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4. EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL

4.1. Conceptualizar a Educação Multicultural

A discussão teórica à volta do conceito de multiculturalidade e interculturalidade tem sido, de certa forma, consensual. Estas questões tiveram a sua origem nos países anglo- saxónicos há mais de vinte anos atrás, depois na Europa e mais recentemente em Portugal, mais precisamente, na década de noventa.

É principalmente no sistema educativo que esta temática toma grande relevância, devido ao insucesso e abandono escolar, tentando que as políticas educativas, pelo menos teoricamente, incluam uma «política da diferença» (Magalhães, 1998b; Stoer e Cortesão, 1999) e preencham um dos hiatos da modernidade nesta pós-modernidade, abandonando, gradualmente, o conceito e prática da educação compensatória para dar lugar ao de Educação Multicultural (Formosinho, 1997; Valentim, 1997).

Carlinda Leite, refere-se à multiculturalidade «enquanto simples constatação ou aceitação passiva da existência de várias culturas» (1997: 55), porque «não é a mesma coisa ser- se menino ou menina, ser da classe média ou de um grupo social com parcos recursos económicos, ser mais velho ou mais novo» (Ferreira, 2002: 35), logo, esta questão tem de ser vista como uma «área de conceptualização de políticas e práticas, em vários domínios, para construção de uma sociedade multi-étnica» (Cardoso, 1996: 8).

Sendo a multiculturalidade uma emergência da escola pós-moderna, esta realidade pressupõe a prática da Educação Multicultural. Formosinho defende que o conceito de educação multicultural cobre «as diferenças de origem regional (urbana ou rural), de classe social e de género, está claramente conotado com as diferenças culturais de natureza nacional, étnica ou religiosa, ou seja com as diferenças de natureza civilizacional» (1997: 271), acreditando Isabel Guerra que «qualquer tipo de educação multicultural deve partir do reconhecimento das culturas em presença, fornecer igualdade de oportunidades na diferenciação cultural em presença, contrariar a discriminação de qualquer tipo, económica, étnica, cultural, religiosa etc.» (1996: 84). É detendo-se nestas argumentações de Formosinho e Guerra, que alguns autores, nesta era da pós-modernidade, destacam as questões das diferenças sociais e económicas como centrais no conceito de multiculturalidade e da Educação Multicultural; Stoer e Cortesão (1999: 59) põem em evidência «a pobreza», Almeida (2000: 14) as «desigualdades sociais que atravessam, o campo da infância. A pobreza, na sua multidimensionalidade», acrescentando Magalhães «que as desiguais oportunidades de sucesso são devidas a questões de classe social ou etnia» (1998a: 6).

Souta, entende que a Educação Multicultural «como um meio de combate eficaz ao etnocentrismo, à xenofobia e ao racismo, não pode deixar de estar presente em ambientes homogéneos do ponto de vista étnico-cultural» (1997: 56).

Para definir o conceito em questão, Cardoso cita Carrington; Short que dizem significar «o conjunto de estratégias organizacionais, curriculares e pedagógicas, ao nível de sistema, de escola e de classe, cujo objectivo é promover a compreensão e tolerância entre indivíduos de origens étnicas diversas através da mudança de percepções e atitudes com base em progressos curriculares que expressem a diversidade de culturas e estilos de vida» (1996: 9).

Para Banks & Banks, citado por Banks «a educação multicultural é um processo cujos objectivos principais são ajudar as crianças de diferentes grupos culturais, étnicos, sexuais e sociais a ter acesso a oportunidades educativas iguais, e ajudar todos os alunos a desenvolver atitudes, percepções e comportamentos transculturais positivos» (2002: 527), vindo nesta continuidade Guerra (1996: 88), quando afirma «que o objectivo último da educação

multicultural mais não é do que desenvolver as capacidades de integração e comunicação entre as crianças e o mundo».

Como a multiculturalidade é considerada um fenómeno e uma realidade existente, regra geral, em todas as sociedades, surge a necessidade da interculturalidade. É perante esta emergência que é necessário manter uma dinâmica entre o conceito de multiculturalidade e interculturalidade, sendo o «multicultural: entendido como uma constatação da presença de diferentes culturas num determinado meio e da procura de compreensão das suas especificidades, enquanto que - intercultural – é visto como um percurso agido em que a criação da igualdade de oportunidades supõe o conhecimento de cada cultura, garantindo, através de uma intervenção crescente, o seu enriquecimento mútuo» (Cortesão e Pacheco, 1993: 52), dinâmica essa a implementar urgentemente nas escolas. É neste seguimento que Cardoso (1996) invoca a “igualdade de oportunidades” como sendo central no conceito de educação multicultural e a educação intercultural como sendo o grande objectivo a implementar no sistema educativo para que todas as crianças, tenham as diferenças que tiverem, possam ter igualdade de oportunidades tanto no acesso como no sucesso escolar.

É sob várias designações, «educação multicultural ou intercultural, educação para a tolerância, educação anti – racista, que a escola se procura envolver numa batalha, em que ela própria se define como um espaço de encontro de culturas, mais do que igualdade homogeneizante e “monocultural”» (Valentim, 1997: 85), acrescentando o autor que a «educação intercultural vai mais longe e define-se pela afirmação positiva, pela valorização daquilo que as “outras culturas” têm de específico e trazem de diferente à cultura escolar» (Id., Ib.: 86).

Poder-se-á então afirmar que a multiculturalidade é a existência de diversidade na sociedade em geral e na “sociedade” escolar, a educação multicultural reconhece essa pluralidade, tendo a educação intercultural, a tarefa de implementar a consagração da convivência, de uma forma saudável, equitativa, sem preconceitos nem estigmas, ou seja, partilhar as diferenças de uma forma construtiva, daí «a multiculturalidade introduzir uma enorme riqueza cultural, no País ou na sala de aula» (Guerra, 1996: 85).

No entanto, Magalhães (1998b) analisa a multiculturalidade enquanto diferença cultural e no perigo desta correr o risco de ser radicalizada em “racionalidades mínimas”, tornando-se cada vez mais forte a ideia da pós-modernidade como tarefa emancipatória das sociedades diversificadas, pois «uma abordagem crítica à diferença cultural deve deslocar a sua atenção de um foco exclusivo nos grupos subordinados, especialmente porque essas abordagens tendem a sublinhar os défices, para outro que examina como é que o racismo nas suas diversas formas se

produziu histórica, semiótica e institucionalmente aos mais diversos níveis da sociedade. Ao contrário de muito liberalismo, a diferença cultural significa muito mais do que tomar conhecimento dos “outros” e analisar estereótipos, mais fundamentalmente significa compreender, comprometer-se e transformar as diversas instituições que produzem racismo e outras formas de discriminação» como refere Giroux (cit. por Magalhães, 1998b: 107).

Magalhães e Stoer tratam esta problemática utilizando a terminologia educação inter/multicultural e definindo-a como «sendo, por um lado, o lugar de encontro/confronto de diferenças e da sua negociação e, por outro, o lugar ele próprio agenciado pela diferença, isto é, é a própria educação escolar que se coloca nos guiões dos actores sociais e culturais e não o contrário» (2003: 7).

Em síntese, aceitando que a Educação Multicultural pretende abrir consciências para a forte diversidade existente lado a lado, à Educação Intercultural cabe pôr essas diferenças a co- agir em boa convivência e entendimento, a partir do seu conhecimento profundo, pela compreensão e tolerância, alteridade e aquisição de mais riqueza cultural. Nesta argumentação, este estudo adoptará a terminologia de educação multi/intercultural, sempre que necessite de invocar esta dinâmica e interactividade.