa com a formação inicial para depois acompanhar todo o exercício docente, ou seja, aceder a uma formação contínua que se deve centrar «na actividade quotidiana da sala de aula, próxima dos problemas reais dos professores, tendo como referência central o trabalho das equipas docentes, assumindo portanto, uma dimensão participativa, flexível e activa/investigadora» (Id., Ib.: 54).

Assumindo que a formação contínua «tem como missão apoiar os professores durante o seu percurso profissional, serve aos professores para superar carências, compensar deficiências, desenvolver a sua especialização, animá-los no compromisso de melhora do seu ensino e facilitar, em suma, o seu desenvolvimento pessoal e profissional através dos recursos necessários» como refere Montero (cit. por Peres, 2000: 263), torna-se por isso, central para a melhoria práxica, devendo trilhar um caminho, cujo principal objectivo, será formar professores como profissionais reflexivos (Schön, 1992; Pérez Gómez, 1992) em que «o professor age de certo modo como investigador no seu terreno de acção e que através destas preocupações e actuações se vai enriquecendo interiormente, se vai construindo, num verdadeiro processo de formação» (Stoer e Cortesão, 1999: 34) contribuindo ainda, para um melhor funcionamento

organizacional das escolas que faz emergir «uma cultura profissional no seio do professorado e uma cultura organizacional no seio das escolas» (Nóvoa, 1992: 24).

É neste sentido que a formação contínua, para ser eficaz e frutífera, deve responder às necessidades educativas, não só dos professores mas também de cada escola, deve visar também, uma melhor preparação do seu corpo docente em função do modelo educativo adoptado, dos seus projectos, assim como do contexto da comunidade educativa e das suas características multiculturais, ou seja, deve ser encarada como «um projecto permanente de resposta às necessidades individuais dos professores (satisfação profissional e progressão na carreira) e às necessidades educativas; encontrar um modelo organizacional que contemple não só a escola como local central de formação, bem como as instituições de formação do ensino superior como pólos disseminadores e colaborantes; privilegiar a articulação entre formação inicial e formação contínua; seguir uma metodologia de investigação-acção, orientada para a resolução de problemas práticos e para a emergência de uma cultura profissional; criar um quadro de formadores ao nível dos educadores e professores dos ensinos básico e secundário, com a consequente elaboração do seu perfil e das suas competências» (Pacheco, 1995: 126).

Como neste início do século XXI, são as questões da diversidade cultural que mais desafios colocam às escolas e aos professores, espera-se que através da formação contínua, os professores se apropriem de skills (habilidades), para melhor perceberem a multiculturalidade entre os seus alunos e promover a interculturalidade entre as múltiplas diferenças, duma forma assumida e isenta, sem subterfúgios ou daltonismo. É nesta área que a formação contínua tem de investir, dotar os professores de conhecimentos e estratégias suficientes, para que se sintam seguros das suas competências e capazes de encarar a multiculturalidade como algo que existe entre as crianças e que tem de ser trabalhada, por forma a não transformar a pluralidade em uniformidade, anulando as diferenças e tratar a todos como sejam um só.

Neste seguimento, Zeichner alerta para a necessidade dos professores estarem preparados para «o respeito pela diversidade humana, juntamente com formas mais genuínas de envolvimento dos pais na tomada de decisões nas escolas ... sensibilizados ... para valores, tipos de vida e culturas diferentes das suas e a desenvolver o seu respeito pela diversidade humana» (1992: 129). Para que a multi/interculturalidade seja efectiva dentro das salas de aula, o professor tem de partilhar a educação e o ensino-aprendizagem, dos seus alunos, com os pais e abrir a escola e a sua sala de aula a toda a comunidade envolvente. Só perante esta atitude se constitui uma comunidade educativa e a escola passa a trabalhar em verdadeira parceria, só dessa forma a ponte entre culturas é estabelecida.

Conclui-se assim, que a formação contínua encerra uma importante função de mudança no ensino através da “pressão” implícita aos professores. Além de os ajudar a mudar mentalidades educativas, dota-os de mais competências ao nível da reflexão-crítica sobre as suas práticas, motivando-os para a mudança e inovação, alerta-os para novas realidades sociais reflectidas na população escolar e oferece novos conhecimentos e estratégias de atendimento, por forma a que, perante situações únicas e peculiares, saibam dar respostas, também elas únicas, mas adequadas, pois parte da natureza da formação contínua é «melhorar a qualidade do ensino ... e a melhoria da qualidade do ensino passa, pela natureza das prestações de ensino» (Chantraine-Demailly, 1992: 153).